Diabetes e hipertensão: municípios não atingem metas de controle das doenças

Aferição de pressão (Divulgação)
Da Revista Cenarium*

MANAUS – Três anos após o início de um programa federal que vincula parte dos recursos da atenção primária ao cumprimento de metas assistenciais, mais de 80% dos municípios ainda não conseguem aferir a pressão arterial de 50% dos seus hipertensos, a cada seis meses, e dosar a hemoglobina glicada de metade dos seus diabéticos uma vez por ano.

Ao mesmo tempo, 848 cidades (24% são paulistas) não cumpriram nenhum dos sete indicadores do programa, como oferta de seis consultas de pré-natal para 60% das gestantes, de atendimento odontológico e testes de HIV e sífilis, além de exame preventivo do câncer uterino para 40% das mulheres entre 25 a 64 anos, e cobertura vacinal (poliomielite e pentavalente) para 95% das crianças.

Gestante está deitada e é avaliada por um homem, que toca a sua barriga
Exame de acompanhamento de pré-natal em gestante em Belém (PA); município foi um dos que não atingiram nenhuma meta do Previne Brasil – Henrique Santana-13.fev.2023/Folhapress

Os dados são do último quadrimestre de 2022 do Previne Brasil, programa criado no primeiro ano da gestão de Jair Bolsonaro (PL) e que mudou a forma de financiamento da atenção primária, e foram compilados pela Impulso Gov, organização sem fins lucrativos que dá apoio gratuito aos municípios para o uso inteligente de dados e tecnologia no SUS.

PUBLICIDADE

Os indicadores começaram a ser mensurados em 2020, mas, devido à pandemia de Covid, só em 2022 é que a redução de repasses começou a valer. Em setembro passado, às vésperas das eleições presidenciais, os municípios ganharam mais tempo para se ajustar ao cumprimento das metas de controle da hipertensão e da diabetes.

A partir deste ano, se não houver novas mudanças da atual gestão do Ministério da Saúde, todos os indicadores do programa estarão atrelados ao repasse de recursos aos municípios. A estimativa calculada pela Impulso é que em 2022 os municípios tenham perdido ao menos R$ 315 milhões —o valor ainda pode mudar porque a pasta ainda não disponibilizou os dados completos para o cálculo.

Em nota, o Ministério da Saúde disse que retomou o diálogo com os gestores estaduais e municipais de saúde para a construção de políticas e ações que visam fortalecer os serviços prestados à população na atenção primária. “Neste sentido, alguns programas e estratégias passam por revisão, como o programa Previne Brasil.”

A avaliação do ano passado mostra que a pressão exercida pelo programa nos municípios, vinculando o financiamento ao desempenho assistencial, já teve impacto positivo em alguns indicadores. No caso do pré-natal, por exemplo, o cumprimento da meta de seis consultas passou de 38%, no início do ano, para 54%, no fim de 2022.

“O desafio a partir de agora será enorme. A principal estratégia é a busca ativa, ir atrás das pessoas que precisam daquele atendimento. Mas uma coisa é fazer isso para cem gestantes, a outra é para 15 mil diabéticos, hipertensos [em referência à situação de um município pequeno]”, diz João Abreu, diretor-executivo da Impulso Gov.

O cumprimento da meta de cobertura vacinal da poliomielite e da pentavalente e do exame citopatológico (papanicolau) também é outro entrave: 85% e 83% dos municípios, respectivamente, não conseguiram atingir esse objetivo no último quadrimestre de 2022.

“É a primeira vez que todos os indicadores vão valer e, como não houve nada de extraordinário acontecendo para mudar esse cenário, certamente esses municípios vão sofrer uma perda real grande de recursos”, diz Érico Vasconcelos, fundador da UniverSaúde, startup que capacita gestores do SUS.

Na avaliação de Geraldo Reple Sobrinho, presidente do Cosems/SP (Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde), entre as razões para o não cumprimento das metas estão a dificuldade para localizar os usuários que precisam ser monitorados, problemas com os sistemas de informação, falta de médicos e equipes de saúde da família desfalcadas.

“Os dados dos municípios ainda têm um ‘delay’ [atraso] para chegar ao ministério. Ou porque eles têm sistemas de informação próprios e não usam o e-SUS [sistema do Ministério da Saúde] ou porque tem erro de lançamento [dos dados no e-SUS]”, diz.

