Conheça Antônio Bispo, pensador que propôs ‘contracolonização’

Antônio Bispo, também conhecido como Nêgo Bispo, escreveu livros falando sobre a "contracolonização". (Divulgação)
Marcela Leiros – Da Revista Cenarium Amazônia

MANAUS (AM) – Líder quilombola e ativista político, professor, poeta e autor de livros que tratam sobre a colonização no Brasil, Antônio Bispo dos Santos, conhecido como “Nêgo Bispo”, morreu nesse domingo, 3, deixando um legado da sua atuação em movimentos sociais e organização em defesa de povos quilombolas, além da intelectualidade, uma das suas características mais marcantes. Em suas obras, o piauiense propôs o conceito de contracolonização, ou seja, a rejeição à colonização.

“Contracolonizar é contrariar e não sentir a dor que esperam que sinta”.

Antônio Bispo dos Santos

Bispo sofreu uma parada cardíaca. Ele passou mal durante a tarde de domingo e foi levado ao Hospital Estadual Teresinha Nunes de Barros, na cidade de São João do Piauí, a 450 quilômetros da capital Teresina. Na unidade de saúde, ele teve duas paradas cardíacas e não resistiu.

Autor de livros como “A terra dá, a terra quer” (2023), “Colonização, Quilombos: modos e significados” (2015), “Quilombos, modos e significados” (2007), além de contribuir em vários artigos acadêmicos, Antônio Bispo conceituou o termo “contracolonialismo” que, segundo ele, representa a recusa de um povo à colonização, uma luta empreendida por africanos, indígenas e quilombolas.

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Sobre o assunto, ele comparou, na Feira do Livro em São Paulo, em junho deste ano, o adestramento de animais à colonização. “Já fui adestrador. Eu confinava o boi, cercava-o, mudava a sua alimentação para que ele viciasse naquela comida e pensasse que dependia de mim para comer, e botava nele um nome — a arte de nomear é a arte de dominar. Quem bota um nome manda”, contou.

Ainda segundo o pensador, da Lei Áurea até a Constituição de 1988, o quilombo era considerado uma organização criminosa e a Constituição limitou-se a um direito colonialista. “Criminalizaram nossas manifestações. Criminalizaram nosso corpo. Depois nos acolheram, mas na mesma escola deles, na mesma saúde deles. O Estado é colonialista”, declarou, afirmando, com humor, que não queria a morte dos colonizadores, “mas se alguém quiser voltar para a Europa a gente faz vaquinha para pagar a passagem”.

O poeta também declamou, em seus poemas, como a colonização atinge os povos. (Veja abaixo)

Não fomos colonizados

“Quando nós falamos tagarelando
E escrevemos mal ortografado
Quando nós cantamos desafinando
E dançamos descompassado
Quando nós pintamos borrando
E desenhamos enviesado
Não é por que estamos errando
É porque não fomos colonizados”.

Antônio Bispo morreu aos 63 anos. (Divulgação/Ccom)
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Legado

Pensadores, políticos, artistas e ativistas expressaram lamento, por meio das redes sociais, pela morte do escritor. O presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT) publicou, na rede social X, que Nêgo Bispo foi um importante intelectual quilombola. “O piauiense Nego Bispo foi autor de livros, poemas e artigos, além de um ativista social importante das comunidades tradicionais que constituem parte importante da nossa identidade“, afirmou.

A Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq) destacou “a voz singular e significativa no âmbito da literatura e do pensamento quilombola” de Antônio Bispo. “Sua contribuição inestimável para a compreensão e preservação da cultura e identidade quilombola será lembrada e reverenciada por gerações“, declarou.

O Ministério da Igualdade Racial, do governo federal, afirmou que o escritor foi “um intelectual quilombola negro que colocava os saberes orgânicos como fundamentais para a construção de um pensamento ‘contracolonial’“, deixando um legado “gigante” para a preservação da cultura e identidade quilombola.

Vida

Nascido em 12 de dezembro de 1959, no Vale do Rio Berlengas, no Piauí, Antônio Bispo formou-se pelos ensinamentos de mestras e mestres de ofício do quilombo Saco-Curtume, município de São João do Piauí. Ele morreu aos 63 anos, em seu Estado de origem.

Foi o primeiro de sua família a ser alfabetizado. Desde cedo, foi incumbido de desenvolver a habilidade de traduzir para a escrita a sabedoria de seu povo e mediar as relações com o Estado. Como liderança, atuou na Coordenação Estadual das Comunidades Quilombolas do Piauí (Cecoq/PI) e na Conaq.

Antes de falecer, realizou palestras, conferências e cursos por todo o Brasil. Também foi professor convidado do Encontro de Saberes da Universidade de Brasília (UNB) e da Formação Transversal em Saberes Tradicionais, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Editado por: Yana Lima

Revisado por: Gustavo Gilona

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