Em Manaus, monumento centenário é descaracterizado; especialistas reprovam a ação

Iphan e Semulsp vão entrar em entendimento para solucionar o problema causado pela pintura dourada aplicada na estátua de Tenreiro Aranha (Thiago Alencar/CENARIUM)
Priscilla Peixoto – Da Revista Cenarium

MANAUS – O histórico monumento a Tenreiro Aranha, fundador da Província do Amazonas, localizado na Praça 5 de Setembro, mais conhecida como Praça da Saudade, no Centro Histórico de Manaus, ganhou uma nova cor em tom dourado. Sem respaldo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a intervenção recebeu diversas críticas, principalmente, por historiadores. A pintura fez parte da reforma feita no espaço pela Secretaria Municipal de Limpeza Pública (Semulsp).

O monumento a Tenreiro Aranha ocupa mais do que a urbanidade de uma cidade, ele faz parte da história e da memória da capital do Amazonas (Reprodução/Internet)

‘Ouro de tolo’

Para o historiador Otoni Mesquita, o erro chega a ser recorrente, e relembra outro episódio semelhante que também não foi bem aceito pela maioria. “Não é a primeira vez que os agentes públicos do município erram a mão. Já foi assim com o Mercado Adolpho Lisboa e com o próprio Tenreiro Aranha. É uma mania de querer fazer coisas sem contratar restauradores ou consultar o Iphan.

O historiador complementa criticando a decisão “errônea”. “Pintaram o Tenreiro como se fosse uma Vênus. É essa coisa medíocre de riqueza associada ao ouro, ao dourado. Um ouro de tolo, na verdade”, diz Mesquita.

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Sem respaldo

Reprovando o ato, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) cobrou da Semulsp explicações sobre o que levou a secretaria a pintar um monumento tombado, nacionalmente, sem o aval do órgão. A intervenção polêmica obrigou técnicos, agentes públicos e membros do Iphan a realizarem uma reunião de emergência na tarde desta quinta-feira, 12, aos “pés do monumento”.

De acordo com Mauro Menezes, superintendente substituto do Iphan, “Toda e qualquer intervenção em área acautelada, como é o caso da Praça 5 de Setembro, que faz parte do conjunto histórico, arquitetônico e paisagístico, precisa ser submetida ao Iphan, tanto faz se é limpeza, restauro complexo ou obra, o fato é que temos uma portaria que regula a submissão de um projeto, junto ao Iphan, para apreciação e posterior aprovação“, informou.

Ainda segundo Mauro, o desencontro gerou um atropelo. “O que aconteceu aqui, infelizmente, foi um atropelo desse processo administrativo, que não submeteu ao Iphan a aprovação. Por isso, conforme a Portaria IPHAN 187/2010, teremos que lavrar um auto de infração quanto a essa intervenção, em seguida um termo de compromisso, a partir de um laudo técnico, sobre os impactos e as possíveis soluções. Esse é o rito administrativo”, descreveu.

Mauro colocou o Iphan à disposição do município para toda e qualquer intervenção nos patrimônios tombados da cidade de Manaus para que os procedimentos sejam realizados de forma adequada. “Desde já, nos colocamos à disposição de todos para futuras reuniões com os órgãos, para trocarmos informações para as próximas intervenções, para que saibamos como fazer e agir, em cooperação técnica, evitar exageros burocráticos e, assim, realizar da melhor forma as intervenções. Estamos de portas abertas“, finalizou.

Projeto

De acordo com Jack Serafim, subsecretário de comunicação do município de Manaus, o ideal é planejar melhor as intervenções em espaços como a Praça 5 de setembro. “Foi uma revitalização da praça que contou com a boa vontade de todos os entes, na intenção de fazer o melhor. Temos um grupo de trabalho que pensa sobre essas ações e vamos estreitar mais para termos um consenso sobre essas intervenções nesses espaços”, adiantou.

Ao final da reunião, técnicos da Semulsp e do Iphan acordaram de fazer uma avaliação em conjunto para saber como reverter a pintura dourada aplicada na estátua de Tenreiro Aranha e, assim, fazer com que o centenário monumento volte ao tom bronze, que é a cor original da escultura dedicada ao primeiro governador da Província do Amazonas.

A Praça da Saudade ou Praça 5 de Setembro foi restaurada em 2010 e a reforma obedeceu ao traçado original do centenário logradouro (Reprodução/Blogspot)

História

João Batista de Figueiredo Tenreiro Aranha, ou Tenreiro Aranha, como assim é conhecido, foi o primeiro governador da Província do Amazonas. Filho do poeta Bento de Figueiredo Tenreiro Aranha e de Rosalina Espinosa Solkman Tenreiro Aranha, nasceu em 23 de junho de 1798, em Belém do Pará, e morreu em 19 de janeiro de 1861, também na capital paraense. Passou a maior parte de sua vida em Manaus, onde ajudou a fundar a província.

O monumento em sua homenagem foi erguido na Praça 5 de Setembro, mais conhecida como Praça da Saudade. A construção da escultura foi proposta pelo vereador Silvério Nery, em 11 de maio de 1883, sendo presidente da província, José Lustosa da Cunha Paranaguá. O nome oficial da Praça 5 de Setembro foi constituído em homenagem à data da Elevação do Amazonas à categoria de Província, uma homenagem também a Tenreiro Aranha, que lutou pela autonomia do Estado, separando-se definitivamente do Pará, elevando o Amazonas à condição de província.

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