Crônicas do Cotidiano: A presença do outro, a ação comunicativa e a infocracia

Nesta breve reflexão sobre o nosso tempo, retomo o pensamento crítico de três importantes filósofos, com o objetivo de pedir luzes para o entendimento das fragilidades e dos riscos da democracia como modelo de Estado, de Governança e de garantia das liberdades consagradas aos sujeitos portadores de direitos. São eles: Hannah Arendt, Jürgen Habermas e Byung-Chul Han. Cada um deles reflete o momento histórico a seu modo, mas com a clara inflexão na questão da democracia como fonte de poder e garantia de liberdade. Neste sentido, são convergentes, até certo ponto, complementares. Quando Arendt chama atenção para a “presença do outro” como ponto fundamental para pensar-se a democracia, ela está qualificando a democracia como uma construção que não se contenta somente com a condução da coisa pública (gestão), mas, fundamentalmente, com a plenitude da vida em liberdade.

Esse chamamento ao outro como necessário e fundante da democracia se destina, não mais ao sujeito sozinho, mas ao sujeito coletivo, apesar dos preconceitos que subsistem na vida social. A crítica que ela agrega aos tempos modernos, àquele espaço social e histórico construído para tornar democracia um modelo universal de governança e de crença política liberal, refere-se ao imponderável nessa mesma sociedade capitalista e que diz respeito às necessidades, aos desejos e às práticas de convivência que vão se construindo e que têm consequências quase inevitáveis: “a época moderna, com sua crescente alienação do mundo, conduziu a uma situação em que o homem, onde quer que vá encontra apenas a si mesmo”(Entre o passado e o futuro. S.Paulo: Perspectiva, 1972 p.125). Isso fica mais claro no pós- guerra, quando se consolida o modo de vida reservado (esfera privada, individualista) e do outro lado a sociedade de massas e os seus novos meios de comunicação (espaço de formação de uma nova esfera pública). Essa dualidade, se assim podermos deduzir, leva a um enfraquecimento da discussão pública, da coisa pública e, portanto, dos interesses coletivos, de forma direta (a discursividade, o embate de ideias).

Ante essas novas condicionantes, logo adiante (p.126), ela vai dizer que os homens ainda se relacionam, mas “perderam o mundo outrora comum a todos eles”. Seria, a grosso modo, uma perda da aura, definida em Walter Benjamin. O sentimento de empobrecimento da cultura e das relações sociais foi denunciado pelo “pensamento crítico”, sobretudo pela chamada Escola de Frankfurt, de quem Habermas é um dos últimos expoentes. É ele, já vivendo em pleno numa “sociedade de massa”, que vai desenvolver a “Teoria da Ação Comunicativa”, buscando compreender o mundo criado pela “teletela fantástica”, o mundo do entretenimento, do marketing comercial e político e da substituição das ideologias pelas formas discursivas mediadas pela “opinião pública”, no que resulta numa nova ágora eletrônica, que tudo fragmenta sob a lógica dos formadores de opinião, do “espetáculo”, dos “olimpianos”, como os denominou Umberto Eco. Mesmo assim, havia um centro, uma direção, um rumo definido pelo sistema capitalista liberal.

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“Na era das mídias digitais, a esfera pública discursiva não é ameaçada por formatos de entretenimento das mídias de massa (a Indústria Cultural), não pelo infoentretenimento, mas sobretudo pela propagação e proliferação viral de informação, a saber, pela infodemia. No interior das mídias digitais residem, além disso, forças centrífugas que fragmentam a esfera pública. A estrutura de anfiteatro das mídias de massas cede lugar à estrutura rizomática das mídias digitais que não tem centro. Desse modo, nossa atenção não é mais dirigida a temas relevantes para a sociedade como um todo” (Byung-Chul Han. Infocracia. Petrópolis: Vozes, p.34, 2022).

Segundo o autor, a nova configuração da mídia eletrônica, com os smartphones, os algoritmos, a inteligência artificial e a autonomia discursiva e de novas formas de produção de conteúdos por essa mídia, tornam obrigatória uma revisão da ideia de Esfera Pública definida por Habermas, onde o “outro” cedia espaço a uma “opinião pública coletiva”, mas, agora, dá lugar ao discurso sem empatia, sem o outro e sem a tomada de conhecimento e discussão dos fatos de interesse coletivo. Segue-se a um comportamento de manada, de “gado”. Gado que ruma para o matadouro da desinformação, da mentira institucionalizada, das teorias da conspiração e que pode nos levar à morte da democracia!

(*) Walmir de Albuquerque Barbosa é jornalista profissional, graduado pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam), doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo e professor emérito da Ufam.

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(*)Jornalista Profissional, graduado pela Universidade do Amazonas; Doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo; Professor Emérito da Universidade Federal do Amazonas.

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