Crianças indígenas morrem mais em decorrência de doenças evitáveis

Composição: (Paulo Dutra/ Cenarium)
Jessika Caldas – Da Revista Cenarium*

MANAUS (AM) – Dados publicados na terça-feira, 9, pelo Núcleo Ciência Pela Infância (NCPI), revelaram que entre os anos de 2018 a 2022 a taxa de mortalidade de crianças indígenas dobrou 55% em relação à taxa de não indígenas. A CENARIUM ouviu especialistas que destacaram que entre as causas que justificam esses números estão: Obstáculos como dificuldades de acesso, alta rotatividade de profissionais e cuidados básicos iniciais.

Na opinião da antropóloga indigenista Iraildes Caldas, essa desigualdade apontada pelo NPCI é o reflexo da ausência de políticas públicas para os povos indígenas e a falta de logística para levar os insumos necessários aos povos originários.

“Este contraste está vinculado à ausência de políticas públicas para os povos indígenas. A falta de logística causa a desnutrição da comunidade que espera o alimento, o insumo, os medicamentos. E uma dieta deficitária em proteína e vitaminas proteicas reduz a imunidade e causa sérias doenças. Essas agressões impactam não só na saúde dessas crianças, mas no meio e forma de vida delas, causando doenças como tuberculose, respiração e outros. Outro fator é o envenenamento da água pelo mercúrio, que afeta as crianças ainda na gestação. Então, tudo é um conjunto, precisamos melhorar o atendimento à saúde, mas só isso não é o suficiente. Na comunidade Yanomami de Maturacá as mortes de crianças cessaram desde o ano passado, quando o DSEI foi equipado”, explicou.

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Com o nome “Desigualdades em saúde de crianças indígenas”, o estudo aponta que as ocorrências fatais são causadas por doenças evitáveis como, por exemplo, doenças infecciosas, respiratórias e de doenças metabólicas, isso acende um alerta para a necessidade de políticas públicas amplas de proteção a essas comunidades.

De acordo com a enfermeira Maria do Socorro Elias Gamenha, que teve atuação na comunidade Yanomami de Maturacá, próximo a São Gabriel da Cachoeira (distante 852 quilômetros de Manaus) as mortes de crianças cessaram desde o ano passado, quando o Distrito Sanitário Especial Indígena foi equipado. Porém, ela cita que mesmo havendo investimento na saúde dos povos originários, é preciso haver combate ao desmatamento, ao grimpo e à exploração da terra, que gera reflexos em diferentes esferas, inclusive na saúde.

“Embora exista lei na universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência. O estado do Amazonas não consegue prestar um atendimento digno e adequado à própria população do estado e município. Os povos indígenas nesse contexto estão aquém da expectativa de terem um atendimento digno, humanitário e diferenciado. Aos gestores públicos municipal, estadual e federal, precisam ter um olhar diferenciado aos povos indígenas e suas especificidades culturais e territoriais, principalmente quando se trata de crianças, pois a saúde na contemporaneidade é bem-estar físico, mental e social”, refletiu

Em 2020, quatro bebês Yanomami chegaram desidratados ao hospital de São Gabriel da Cachoeira (Raquel Uendi/ISA)

Conforme o sistema de informação do Ministério da Saúde, o Datasus, que reúne dados sobre saúde no Brasil, no ano de 2018, a cada 1.000 crianças indígenas nascidas vivas, 14,7 vieram a óbito no período neonatal, ou seja, antes de completar 27 dias. Entre as crianças não indígenas, essa taxa foi quase a metade, ou seja, de 7,9 para cada 1.000 nascidos vivos.

Estudo aponta que crianças indígenas morrem mais que crianças não indígenas (Reprodução)

Já em 2022, o índice registrado foi de 12,4 mortes para cada 1000 nascidas vivas, ou seja, um valor de 55% superior ao das crianças não indígenas, que estagnou em 8, na época. Em se tratando de mortalidade de crianças com até quatro anos, a cada 1.000 crianças indígenas nascidas vivas, 34,9 morreram em 2018, contra 34,7% das não indígenas mortas, o que é mais que o dobro da registrada entre o restante da população infantil brasileira.

Conforme a advogada e presidente da comissão indígena da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Amazonas, Inory Kanamary, crianças indígenas já nascem em estado de vulnerabilidade social, elas fazem parte de um grupo minorizado e excluído das políticas sociais.

“O contato das populações indígenas com a sociedade do não indígena trouxe doenças que não podemos curar em nossas aldeias, além disso, a falta de apoio do Estado brasileiro aliado a falta de informação das populações indígenas sobre como assegurar direitos básicos como a saúde e ainda a dificuldade de acesso piora ainda mais a situação. Ainda, os não indígenas não perceberam que as políticas de saúde indígenas criadas por eles não nos atendem, uma vez que nossa língua, cultura e especificidades não são observadas”, concluiu

Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas

No dia 27 de agosto de 1999 foi criado a Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas regulamentado pelo decreto nº 3.156 que dispõe as condições e à saúde dos povos indígenas a política visa assegurar aos povos originários o acesso à atenção integral a saúde, conforme os princípios e diretrizes do SUS

Veja o documento

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Edição: Hector Muniz
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