Crime camuflado de ‘piada’: Entenda o que é racismo recreativo

Pessoas negras sofre racismo desde a infância (Foto: Pexels/Reprtodução)
Carol Veras – Da Revista Cenarium

MANAUS (AM) – O autor Adilson Moreira explica no livro ‘Racismo Recreativo’ que o termo equivale a “humor racista”. São mensagens que reproduzem a concepção de que membros de certos grupos possuem defeitos morais, motivo pelo qual sempre estão envolvidos em situações ridículas.

O livro lançado em 2019 explica: “O humor racista é uma das formas que pessoas brancas utilizam para referendar o sistema de opressão social que as beneficiam, mas elas sempre argumentam que ele é algo benigno”. Essa prática consiste em comentários racistas argumentadas como “piadas” para não serem consideradas falas criminosas.

A ativista Rafaela Fonseca, da Associação Crioulas do Quilombo, ,Pedagoga e mestra pelo Instituto Federal do Amazonas (Ifam), explica que “o racismo recreativo pode ser interpretado como um tipo de comportamento individual e falta de sensibilidade em relação ao outro sendo um sistema de dominação”. Fonseca ressalta que outros corpos também sofrem racismo: “Vale lembrar que não é somente os negros que passam por racismo, os indígenas, asiáticos também são vítimas”, completa.

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Rafaela Fonseca (Reprodução/Arquivo Pessoal)

O caso mais recente que ganhou repercussão na mídia foi com a dançarina Cintia Mello, no Programa do Ratinho do canal SBT. Durante a programação, o apresentador Carlos Roberto Massa fez piada com o cabelo da dançarina: “Essa peruca sua é a mais bonita […] Achei um piolho”, brincou, enquanto ele e outra dançarina mexiam e puxavam o cabelo da moça. Após o ocorrido, Mello pediu demissão.

Cintia Mello (Reprodução/SBT)

Eduardo Gregório, estudante de engenharia que reside em Santos (SP), relata que as piadas vinham de dentro da família: “Chamavam de bombril, falavam que era duro. Até hoje eu raspo o cabelo e deixo bem baixinho”, disse.

A estudante de design Giselly Marques, natural de Manaus (AM), disse à CENARIUM que esse tipo de piada era comum na sua infância: “Já falaram que fava pra lavar louça com o meu cabelo”. Em outra situação, ela relata: “Em uma ocasião, onde eu havia cortado o cabelo, um parente me perguntou se eu tinha tomado um choque e que estava estranho. Era um evento de dia dos pais”, relatou.

Marques comenta que foi um longo caminho a percorrer pela aceitação de sua própria aparência, de acordo com ela, a identificação com algumas influencers a ajudaram no processo de se descobrir como mulher cacheada: “Hoje em dia não tenho nenhuma insegurança em relação ao meu cabelo e à minha aparência, mas quando eu era criança isso importava muito. Eu achava que eu ia morrer sozinha porque era feia e isso e aquilo isso até me separou um pouco da minha feminilidade” afirma.

“Foi quando eu comecei a entrar em contato com a parte da internet sobre beleza e cuidados pessoais
comecei a me importar com isso e com a minha imagem, ainda mais porque eu era adolescente, estava me descobrindo. Foi uma questão de identidade e fez um bem danado pra mim. Eu acredito muito que a beleza é sobre confiança, eu sou bonita porque me sinto assim, tenho a minha identidade e me sinto bem com ela, por mais que algumas pessoas não me achem bonita eu sei que eu sou”
, completa a estudante.

Giselly Marques (Reprodução/Arquivo Pessoal)
Legislação

Rafaela Fonseca relembra: “Não podemos normalizar . Precisamos lembrar que tem leis e que o racismo é crime inafiançável e imprescritível e que em 2023 foi sancionada a Lei 14.532 incluindo a injúria racial na lei de Crimes Raciais”. A Lei Nº 14.532, de janeiro de 2023 tipifica piadas envolvendo características raciais como crime de racismo, com a pena aumentada de um a três anos para de dois a cinco anos de reclusão.

A regra também enquadra crimes cometidos em locais destinados a atividades religiosas, artísticas, culturais ou esportivas, como teatros e estádios de futebol. Quem for condenado vai ser proibido de frequentar os locais por até três anos. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco lembrou que o combate ao racismo precisa ser uma luta constante.

“Porém ainda vemos muitas pessoas cometendo racismo recreativo. Mês passado ficou nítido na questão polêmica do amo do boi garantido aqui em Manaus. Praticou o racismo recreativo e ficou por isso mesmo. Não tendo o trabalho de ao menos entender que estava praticando tal ato e ainda fazendo graça com a religião de matrizes africanas “, disse.

Mês passado, o Quilombo de Santo Benedito, localizado na Praça 14 de Janeiro, Zona Sul de Manaus, chamou de racismo recreativo declarações e ações do amo do Boi Garantido, João Paulo Faria, durante a Alvorada do bumbá, realizada em Parintins, a 369 quilômetros de Manaus.

A nota de repúdio publicada pelo Quilombo de Santo Benedito na rede social Facebook cita que “Estender pano preto no chão e pisar, colocar carvão no chão e identificar como o seu oponente, chamar de urubu, fazer black face, fazer chacota de pinturas africanas, só pra citar alguns, é racismo (cunho racial disfarçado de piada)“.

O Caprichoso é da cor preta, com a barra branca e uma estrela na testa, enquanto o Garantido é da cor branca com um coração vermelho no centro da testa. Recentemente, o bumbá negro começou a utilizar pinturas em referência à cultura afro a face.

Leia mais: Quilombo acusa amo do Boi Garantido de racismo recreativo
Leia também: Estudante indígena Arapium é alvo de racismo em jogos de Medicina em Tocantins
Editado por Aldizangela Brito
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