CNPq nega bolsa a pesquisadora e cita gravidez como justificativa

Sede do CNPq. (Reprodução)
Da Revista Cenarium Amazônia*

SÃO PAULO – A professora Maria Carlotto, do curso de relações internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC), recebeu um parecer do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) que, na análise de sua formação acadêmica, afirmou que “provavelmente suas gestações atrapalharam” a realização de pós-doutorado fora do país, “o que poderá ser compensado no futuro“. Ela teve seu pedido de bolsa de produtividade recusado e pretende recorrer.

A docente explicou que o edital de sua área, a sociologia, continha mecanismo para incentivar mulheres que são mães a submeterem propostas. Ao analisar a produção acadêmica (artigos, livros, orientações de pesquisa), o edital levou em conta o que foi produzido nos últimos cinco anos. No caso das mães, o período de abrangência era mais amplo, com o acréscimo de dois anos a cada licença-maternidade.

O edifício-sede do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) em Brasília
O edifício-sede do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) em Brasília – Divulgação/CNPq

Ela diz que o CNPq deveria ter se preparado institucionalmente para a implementação de políticas do tipo. “Um edital que se propõe a ser sensível à questão de gênero e, mais especificamente, da maternidade, tinha que ter feito o circuito completo. Na prática, eles incentivaram as mulheres mães a participarem e depois entregaram violência de gênero. Eles tinham que ter feito um trabalho de letramento dos pareceristas“, afirma a pesquisadora, que sublinha ter sido tratada por artigo masculino, como “o proponente”, durante todo o parecer, inclusive no trecho que fala de suas licenças-maternidade.

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Em nota, o CNPq afirma que o juízo foi inadequado e incompatível com os princípios que regem as políticas da agência, “tanto porque um estágio no exterior não é requisito para a concorrência em tal edital quanto por expressar juízo preconceituoso com as circunstâncias associadas à gestação“.

O CNPq também afirma que a avaliação foi formulada por parecerista ad hoc e não influenciou na decisão por não conceder o financiamento à professora, pois não foi corroborado pelo comitê assessor responsável pela análise das propostas de pesquisa.

Carlotto diverge e diz que a nota do CNPq terceiriza a culpa. Ela afirma que houve, sim, erro do parecerista ad hoc, mas também do CNPq, que, em sua opinião, deveria ter interditado o parecer como um todo. Diversas passagens do texto foram citadas na avaliação final de sua proposta, afirma, ainda que o trecho preconceituoso tenha sido deixado de fora.

Eles viram que tinha uma violência de gênero. Como deixaram passar esse parecer? Tinham que ter pedido outro. Que, inclusive, poderia ser negativo também“, afirma.

Ela ressalta que não tem condições de julgar se a avaliação final de seu pedido foi justa ou injusta, dado que isso só poderia ser feito a partir da comparação com todas as outras propostas, e que sua discussão não está relacionada à recusa da proposta.

Em seu posicionamento, o CNPq acrescenta que instruirá o corpo de pareceristas para maior atenção na emissão dos pareceres e que a Diretoria Executiva do CNPq examinará as providências cabíveis.

O CNPq tem como valores a busca de maior inclusão considerando dimensões de gênero, étnico-raciais e assimetrias regionais e não tolera atitudes que expressem preconceitos de qualquer natureza, sejam eles de gênero, raça, orientação sexual, religião ou credo político”, afirma.

(*) Com informações da Folhapress

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