Deputado propõe liberação de garimpo no Amazonas: ‘Desenvolvimento sustentável’

O deputado estadual Adjuto Afonso (Divulgação)
Yana Lima – Da Revista Cenarium Amazônia

MANAUS – O deputado estadual do Amazonas Adjuto Afonso (União Brasil) apresentou nessa terça-feira, 31, o Projeto de Lei (PL) 1.011/2023, que cria o “Marco Regulatório para a Atividade de Mineração” no Estado, com base no Decreto Federal 9.406 de 12 de junho de 2018. O decreto foi publicado no governo do ex-presidente da República Michel Temer (2016-2018) para flexibilizar a garimpagem, que antes era considerada ilegal. Adjuto argumenta que o projeto promoverá o “desenvolvimento sustentável”.

Utilizado pela primeira vez em 1987 na Comissão Mundial de Meio Ambiente e Desenvolvimento das Nações Unidas (ONU), o termo “sustentabilidade” é oposto à ideia de garimpagem. O conceito consiste em satisfazer as necessidades de consumo da geração atual sem comprometer a capacidade das gerações futuras, com o uso mínimo de recursos naturais e a preservação das espécies. A extração de ouro é considerada de alto impacto no ecossistema devido ao uso de mercúrio na maioria dos processos.

Leia o PL/1011, do deputado Adjuto Afonso (União Brasil/AM)

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Adjuto Afonso defendeu o PL 1.011/2023 nessa terça-feira, 31, na Assembleia Legislativa do Amazonas (Aleam). A matéria tramita na Casa e aguarda um prazo de três sessões em pauta ordinária para receber emendas. No Parlamento, deputados manifestaram-se publicamente a favor do garimpo, como o próprio presidente da Aleam, Roberto Cidade (União Brasil), Cabo Maciel (PL) e Sinésio Campos (PT).

Área de garimpo dentro da Terra Indígena Trincheira Bacajá, município de Altamira, no Pará (Reprodução/PF/Ascom)

O autor do projeto que libera o garimpo no Amazonas afirma que a intenção é “modernizar” o setor da mineração no Estado, promovendo “o desenvolvimento econômico de forma sustentável e responsável”. A proposta prevê que a atividade de mineração estará sujeita a responsabilidades ambientais que envolvem a prevenção, mitigação e compensação de impactos ambientais, considerando o bem-estar das comunidades locais e o desenvolvimento sustentável nas áreas próximas às minas.

Reunião no Madeira

O deputado da Assembleia Legislativa do Amazonas copiou o modelo de projeto de lei de liberação de garimpo existente em Rondônia e Mato Grosso como marco inicial da atividade legal de garimpo. Ele conta que participou de reunião promovida pela Câmara Municipal de Humaitá (a 451 quilômetros de Manaus) com garimpeiros (ilegais) da região, vereadores, o prefeito da cidade, o presidente do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), Juliano Valente, e o secretário estadual de Mineração, Gás e Energia, Ronney César Campos Peixoto.

Garimpo próximo à aldeia Estirão das Cobras, na Terra Indígena Munduruku, no Pará (Lalo de Almeida – 22.set.2023/Folhapress)

“A mineração é uma atividade econômica importante no Amazonas, porquanto pode contribuir para o desenvolvimento regional e gerar empregos e renda, fato justificado pelo rogo da população que habita a Calha do Rio Madeira”, diz o deputado na justificativa do projeto.

Em 2021 e 2022, operações ambientais da Polícia Federal (PF) em parceria com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) explodiram quase 200 balsas e dragas de garimpeiros ilegais no Rio Madeira, em Rondônia. A PF investiga, atualmente, o envolvimento políticos e empresários no financiamento da atividade ilegal.

Balsas e dragas são destruídas em operações da Polícia Federal e Ibama (PF)
Impactos irreversíveis

Os impactos da instalação do estabelecimento da infraestrutura de mineração foi objeto de estudo de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), em conjunto com a Universidade de Queensland, da Austrália. A pesquisa apontou que a mineração representa um potencial risco para as florestas tropicais no mundo todo. “Em especial na floresta amazônica, a atividade leva ao desmatamento, passando dos limites operacionais suportáveis pela floresta”, afirma o estudo.

As regiões do Amapá e Pará foram escolhidas para a pesquisa. A pesquisadora Juliana Siqueira-Gay, engenheira ambiental, doutora em Ciências pela Escola Politécnica (Poli) da USP e gerente de projetos no Instituto Escolhas, diz que o estudo se baseou em “dois principais modelos, o que a gente chama de modelos espacialmente explícitos”.

Foi a partir da simulação de como ficariam esses ambientes, com a abertura de estradas para o acesso às novas minas, e assim averiguar o avanço e a quantidade de desmatamento. Um exemplo utilizado foi o da Reserva Nacional de Cobre e Associados (Renca), que compreende nove unidades de conservação na divisa dos Estados do Amapá e Pará e pode implicar em um desmatamento substancial, desde a instalação das minas até as atividades secundárias que giram em torno da exploração de minérios.

O estudo concluiu que as atividades de mineração gerariam consequências diretas e indiretas, principalmente no que diz respeito ao desenvolvimento regional. “Nós teríamos uma perda de diversidade significativa, há uma perda de hábitat imediata também”, afirma a pesquisadora.

Terras indígenas

Entre 1985 e 2020, a área minerada no Brasil cresceu seis vezes, segundo a mais recente análise temporal do território brasileiro feita pelo MapBiomas. O dado, que resulta da análise de imagens de satélite com o auxílio de inteligência artificial, expressa o salto de 31 mil hectares em 1985 para um total de 206 mil hectares no ano passado. Boa parte desse crescimento se deu mediante a expansão na floresta amazônica.

Garimpo na Terra Indígena Yanomami, em Roraima (Fernando Frazão/Agência Brasil)

Em 2020, três de cada quatro hectares minerados no Brasil estavam na Amazônia. O bioma concentra 72,5 % de toda a área, incluindo a mineração Industrial e o garimpo. São 149.393 ha; destes, 101.100 ha (67,6%) são de garimpo. A quase totalidade (93,7%) do garimpo do Brasil concentra-se na Amazônia. No caso da mineração industrial, o bioma responde por praticamente a metade (49,2%) da área ocupada por essa atividade no País.

Fonte: MapBiomas

Segundo o instituto, além de se concentrar na Amazônia, o garimpo caracteriza-se também pela forte expansão em anos mais recentes. A expansão do garimpo coincide com o avanço sobre territórios indígenas e unidades de conservação. De 2010 a 2020, a área ocupada pelo garimpo dentro de terras indígenas cresceu 495%; no caso das unidades de conservação, o crescimento foi de 301%. No ano passado, metade da área nacional do garimpo estava em unidades de conservação (40,7%) ou terras indígenas (9,3%).

“Pela primeira vez, a evolução das áreas mineradas é apresentada para a sociedade, mostrando a expansão de todo o território brasileiro desde 1985. Tratam-se de dados inéditos que permitem compreender as diferentes dinâmicas das áreas de mineração industrial e garimpo e suas relações, por exemplo, com os preços das commodities, com as unidades de conservação e terras indígenas”, afirma Pedro Walfir, professor da UFPA e coordenador do Mapeamento de Mineração no MapBiomas.

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Edição: Eduardo Figueiredo

Revisão: Gustavo Gilona

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