Ele cita o exemplo de São Bernardo do Campo (SP), onde é secretário municipal da saúde. “Eu tenho mais de 83% das gestantes com mais de sete consultas de pré-natal. Mas, quando olho no sistema do ministério, ele dá 75%, 76%.”

Um outro problema do Previne Brasil, explica Reple, é de só informar o desempenho do município quando o quadrimestre já está fechado, ou seja, quando não há mais tempo tentar corrigir rumos assistenciais. “O ideal é que pudéssemos acompanhar o desempenho no dia a dia para ir ajustando as condutas.”

Segundo o secretário, existe também o entrave da falta de médicos, problema enfrentado pela maioria dos municípios brasileiros. Ele afirma que há 1.550 vagas de médicos em aberto em 304 municípios paulistas, e 1.351 equipes de atenção básica aguardando cadastramento e financiamento do governo federal.

“O ministério cobra equipe [de saúde da família] completa. Se o município não tem, perde ponto e acaba prejudicado [no repasse de recursos feito pelo Previne Brasil].”

Um levantamento do Conasems-SP mostra que, só em 2021, 129 municípios paulistas tiveram perdas de R$ 63,8 milhões por falta de cumprimento das metas do programa.

A médica de família Natália Araújo de Oliveira, presidente da regional paulista da SBMFC (Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade), diz que a falta de médicos e a alta rotatividade de profissionais dificultam muito o registro dos dados assistenciais do Previne Brasil. “Com equipes desfalcadas fica muito difícil conciliar assistência com registro adequado de dados.”

Oliveira conta que, na Praia Grande (SP), onde atua como supervisora da residência médica, só percebeu avanço no cumprimento das metas do Previne depois que a prefeitura treinou as equipes, de forma presencial, para o preenchimento corretos dos dados e autorizou que profissionais trabalhassem aos sábados para realizar exclusivamente essa tarefa.

Para Érico Vasconcelos, diretor-fundador da UniverSUS, muitos municípios não conseguiram atingir as metas do programa porque simplesmente não compreendem as orientações do Ministério da Saúde. “Foram mais de dez notas técnicas lançadas a toque de caixa, em um curto espaço de tempo, e mudando as regras ao longo do jogo, adaptando a avaliação às circunstâncias do momento.”

Alguns municípios também adotam estratégias errôneas. Por exemplo, fazem campanhas para aumentar a cobertura do exame papanicolau, mas, sem planejamento e busca ativa nominal das mulheres que estão em atraso, atingem sempre o mesmo público.

Na opinião de João Abreu, da Impulso, isso ocorre porque muitas dessas cidades não sabem o básico: quem são e onde estão, por exemplo, os diabéticos e hipertensos sem acompanhamento ou as gestantes com consultas atrasadas de pré-natal.

A Impulso Gov oferece uma ferramenta de busca ativa nominal desses pacientes, a partir de dados dos prontuários eletrônicos que muitos municípios já dispõem. Desde 2021, já apoiou 130 municípios e hoje há 370 cidades na fila de espera.

Segundo Abreu, é importante que a atual gestão do ministério sinalize quais serão os rumos do programa. Circulam boatos, por exemplo, de que ele vai acabar ou que passará por profundas mudanças. “É preciso aumentar o financiamento da atenção primária independentemente de qualquer coisa, mas a gente espera que os pontos positivos do programa não sejam jogados fora.”

Ele cita como um dos pontos positivos o aumento de pessoas incluídas no cadastro no SUS. São mais de 168,5 milhões de pessoas identificadas com CPF e vinculadas a uma equipe de saúde, contra 74,6 milhões em 2018, antes do início do Previne.

Além dos indicadores assistenciais, o número de pessoas cadastradas sob responsabilidade das equipes da atenção primária entra na composição dos recursos federais repassados aos municípios.

(*) Com informações da Folhapress

PUBLICIDADE

O que você achou deste conteúdo?

Compartilhe:

Comentários

Os comentários são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site. Se achar algo que viole os termos de uso, denuncie. Leia as perguntas mais frequentes para saber o que é impróprio ou ilegal.