Desmatamento: Amazônia teve área quatro vezes o tamanho de Belém sob alerta nos últimos cinco meses de 2022

O aumento é de 54% em relação ao mesmo período de 2021, de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) (Greenpeace/Reprodução)
Iury Lima – Da Revista Cenarium

VILHENA (RO) – O desmatamento da Amazônia fechou 2022 com um novo recorde negativo. Só nos últimos cinco meses do ano, 4.793 quilômetros quadrados entraram para a lista de áreas sob alerta, o equivalente a quatro vezes o tamanho de Belém, capital do Pará.

Por isso, o aumento é de 54% em relação ao mesmo período de 2021, de acordo com os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), divulgados neste mês de janeiro. 

Só no mês de novembro de 2022, a alta foi de 23% para o desmatamento, selando mais um recorde negativo no valor acumulado: 10.286 quilômetros quadrados (Reprodução/Internet)

Os dados ainda são parciais e não incluem o último dia do mês de dezembro do ano passado, em razão da cobertura de nuvens, que dificulta o monitoramento por imagens de satélite.

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Acumulado de agosto a dezembro de 2022 bate recorde para o período, na série histórica iniciada em 2016 (Thiago Alencar/CENARIUM – Fonte: Inpe

Nesse período, o sistema Deter do Inpe emitiu mais de 22 mil alertas de áreas sob risco de desmatamento. Pará, Mato Grosso e Amazonas lideram, com mais de 3 mil quilômetros quadrados, juntos.

Maranhão, Amapá e Tocantins foram os Estados que menos desmataram nos últimos cinco meses de 2022.

Rondônia aparece em quarto lugar, entre os Estados que mais desmataram, com mais de 500 quilômetros quadrados derrubados (Thiago Alencar/CENARIUM – Fonte: Inpe)

Agosto foi o mês mais devastador desse período: 1.661 quilômetros quadrados derrubados. A tendência diminuiu a partir de setembro e, em dezembro, foram pouco mais de 218 quilômetros quadrados sob alerta. 

Os municípios de Lábrea e Apuí, localizados ao Sul do Amazonas, foram os que mais destruíram a floresta entre agosto e dezembro de 2022. Isso ocorre porque as cidades ficam no eixo da BR-319, que liga Manaus a Porto Velho. Na região, o desmatamento é influenciado pela expectativa da obra, que afeta o maior bloco de florestas nativas da Amazônia Legal. 

2023 pode ser ainda pior

Outras instituições também chegaram a números alarmantes. O Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) divulgou que o acumulado de janeiro a novembro de 2022 foi maior que 10 mil quilômetros quadrados: uma perda de floresta equivalente a 3 mil campos de futebol por dia, desde 1° janeiro do ano passado, selando a pior marca em 15 anos. 

Leia também: Desmatamento: Amazônia perdeu 3 mil campos de futebol por dia em 2022; acumulado repete pior marca em 15 anos

Já para 2023, o Imazon estima que o bioma pode perder quase 12 mil quilômetros quadrados até dezembro se o desmatamento seguir o ritmo atual: quase 10 vezes o tamanho da cidade do Rio de Janeiro. 

O alerta é feito pela PrevisIA, inteligência artificial do Imazon, desenvolvida em parceria com a Microsoft, que em 2022 acertou 80% de suas previsões para a devastação da Floresta Amazônica. 

Para chegar ao resultado, os pesquisadores cruzaram dados do projeto Prodes, do Inpe, que monitora a devastação por satélite, com os registros do Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD) do Imazon, entre agosto de 2021 e julho de 2022.

“São dados muito robustos que permitem a gente, principalmente, separar onde estão as fronteiras [de desmatamento] antigas das fronteiras mais jovens”, explica à REVISTA CENARIUM o pesquisador do Imazon Carlos Souza Jr.

“Então, florestas próximas às fronteiras mais jovens vão ter maior risco de desmatar do que as florestas próximas às fronteiras de desmatamento antigas, que já estão consolidadas”, destaca o pesquisador. 

O pesquisador do Imazon, Carlos Souza Jr., aponta que a PrevisIA deve ser usada como ferramenta para coibir o desmatamento antes que ele aconteça (Imazon/Reprodução)

Ele ressalta que gostaria de ver a plataforma sendo usada, neste ano, como ferramenta para controlar o desmatamento desenfreado na Amazônia. “Eu gostaria de ver também o agronegócio acontecendo em áreas livres de desmatamento. Gostaria de ver a expansão de áreas protegidas. É preciso criar novas áreas protegidas, principalmente, nas áreas críticas. O desafio será grande, considerando que a PrevisIA aponta um desmatamento de 11.800 quilômetros quadrados (…) esse é o tamanho do desafio para a ministra Marina Silva”, acrescentou.

O que diz o Ministério do Meio Ambiente

Se a previsão se tornar realidade, o ano deve fechar com o segundo pior índice de desmatamento acumulado desde 2008, perdendo apenas para 2021, quando foram derrubados 11.568 quilômetros quadrados, de acordo com os números do Inpe. Janeiro, por exemplo, já começou com 80% das Áreas Protegidas ameaçadas. 

