Crônicas do Cotidiano: O príncipe que comia frango assado, mas não engolia moscas

O príncipe Regente Dom João, de Portugal, filho de D. Maria I, “A Louca”, marido de Dona Carlota, princesa espanhola, temperamental sem atestado médico, chegou ao Brasil fugido da Invasão Napoleônica e retornou a Portugal como rei, acossado pelas Cortes, reunidas após a Revolução do Porto, para impor uma nova Constituição. Nunca foi tido como herói, mas ganhou o epíteto de “O Clemente”.

Nossos “historiadores oficiais”, aqueles que escreveram ou influenciaram os conteúdos que pouco esclarecem esse Brasil que não se conhece, nos legaram, de sobra, o culto a certas personalidades duvidosas. Vamos aos fatos: D. João acomodou a corte em casas tomadas de seus donos, provocando a migração dos antigos proprietários para a periferia do Rio de Janeiro; trocou títulos de nobreza por propriedades de terras e fidelidade dos beneficiados ao Reino, criando o Baronato; confiscou réditos sobre o algodão do Maranhão para financiar a corte; mandou que o Estado do Grão Pará invadisse a Guiana Francesa, arcando com os custos; determinou que as forças militares do Estado do Brasil invadissem as possessões espanholas no Sul, onde Dona Carlota Joaquina, herdeira da coroa espanhola, pretendia recriar o império Espanhol na América do Sul; destruiu o que ainda existia da estrutura política ultramarina criada por Pombal e unificou o império português sob o seu comando, usurpando todas as possibilidades em curso, de fragmentação do atual Brasil em cinco Nações autônomas e libertas.

Criou os cursos superiores, o Banco do Brasil e ainda deixou tudo pronto para que a família real continuasse no poder com Dom Pedro. E o que mais? Além das instituições reais transmigradas, criou outras, dentre elas, a Escola de Armas, origem da atual Academia Militar (hoje em Resende/RJ), germe desse nosso militarismo político militante, com base na Escola Francesa. Para desafetos republicanos que ajudaram a escrever a torta história do Brasil, era tido como negligente, preguiçoso e bobalhão; gostava de frango assado e dizem que guardava os pedaços nos bolsos de algibeira. Por suas astúcias geopolíticas, seu Reino comparece íntegro e fortalecido no Congresso de Viena, que após a derrota de Napoleão, redividiu o mundo entre as potências europeias, em 1815. Não era besta não!

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Por culpa dessas elucubrações heroicas de nossos historiadores, deixamos de saber o que verdadeiramente comemoramos. Como data simbólica, talvez! A data tida como o dia da Independência nem é 7 de setembro, a Declaração foi assinada pela princesa Leopoldina, presidindo o Conselho de Estado, dois dias antes. Até os idos de 1840, terminadas as lutas pela Independência e as Revoluções intestinas, na Regência, o Império do Brasil ainda nem sabia como nominar seu povo (gentílico).

Brasileiros? Brasilianos etc, pois todos, de um modo geral, guardavam suas nominações gentílicas de origem: paraense (do Estado do Grão-Pará), confederado (da Confederação do Equador/Nordeste), baiano (herdeiros das diversas lutas contra nativos ou portugueses), brasileiro (do Estado do Brasil), farroupilha (do Sul Confederado). Graças ao trabalho de Dom João sediando a corte no Rio de Janeiro e os interesses nacionais de cooptação intelectual e política continuada no Império, o brasileiro, como gentílico e nacionalidade, vai sendo construído, agora por instituições criadas com essa finalidade como o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), replicado nas províncias; Academia de Belas Artes e outros. Importante dizer que o novo país nasce como propriedade de poucos: proprietários rurais, escravistas e traficantes de escravos; militares, burocratas e políticos herdeiros do poder colonial. E, assim, excluíram da nacionalidade os negros, por serem escravos; e excluíram os indígenas, tidos no período colonial como Súditos do Rei, para garantir a posse do território à Coroa Portuguesa.

Esses povos ficaram fora da Constituição de 1824. Os negros libertos ganham a cidadania de segunda categoria com o fim da escravidão. Os indígenas só foram reaparecer na Constituição de 1934, quando Álvaro Botelho Maia, Constituinte pelo Estado do Amazonas, levanta e sustenta longa discussão no Congresso e consegue garantir a eles o território, o direito à cultura própria e a proteção do Estado Nacional, cento e dez anos depois. E tais conquistas ainda não se efetivaram por completo, devido à ação política dos latifundiários e seus coadjuvantes nas estruturas do poder.

Walmir de Albuquerque Barbosa é jornalista profissional.

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(*)Jornalista Profissional, graduado pela Universidade do Amazonas; Doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo; Professor Emérito da Universidade Federal do Amazonas.

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