Início » Sociedade » Diretora da Anistia Internacional afirma que Lula precisa incluir negros e indígenas na alta hierarquia do governo
Diretora da Anistia Internacional afirma que Lula precisa incluir negros e indígenas na alta hierarquia do governo
Jurema Werneck, médica e diretora-executiva da Anistia Internacional no Brasil (Leo Dresch/Divulgação)
Compartilhe:
22 de novembro de 2022
Da Revista Cenarium*
MANAUS – A presença de negros e indígenas na alta hierarquia da gestão pública será fundamental para o próximo governo enfrentar o racismo sistêmico, avalia Jurema Werneck, médica e diretora-executiva da Anistia Internacional no Brasil.
O Governo Lula terá o desafio de cumprir com os compromissos já assumidos de combate à desigualdade racial, como os acordos estabelecidos na Constituição Federal e os tratados internacionais, segundo a diretora.
“A necessidade foi reafirmada pelo número expressivo de votos que o futuro presidente recebeu da população negra e de indígenas.”
PUBLICIDADE
Jurema vê como positiva a indicação de pessoas negras para integrarem a equipe de transição do governo Lula, mas avalia que a participação ainda é tímida e precisa ser ampliada.
“Economia, desenvolvimento, saúde, educação, Justiça, segurança pública, assistência social, previdência, cultura e outras tantas áreas ainda requerem a nossa presença e a de representantes indígenas.”
Para a diretora, os governos estaduais também têm obrigações a cumprir no combate à desigualdade racial. Ela lembra que a polícia no Brasil é a que mais mata pessoas negras, e as corporações da Polícia Militar e da Polícia Civil estão sob a gestão dos governadores.
Em entrevista à Folha, por e-mail, a diretora da Anistia falou também sobre outros desafios do próximo governo, políticas públicas, o lançamento de um guia antirracismo pelos direitos humanos e a participação da entidade no Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial, evento da ONU realizado neste mês em Genebra.
Quais são os desafios do próximo governo com relação à questão racial? Os desafios se referem a cumprir com os compromissos e obrigações que o Estado brasileiro —em especial o governo federal— já assumiu para enfrentar o racismo sistêmico que provoca violações de direitos humanos.
A Constituição Federal e os tratados internacionais que o Brasil aderiu dão legitimidade a este enfrentamento, e a sua necessidade foi reafirmada pelo número expressivo de votos que o futuro presidente recebeu da população negra e de indígenas.
É preciso que se estabeleça a estrutura de governo adequada, que inclui a participação negra e indígena —mulheres, jovens, LGBTQIA+ e pessoas com deficiência— de forma estratégica em todas as áreas fundamentais de desenho e implementação de políticas públicas, e não apenas nos “nichos” estabelecidos, como a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial.
A Anistia Internacional Brasil afirmou que os direitos humanos devem ser prioridade do presidente eleito, inclusive, neste momento de transição. Que ações se esperam do governo Lula? É preciso que se coloque os interesses da maioria da população como prioridade. A maioria é constituída de negros, indígenas, mulheres, pessoas LGBTQIA+ que experimentam graves iniquidades cotidianas.
Vai ser importante estabelecer mecanismos consistentes capazes de direcionar as diferentes áreas e setores das políticas públicas para a superação das disparidades. Isso inclui a participação diversa e estratégica de pessoas que representem estes grupos na alta hierarquia da gestão pública.
É preciso inovar, reconhecendo que estamos no século 21, e criar novas estratégias para velhos e novos problemas. Confrontar desde o princípio o grave legado da Covid-19 e dos descalabros na área de segurança pública (em que as polícias foram condutoras de massacres em favelas e periferias). Desarmar a população.
Qual a avaliação da senhora com relação à nomeação de pessoas negras, como o Silvio Almeida, Anielle Franco e Douglas Belchior para o governo de transição?O que isso pode significar de mudança na próxima gestão? Vejo com bons olhos o reconhecimento de que há pessoas entre nós com competência para contribuir com a transição e com a visão de como o futuro governo precisa agir para cumprir suas responsabilidades de enfrentar o racismo com todas as ferramentas das políticas públicas.