Pará, Amazonas e Mato Grosso concentram 73% do risco de desmatamento no ritmo atual: mais de 8 mil quilômetros quadrados. Um desafio enorme, imposto ao novo Governo Lula e a mnistra do Meio Ambiente, Marina Silva, que volta a chefiar a pasta. 

Em nota à CENARIUM, Marina Silva ressalta que, nos últimos quatro anos, ficou evidente “um completo desrespeito pelo patrimônio socioambiental brasileiro” e reconhece o desafio de reconstruir a política ambiental do País.

“Boiadas se passaram no lugar onde deveriam passar apenas políticas de proteção ambiental. Temos um desafio enorme pela frente. O desmatamento, sem dúvida, é um dos maiores. Nesse sentido, o presidente editou, em seu primeiro dia de governo, atos extremamente importantes para darmos início às ações de controle do desmatamento”, afirmou a ministra.

(Getty Images/BBC)

Ela cita cinco normas assinadas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), como o Decreto N° 11.367, que institui a Comissão Interministerial Permanente de Prevenção e Controle do Desmatamento e restabelece o Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), responsável pela queda de 80% do desmatamento na região, entre 2004 e 2012, além de determinar o controle do desmatamento, também, nos demais biomas brasileiros.

Marina Silva também fala sobre a retomada do Fundo Amazônia. A fim de liberar recursos da ordem de R$ 3,3 bilhões para as ações de fiscalização e controle e projetos de recuperação ambiental e desenvolvimento sustentável na Amazônia”; a retomada do funcionamento e a transparência do Fundo Nacional do Meio Ambiente; a suspensão de medidas protelatórias à cobrança de infrações ambientais e a revogação do decreto do Governo Bolsonaro “que, utilizando-se do termo ‘mineração artesanal’, inexistente na legislação mineral, incentiva, na verdade, o garimpo ilegal em nosso País, em especial, na Amazônia”.

Reconstruir a floresta

A ativista social, indigenista e coordenadora administrativa da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, Neidinha Suruí, avalia que não se reconstrói, em apenas um ano, aquilo que foi destruído no mandato de Jair Bolsonaro, desde 2019. Por outro lado, ela afirma estar esperançosa com a postura do novo governo federal.

“Reestruturar a Funai, o Ibama e o ICMBio vai levar tempo”, mas são atos importantíssimos, segundo Neidinha. “Fortalecer a própria Polícia Federal é fundamental para coibir as invasões (…) é fundamental para que a sociedade ajude o governo a fazer as mudanças. Nós, aqui, estamos dispostos a fazer isso”, disse ela à reportagem.

A indigenista e coordenadora da ONG Kanindé comemora a postura do novo governo em relação às questões ambientais do País (Kanindé/Reprodução)

“O próprio discurso do governo, o discurso do Lula, o discurso da Marina, do Alckmin e de todos os ministros me deixam impressionada. Pois eles estão assumindo com o discurso do meio ambiente e dos direitos humanos, então, vemos que é diferente. Mas reafirmo: o governo vai precisar de ajuda (…) os desmatadores e os criminosos do meio ambiente não vão ficar quietos”, alertou Neidinha Suruí. 

Crime organizado

Presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam), Carlos Bocuhy, lembra que a Amazônia “é uma área minada pela criminalidade”

“Você tem 3 milhões de quilômetros quadrados de estradas clandestinas, 1.600 a 1.700 campos de pouso sem controle ilegais que atendem à mineração, que atendem ao desmatamento desregrado, ou seja, você tem uma tendência de criminalidade, de desmatamento, que será como frear um carro a 120 por hora”, afirma o presidente do Proam em entrevista à CENARIUM

(Luís Macedo/Agência Câmara)

O crime organizado instalado na Floresta Amazônica é um desafio a mais para o Governo Lula na tentativa de retomar o crescimento da região. Em 2020, o ativista indígena Ari Uru-Eu-Wau-Wau foi assassinado em Rondônia, por denunciar a exploração ilegal de madeira no território de seu povo, que leva o mesmo nome da etnia, onde vivem menos de 200 pessoas.

No ano passado, o mundo se voltou para o bioma, com as mortes do indigenista brasileiro Bruno Araújo Pereira e do jornalista britânico Dominic Mark Phillips, o Dom Phillips, assassinados a tiros por pescadores que agiam de forma ilegal na região do Vale do Javari.

“Se você tomar todas as medidas, numa ação integrada, com um sistema de fiscalização que envolva comando e controle, que tenha recurso financeiro, que tenha operacional, que tenha o Ibama, polícia especializada, ao final das contas, você vai conseguir diminuir o desmatamento e atingir o que o governo pretende, que seria erradicar o desmatamento até 2030. Só que essas medidas são urgentes. Elas precisam de recursos”, concluiu Carlos Bocuhy. 

Leia também: Governo Bolsonaro fiscalizou apenas 2% dos alertas de desmatamento desde o início do mandato, revela MapBiomas

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