EDITORIAL – 2021: perdas incalculáveis e irreversíveis

Por Paula Litaiff – Para Revista Cenarium*

A luta para retomar o controle econômico com a chegada da vacina contra a Covid-19 em meio à recessão financeira e a preocupação de manter ou aumentar os próprios rendimentos nos fez esquecer que há perdas que são incalculáveis.

Com uma visão realista, a nova edição digital da REVISTA CENARIUM traz o tema central “O que perdemos e o que ganhamos em 2021”. Um material trabalhado pelos jornalistas amazonenses Naferson Cruz e Marcela Leiros, que foram além do viés técnico. Para isso, chamamos a atenção, nesse editorial, a um prejuízo irreversível: a perda da dignidade.

No segundo semestre deste ano, assistimos a imagens de uma realidade que, para humanos normais, deixarão marcas profundas diante das trágicas características que envolvem crianças, indígenas, subnutridas e com olhares perdidos. Falamos da tragédia do povo Yanomami no Estado de Roraima.

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Imagens de meninos e meninas semelhantes às retratadas em documentários em regiões miseráveis do continente africano e que, um dia, nos pareceram pertencer a uma realidade distante, mas que, agora, estão a quilômetros de nossas casas e, mesmo com a proximidade, estamos imóveis diante de um verdadeiro genocídio de parte de nossa ancestralidade.

Embora tenha virado pauta de um programa de grande repercussão nacional, a situação das crianças Yanomamis, em Roraima, permanece sem solução, ainda que haja pressão do Supremo Tribunal Federal (STF) cobrando providências do governo federal. São famílias inteiras reféns de garimpeiros e da omissão de gestores, como o governador Antônio Denarium (PSL) e o presidente Jair Bolsonaro (PL).

Situação de crianças yanomamis foi denunciada na mídia nacional; até hoje, caso não tem solução (Imagens/Jornal Nacional)

A região Yanomami tem 9 milhões de hectares e abrange os Estados de Roraima e Amazonas. São 30 mil indígenas que habitam a extensa área dentro da floresta amazônica contra mais de 20 mil garimpeiros ilegais que atuam sob uma espécie de “licença política”.

Em maio deste ano, uma imagem rodou o mundo e se tornou um retrato da realidade da crise sanitária que atinge o povo Yanomami. Na aldeia Maimasi, uma criança deitada em uma rede escura estava tão magra que era possível ver as suas costelas. A menina tinha 8 anos e pesava apenas 12,5 quilos — o peso mínimo normal para a idade seria de 20 quilos — acometida por malária, pneumonia, verminose e desnutrição.

Telespectadores deste cenário, finalizamos o ano, ainda, inertes. O escritor Franz Kafka (1883-1924) escreveu que: “A solidariedade é o sentimento que melhor expressa o respeito pela dignidade humana”. Kafka retratava a alienação do homem do século passado, mas, caso nos visse hoje, nos atestaria como piores que os primatas.

(*) O editorial foi publicado, simultaneamente, na Revista Cenarium Digital, com acesso aqui.

Capa da nova edição digital da Revista Cenarium (Ricardo Oliveira/CENARIUM)
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(*)Graduada em Jornalismo, Paula Litaiff é diretora executiva da Revista Cenarium e Agência Amazônia, além de compor a bancada do programa de Rádio/TV “Boa Noite, Amazônia!”. Há 17 anos, atua no Jornalismo de Dados, em Reportagens Investigativas e debate de temas sociais. Escreveu para veículos de comunicação nacional, como Jornal Estado de S. Paulo e Jornal O Globo com pautas sobre Amazônia. Seu trabalho jornalístico contribuiu na produção do documentário Killer Ratings da Netflix.

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