Mas esta participação ainda está muito tímida. Economia, desenvolvimento, saúde, educação, Justiça, segurança pública, assistência social, previdência, cultura e outras tantas áreas ainda requerem a nossa presença e a de representantes indígenas.
O que os governos estaduais eleitos podem contribuir para a questão racial? Da mesma forma que o governo federal, governos estaduais têm obrigações a cumprir. É preciso lembrar que estão sob gestão dos governadores as Polícias Militar e Civil. A polícia no Brasil é a que mais mata pessoas negras e não protege a vida e a segurança de negros e indígenas.
Há, em todas as áreas da gestão pública, a necessidade de líderes de governos estaduais dedicarem esforços para eliminação das desigualdades raciais e para a garantia de que crianças, jovens, adultos e idosos, de todas as expressões de gênero, possam usufruir de seus direitos.
Qual a expectativa para a participação de negros no governo? Como disse anteriormente, quando mencionei as nomeações do governo de transição: os nossos têm total competência para contribuir com as responsabilidades do futuro governo no enfrentamento do racismo. Mas essa participação ainda é tímida e precisa ser ampliada.
Que nomes a senhora indicaria para a composição do novo governo? Acredito que a escolha de nomes é prerrogativa do novo governo que foi eleito. Mas garanto que há uma lista consistente de pessoas negras, indígenas, ciganas, de mulheres e homens cis e trans, de pessoas com deficiência e de jovens, de quem vive no Norte e Nordeste do país, nas águas, nas florestas, nos territórios indígenas e quilombolas, com a experiência de ver e viver de perto o bem e o mal que políticas públicas são capazes de produzir.
O fundamental que o futuro presidente e sua equipe precisam levar em conta é que eles não construíram essa vitória somente com homens brancos ou com pessoas brancas das classes mais altas do Sudeste do país. Não é aceitável acreditar que poderão fazer as mudanças que precisamos deixando de fora a visão e a voz da maioria. Como o movimento negro vem repetindo a tempos: nada sobre nós, sem nós!
Que políticas públicas a senhora avalia como urgentes e que o novo governo pode assumir? Todas, sem exceção, devem ter como um dos resultados a eliminação das disparidades raciais, de gênero, etárias, além das desigualdades, inclusive regionais.
Poderia dar o exemplo de uma? O exemplo de maior repercussão se refere às ações afirmativas na educação superior, que permitiram diminuir —ainda que de forma insuficiente— as disparidades na universidade.
Mas temos que lembrar que o racismo é um sistema complexo e requer medidas amplas, nas diferentes áreas e setores da política pública com liderança e financiamentos adequados e consistência ao longo do tempo.
Mas, da mesma forma que em 2002, estamos, 20 anos depois, renovando nossas apostas. Espero que desta vez se faça mais e melhor e que as ações e políticas para o fim do racismo e das desigualdades raciais sejam aplicadas de forma consistente e sejam políticas estatais, desatreladas da experiência efêmera de um governo apenas.
A Anistia está lançando um guia antirracismo pelos direitos humanos. O que consta nele? O guia, chamado “Como contribuir para uma sociedade antirracista”, faz parte da nossa campanha para engajar mais pessoas na luta antirracista, especialmente as não negras.
Com ele queremos ajudar as pessoas a conhecerem o racismo e refletirem um pouco mais sobre seus impactos na vida e nos direitos dos negros e indígenas. Queremos que a leitura inspire práticas antirracistas no dia a dia para, a partir delas, construirmos um país com acesso a direitos sem discriminação.
Os comentários são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site. Se achar algo que viole os termos de uso, denuncie. Leia as perguntas mais frequentes para saber o que é impróprio ou ilegal.
Este site usa cookies para que possamos oferecer a melhor experiência de usuário possível. As informações dos cookies são armazenadas em seu navegador e executam funções como reconhecê-lo quando você retorna ao nosso site e ajudar nossa equipe a entender quais seções do site você considera mais interessantes e úteis.
Cookies Estritamente Necessários
O cookie estritamente necessário deve estar ativado o tempo todo para que possamos salvar suas preferências de configuração de cookies.
Se você desativar este cookie, não poderemos salvar suas preferências. Isso significa que toda vez que você visitar este site, precisará habilitar ou desabilitar os cookies novamente.