Delegado é acusado de atenuar tentativa de feminicídio; veja imagens

As imagens são da mulher vítima de tentativa de feminicídio em Tefé, no Amazonas (Reprodução/Imagens Cedidas)
Adrisa De Góes – Da Revista Cenarium

MANAUS (AM) – O delegado de Polícia Civil Carlos Augusto Monteiro é acusado de atenuar uma tentativa de feminicídio contra uma mulher de 30 anos, brutalmente agredida pelo então companheiro, Rodrigo Andrade da Silva, 29, no último dia 1° de maio. O caso foi registrado na 5ª Delegacia Regional de Polícia Civil de Tefé (a 523 quilômetros de Manaus) como lesão corporal. Para a Associação Manas, que prestou apoio jurídico à vítima, a ocorrência deveria ter sido lavrada como tentativa de feminicídio.

De acordo os autos do processo, o qual a CENARIUM teve acesso, a vítima contou, em depoimento à polícia, que o ex-namorado só parou as agressões após ter sido contido por um familiar, que o segurou para que ela saísse do local. A mulher ficou com diversos hematomas no rosto, orelha e olho esquerdo, além de ter os dentes quebrados e sofrer um corte no queixo, resultante da força atribuída durante os socos.

Segundo a advogada e presidente da Associação Manas, Amanda Pinheiro, a violência e o estado em que a vítima ficou, após as agressões, seriam suficientes para que o caso fosse registrado como tentativa de feminicídio.

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Trecho do documento que oficializa o tipo de violência lavrada pela autoridade policial (Reprodução)

“Infelizmente, esse tipo de configuração de crime, que ameniza a conduta do agressor contra a vítima, legitima a violência contra a mulher. A falta de rigor na apuração e punibilidade da conduta dos agressores expõem ainda mais a vítima ao risco, que fica a mercê de novas condutas violentas do acusado”, afirma Pinheiro.

A prisão

O Comando da Guarda Municipal (CGM) de Tefé prendeu Rodrigo em flagrante, no local do crime. Ele também foi apresentado à delegacia. Porém, no dia seguinte, foi solto após audiência de custódia. A Justiça também ordenou que o infrator cumprisse medidas cautelares, por meio da decisão proferida pelo juiz plantonista João Gabriel Cirelli Medeiros, titular de Boa Vista do Ramos e que responde, cumulativamente, pelo Juizado Especial do município.

“Homologo o auto de prisão em flagrante e concedo a liberdade provisória a Rodrigo Andrade da Silva, com a aplicação das seguintes medidas cautelares diversas da prisão, pelo prazo de seis meses: I – comparecimento mensal em juízo, para informar e justificar atividades; II – proibição de ausentar-se da comarca por mais de sete dias, sem prévia comunicação ao juízo; III – obrigação de comunicar ao juízo eventual mudança de endereço”, diz um trecho do termo de audiência de custódia.

O juiz plantonista também concedeu medidas protetivas de urgência em favor da vítima. Com isso, o agressor está proibido de aproximar dela a uma distância mínima de 500 metros, além de ser impedido de manter contato por qualquer meio de comunicação. Para a presidente da Associação Manas, o resultado da audiência de custódia é como um passe livre para impunidade.

“Estamos vendo casos rotineiros de violência contra as mulheres, em Tefé. As mulheres estão à mercê, e essa certeza de impunidade dos agressores corrobora para que isso continue acontecendo, porque eles não têm uma pronta-resposta. Um cara liberado em audiência de custódia tem a certeza da impunidade”, avalia a profissional.

Medo

Após a agressão, a vítima alega que tem receio de sair de casa sem companhia e está refém dos traumas psicológicos resultantes da violência praticada pelo ex-namorado. Com o agressor em liberdade, a mulher afirmou que a insegurança se tornou um sentimento frequente.

“Eu não me sinto segura, minha vida foi parada. Eu não consigo sair sozinha de casa, estou muito angustiada, sem saber o que fazer, pois nunca imaginei passar por isso. Muito menos por uma pessoa que falava em me querer e proteger tanto. Eu não quero que fique impune, pois outras mulheres [vítimas] não falaram e eu poderia não estar aqui hoje para falar”, relatou.

A doméstica, que se relacionava há cerca de um ano com Rodrigo, afirma que ele não demonstrava ser agressivo, mas tinha frequentes episódios de raiva por ciúme. “A gente não saía fazia um tempo e, esse dia, ele me chamou para sair. Bebemos e dançamos muito e, como em outras vezes, ele me acusou de estar com outro homem. E nessa crise de ciúme fez isso. Eu só me lembro de ter pedido para ele ir embora e acordar com ele me batendo“, disse a mulher.

Ameaças

Por causa de novas ameaças, a vítima voltou a registrar boletim de ocorrência. Segundo relatos, a mulher recebeu mensagens encaminhadas por parentes e amigos do ex-namorado que estariam prometendo novas formas de violência.

Mensagens encaminhadas à vítima via aplicativo WhatsApp (Reprodução)

Lesão Corporal x Tentativa de Feminicídio

De acordo com o Código Penal Brasileiro, o crime de lesão corporal está inserido no capítulo dos crimes contra a vida, no artigo 129, que pune a conduta de alguém por ofender a integridade física ou a saúde de outra pessoa. Ele prevê quatro formas de lesão corporal sendo: leve, grave, gravíssima e seguida de morte. As penas variam de três meses a 12 anos.

Já o feminicídio ocorre quando o assassinato envolve violência doméstica e familiar, menosprezo ou discriminação à condição de mulher da vítima. A nova legislação alterou o Código Penal (Decreto-Lei 2.848/40) e estabeleceu o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio. O crime tem pena de reclusão de 15 a 30 anos.

No caso da vítima de Tefé, no Amazonas, a legislação brasileira equipara o crime de tentativa de feminicídio ao crime de tentativa de homicídio qualificado, que tem pena de reclusão que varia entre seis a 20 anos.

Assistência às vítimas

O Centro de Referência de Atendimento à Mulher do Amazonas (Cream), que atua em conjunto com a Secretaria Municipal de Assistência Social (Semasc) de Tefé, já atendeu 120 mulheres desde janeiro deste ano até o mês de maio.

O espaço integra a rede de serviços destinada à prevenção e enfrentamento à violência contra a mulher e tem por objetivo o atendimento psicológico, social, orientação e encaminhamento jurídico à mulher em situação de violência, contribuindo para o fortalecimento e resgate da cidadania.

Para denunciar casos de violência à Central de Atendimento à Mulher, o “Ligue 180” presta uma escuta e acolhida qualificada. O serviço registra e encaminha denúncias de violência contra a mulher aos órgãos competentes, bem como reclamações, sugestões ou elogios sobre o funcionamento dos serviços de atendimento.

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