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Demarcação da TI Yanomami teve mobilização internacional e expulsão de garimpeiros
Arco-íris na Aldeia Xihopi, na Terra Indígena Yanomami - (Christian Braga - 31.mai.2022/ISA)
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30 de janeiro de 2023
Da Revista Cenarium*
MANAUS – A demarcação da Terra Indígena Yanomami, em 1992, foi o capítulo final de uma temporada de operações que incluíram explosão de pistas de pouso clandestino e até troca de tiros entre polícias militares e federais.
No entanto, antes que o decreto fosse publicado pelo então presidente Fernando Collor em 25 de maio daquele ano, a situação drástica dos Yanomami já corria o mundo, especialmente após os contatos com brancos por causa da empreitada militar da Calha Norte nos anos 1970 e da invasão de garimpeiros na década seguinte.
“A tragédia vem de longe, e a ideia era ocupar a Amazônia com população, dentro de uma estratégia de criar uma barreira humana contra invasões ou avanços na porção norte”, diz o ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão, 63.
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Ele havia tomado posse como procurador da República em 1987, e foi designado dois anos depois pelo subprocurador-geral da República da época, Carlos Victor Muzzi, para liderar o inquérito civil público que investigaria a situação, junto com a procuradora Deborah Duprat.
O trabalho inicial consistia em avaliar as denúncias e entender o que se passava com os Yanomami, devastados por doenças, drogas, estupros e prostituição, além dos efeitos deletérios do garimpo para a saúde das pessoas e do meio ambiente. As investigações culminariam numa ação declaratória, anos depois, para a demarcação do território.
A situação também vinha sendo denunciada desde os anos 1970 pela Comissão pela Criação do Parque Yanomami, coordenada pela fotógrafa suíça Claudia Andujar, 91, que viveu por anos entre a etnia e registrou seu cotidiano e seus problemas.
O governo militar, na época, chegou a sugerir, por meio da Funai, a criação de 21 “ilhas” de preservação, descartando a criação de uma faixa contínua de terra.
Em 1979, a Survival International, ONG britânica com sede em Londres, fez as primeiras tentativas para convencer o governo brasileiro a reconhecer os direitos dos Yanomami. Nos anos seguintes, fez denúncias sobre a situação na Organização dos Estados Americanos (OEA) e na Organização das Nações Unidas (ONU), além de protestar em embaixadas contra as “ilhas” para os indígenas.
“Foi quando decidimos convidar o Davi [Kopenawa] a aceitar, em nome da Survival, um prêmio. Isso daria plataforma ao Davi na Suécia. E organizamos no parlamento britânico, em Londres, para o Davi falar aos governos europeus da situação, junto à Claudia Andujar. Esse foi o momento chave”, diz Fiona Watson, 62, diretora de pesquisas da Survival International.
A visita foi em 1989, mesmo ano em que o então senador Severo Gomes (PMDB), lançou, com a Comissão de Ação Pela Cidadania, um movimento pela preservação da Amazônia, apoiado por Ulysses Guimarães.
Aragão, visitaria a região naquele ano, especialmente para verificar a situação no rio Catrimani, já poluído pelo garimpo. “Fiquei horrorizado com a situação sanitária”, afirma. Quem também ficaria chocado com a situação seria o juiz Novely Vilanova da Silva Reis, que determinou, em 1989, a expulsão dos garimpeiros do território.
“Tiveram que negociar com o Exército, que tinha muita má vontade”, diz Aragão, sobre a cessão de pessoal e equipamentos para a expulsão dos garimpeiros do território Yanomami, estimados entre 30 mil e 40 mil, na época.
As operações foram muitas, com explosão de pistas, troca de tiros e até um pedido de prisão feito por ele contra o então diretor-geral da Polícia Federal, Romeu Tuma, por colaboração com os garimpeiros.
“Houve até um ataque na época à sede da superintendência da Polícia Federal em Roraima por parte da polícia militar e do governador, chegaram a trocar tiro pela resistência a retirar os garimpeiros daquela área”, diz Aragão.
A década de 1980 terminaria com a eleição de Fernando Collor pelo antigo Partido da Reconstrução Nacional, hoje o Agir, e a necessidade de uma solução para o impasse Yanomami.
Em 1991, o então ministro da Justiça, Jarbas Passarinho, nomeou o indigenista Sydney Possuelo para o comando da Funai, com a missão de impedir a entrada de garimpeiros, segundo Aragão, que era procurador do órgão na época.
Após dois anos de operações, com a terra praticamente sem garimpeiros, a determinação do juiz Novely para a criação de uma faixa de terra contínua foi, segundo Aragão, motivo para Collor baixar o decreto de 1992, “contra tudo e contra todos”, que cria a área com 9,6 milhões de hectares. O território abrange municípios de Roraima e do Amazonas no Brasil.
Do outro lado da fronteira, na Venezuela, o governo chegou primeiro. Criou, por meio do decreto nº 1.635, de 1991, a Reserva de Biosfera Alto Orinoco-Casiquiare, com 8,2 milhões de hectares, que abrange, entre outros territórios, o Parque Nacional Parima Tapirapecó, onde está concentrada a maior parte das cerca de 15 mil pessoas da etnia no país.
Watson diz que, apesar de anterior, o modelo é mais frágil do que a demarcação, já que não define que o território é específico para os Yanomami da região, mas uma reserva ambiental.
“Na lei venezuelana existe o direito de propriedade coletivo às terras indígenas, mas, no caso dos Yanomami, isso ainda não foi reconhecido. A reserva de biosfera tem um grau alto de proteção, mas não dá autonomia aos Yanomami para se reconhecerem como donos da floresta”, afirma.
Segundo ela, o modelo é mais frágil para resistir a mudanças na área protegida para a instalação de hidrelétricas, além de proteger os povos originários contra invasões, comércio de terra e mineração.
Watson diz que Collor, durante uma viagem no exterior, ficou preocupado com a imagem do Brasil, em meio aos protestos da Survival e de outras organizações contra as violações de direito dos povos indígenas.
“Por ter ficado chocado com a imagem do Brasil lá fora creio que tenha tomado essa ação mais direta”, afirma, sobre a criação da terra indígena que permanece a maior do Brasil.
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