Como desigualdades regionais explicam disparidades de notas no Enem

Ribeirinhos em canoa, embarcação típica da região amazônica (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
João Felipe Serrão – Da Revista Cenarium

MANAUS (AM) – Os dados do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2023, divulgados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), demonstraram o impacto das desigualdades sociais e regionais que marcam o Brasil. Essa é a avaliação de especialistas em Educação consultados pela REVISTA CENARIUM.

Em 2023, 60 redações atingiram a nota máxima no Enem. Rio de Janeiro e São Paulo foram os Estados que obtiveram o maior número de notas 1.000 na redação, com sete em cada um. Em relação às regiões, 25 das notas foram no Nordeste, 18 no Sudeste, sete no Sul, cinco no Norte e quatro no Centro-Oeste.

Na última edição do exame, realizada em novembro do ano passado, os participantes redigiram um texto dissertativo-argumentativo sobre o tema “Desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil”.

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Para a doutora em Educação pela Universidade Federal do Pará (UFPA) Míriam Amaral, as regiões Sudeste e Sul sempre foram privilegiadas em termos de renda, acesso a bens públicos e serviços públicos de qualidade, o que impacta no desempenho dos alunos nos índices de educação. A especialista avalia que os desafios para o avanço da educação na Região Norte exigem do poder público mais investimento financeiro.

Moradores em casa de madeira na região amazônica (Marcelo Carnaval/Agência O Globo)

“É preciso um maior investimento de recursos públicos para a educação, sobretudo, no que tange a questões estruturais, na infraestrutura das escolas e na melhora da qualidade do ensino por meio da qualificação dos professores. Isso leva a uma melhoria no ensino ofertado aos estudantes”, afirmou a doutora em Educação.

Pobreza

Ainda de acordo com Míriam Amaral, outro fator que impacta o desempenho da Região Norte nos índices educacionais é a pobreza. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontou que, em 2021, as regiões Norte e Nordeste tinham as maiores proporções de pessoas pobres na população. O Nordeste registrou 48,7% da população na pobreza, enquanto o Norte, 44,9%.

“A pobreza é um fator que pesa no desempenho dos estudantes, sobretudo, porque as desigualdades sociais e regionais vão refletir em um acesso à educação de qualidade. Para as crianças, jovens e adultos acessarem as escolas na Região Norte é preciso investir na qualidade desse acesso, sobretudo, no transporte público de qualidade, terrestres e aquático”, disse a especialista.

Interior da Amazônia

Para o mestre em Educação pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e professor Moisés Gomes de Aguiar, os governos que passaram até hoje não encaram a educação como investimento social e econômico, mas como despesa. O especialista é autor do livro “As Políticas Públicas para a Educação Profissional no interior do Amazonas”.

O pesquisador ressalta, ainda, que o grande problema da educação em cidades do interior do Norte do País é a falta de políticas públicas efetivas que levem em conta a dimensão continental da região e suas particularidades. Ele defende, para a Amazônia, um diferencial curricular e pedagógico.

“A educação oferecida no interior é deslocada da realidade dos moradores. A matriz curricular traz temas e assuntos que não dizem respeito à realidade e vivências dessas pessoas. Quando se fala de educação na Amazônia, falamos em educação ribeirinha, indígena, rural e urbana. Não temos uma política pública que considere as divergências que existem dentro da própria região”, afirma o mestre em Educação.

Livro ‘As Políticas Públicas para a Educação Profissional no interior do Amazonas’, de autoria de Moisés Gomes (Reprodução)

Moisés Gomes de Aguiar destaca a importância de se estabelecer políticas públicas que atendam a necessidade econômica e social dos cidadãos que moram nas cidades do interior da Amazônia. Ele afirma que a educação na Região Norte precisa ser repensada.

“Nós não temos como traçar uma política econômica para o interior do Estado se não houver investimento forte na educação e na qualificação profissional, como os países desenvolvidos fizeram. É preciso investir em formação das gerações atuais e novas gerações para que possamos ter cidadãos que vão atuar no meio ambiente, piscicultura e agropecuária. Cidadãos bem formados e pessoas que possam ter uma visão do futuro para a economia do interior do Estado“, ressalta o especialista.

Escola em área rural do Amazonas (Bruno Kelly/Fundação Amazonas Sustentável)

O mestre em Educação fala, ainda, que existe uma diferenciação conceitual entre crescimento e desenvolvimento. Para ele, o que se tem observado nas cidades do interior do Amazonas é um crescimento populacional, mas que não acompanha um desenvolvimento social e econômico.

“A educação perpassa por essas situações. Não adianta colocar políticas públicas apenas para o crescimento das cidades, é preciso que exista desenvolvimento. Desenvolvimento requer educação de qualidade, uma educação em que vamos ter que valorizar o quadro profissional de professores e o corpo técnico, não apenas com salário, mas também com a qualificação da mão de obra dos professores para que essa cultura venha desde as primeiras séries até o nível superior”, finaliza o professor.

Leia mais: Desigualdades se acentuaram em 2023, aponta Banco Mundial
Editado por Adrisa De Góes
Revisado por Adriana Gonzaga
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