Copa do Mundo 2022: como o futebol desperta memórias afetivas em pessoas da periferia

Uendel Nunes diz que o futebol tem o poder de unir pessoas pretas e periféricas até mesmo pela questão da identificação, sabendo que muitos ídolos do esporte vieram de comunidades (Reprodução/Periferia em Movimento)

SÃO PAULO – “A gente que mora em comunidade tem pouco para se divertir. Então, quando surge um evento que podemos nos sentir parte, mesmo como apenas torcedores, é mágico. A Copa do Mundo faz isso, une a favela apesar das dores e dificuldades que o povo enfrenta”, avalia Malu Campos Silva, estudante e moradora de Heliópolis, região periférica de São Paulo. 

Pela primeira vez na história, o Qatar recebeu, de uma vez, mais de 3,2 mil visitantes brasileiros nos primeiros dez dias do mês de novembro, devido à Copa do Mundo sediada no País – número que pode ter triplicado na última semana. No entanto, muitos brasileiros – em especial, aqueles que fazem parte da camada mais pobre da sociedade – não podem viajar, o que não os impede de torcer pelo Brasil em suas respectivas comunidades.

Menino ajuda a pintar as ruas de sua comunidade (Reprodução/Periferia em Movimento)

Para o publicitário, artista visual e colagista Uendel Nunes, o futebol está presente na identidade e cultura do povo brasileiro. “2022 é um daqueles anos em que a gente veste a camisa da seleção com um propósito: acompanhar a Copa do Mundo e aguardar o tão esperado hexa do Brasil”, ressalta.

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“Cresci neste contexto de celebrar a Copa do Mundo, então, a ideia de registrar a Copa em comunidades é uma forma de resgatar aquilo que já vivi”, explica o artista, autor do projeto editorial “Hoje tem Brasil”, voltado a mostrar como o evento esportivo serve como entretenimento para pessoas de favelas e comunidades. 

Cada local um estilo de torcida

O artista visual comenta que diversas pessoas, com maior poder aquisitivo, assistirão os jogos em espaços fechados ou em eventos privados, cobrados para transmitir os jogos: os famosos camarotes. Grande parte deles funcionarão de forma exclusiva para isso, oferecendo serviços antes, durante e após os jogos do Brasil, com telão, cerveja, open bar e outras coisas.

“Na favela também existe esse tipo de aglomeração para acompanhar os jogos, e acontece, geralmente, nos bares, nas ruas, quando existem os telões, ou até mesmo em casa. Logo, o editorial feito na Favela da Rocinha (RJ) busca apresentar ao mundo uma amostra de como a cada gol marcado, do Brasil, serão escutados gritos, fogos de artifícios, vuvuzelas e apitos surgindo das lajes, janelas, becos e casas dos moradores, ilustrando como essas pessoas, em sua maioria pretas, vivenciam o futebol dentro das favelas”, destaca.

Para a estudante Malu Campos, a oportunidade de assistir aos jogos do Brasil em sua comunidade soa mais atraente do que acompanhar a Copa do Mundo junto aos colegas de sala. Bolsista e graduanda em engenharia civil pela PUC-SP, ela conta à Alma Preta Jornalismo que se sente deslocada em festejos que unem os companheiros de curso.

“Eu escuto a galera falando que vai assistir os jogos em camarotes que cobram mais de um salário mínimo de entrada, outros que tiveram condição de ir ao Qatar acompanhar a Copa presencialmente. Essas coisas não têm nada a ver comigo, afinal, eu cresci em uma família preta e pobre que enfeitava a rua com recortes de sacola plástica na Copa”, descreve.

Rua da comunidade pintada para a Copa do Mundo 2022 (Reprodução/Periferia em Movimento)

“Na verdade, eu acho muito mais divertido o conceito caótico de torcer pelo Brasil no clima de favela: samba, suor e cerveja. Botar TV na rua e reunir vizinhos. Isso me traz ótimas lembranças”, relembra.

Ferramenta de transformação

Para o artista Uendel Nunes, o futebol tem o poder de unir pessoas pretas e periféricas até mesmo pela questão da identificação, sabendo que muitos ídolos do esporte vieram de comunidades e alcançaram o estrelato devido à carreira de jogador. 

“A Copa, portanto, é o ápice. É o momento de celebrar tudo isso, ter contato com outras culturas. É um intercâmbio cultural muito grande, até para quem não vai e acompanha de casa. O futebol é democrático do ponto de vista do entretenimento e do lazer”, salienta. 

Ele destaca que manter escolinhas de futebol em bairros mais pobres é uma forma de incluir a juventude negra no esporte e também no lazer, levando em consideração a falta de acesso dessas pessoas a outras modalidades esportivas.

“O futebol nas favelas e periferias é um agente poderoso de transformação de vidas, mesmo que esses jovens não se tornem jogadores profissionais. Aprender sobre competitividade, educação, lazer, saúde, hierarquia, já é transformador”, enfatiza. 

Memórias

“Meu avô era o torcedor mais brasileiro que tinha! Ele fazia as rezas dele em todos os jogos do Brasil e tinha a camisa da sorte para assistir às partidas. Na conquista do pentacampeonato, em 2002, ele tem certeza que o Brasil ganhou por causa da simpatia que ele fez. Eu lembro disso com muita alegria e saudade, pois foi a última Copa que ele assistiu antes de partir”, emociona-se Malu. 

Uendel Nunes, por sua vez, diz que a Copa da África do Sul, em 2010, foi a edição mais marcante de sua vida. Ele, que estudou em escola pública, relembra que o colégio em que era aluno promoveu uma imersão cultural na época do campeonato, valorizando diversos aspectos da diáspora africana e dispensando os jovens mais cedo das aulas para acompanhar os jogos. “Aquele ano foi tudo muito bom”, ressalta.

Comunitários reunidos (Reprodução/Periferia em Movimento)

“Em matéria de diversão, na favela não importa se você entende ou não de futebol. Você faz parte daquilo tanto quanto quem está no estádio. É um só sentimento, uma torcida e a vontade de gritar gol entalado na garganta de todo mundo. Para mim, não há lugar melhor para acompanhar a Copa. Não troco por nada”, finaliza Malu Campos. 

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