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Estampas de carnavalesco aproximam abadás dos blocos de suas origens nos bairros baianos
Estampa do designer e carnavalesco Alberto Pitta (Divulgação)
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18 de fevereiro de 2023
Da Revista Cenarium*
BAHIA – Os blocos afros de Salvador atingiram a plenitude de suas fantasias com o artista plástico Alberto Pitta. O filho de Mãe Santinha, ialorixá do Ilê Axé Oyá, absorveu ainda na infância os signos afro-baianos mobilizados pelo Ilê Aiyê em sua afirmação da beleza negra no Carnaval baiano.
Em 1981, seis anos depois do primeiro desfile do Ilê, Pitta estreou com a estampa do afoxé Unzó de Obá Xireê, acrescentando ambições artísticas a um trabalho de sofisticação pouco reconhecida.
Na arte dos abadás, como são chamadas as roupas dos foliões, o designer têxtil passou a articular as iconografias indígenas e africanas com os temas celebrados pelos blocos, estampando o rosto do escultor Mestre Didi ou o imaginário do movimento tropicalista defendido pelo Olodum em 1994. Dentro de suas inovações, o desenho de uma vestimenta para os cordeiros da Timbalada e o acréscimo polêmico do amarelo de Oxum na veste azul e branca do Filhos de Gandhy.
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Há 40 anos, a estamparia de Pitta marca a identidade de blocos negros e de índios com suas cores berrantes, as “cores que berram pelas ruas da cidade”, como define Gilberto Gil no prefácio de “Histórias Contadas em Tecidos – O Carnaval Negro Baiano”, lançado pela Oyá Edições e a Capivara.
No livro, Pitta faz uma retrospectiva de seu trabalho em tecido para blocos afamados – Ilê Aiyê, Gandhy, Badauê, Olodum, Muzenza, Ara Ketu, Timbalada – e outros à margem da margem, como os Xavantes, Filhos do Congo e afoxés Zambiapombo, Oju Obá e Troça Carnavalesca Pai Burukô. Em seu depoimento, emerge o Carnaval desprezado por transmissões televisivas.
“Como os livros não chegavam para nós, começamos a fazer releituras. Eu comecei as reler as estampas africanas e desenvolver as estampas baianas-africanas. Eu fui o primeiro a assinar os panos de blocos”, afirma Pitta, 62 anos, diretor artístico do Cortejo Afro.
Membro do Olodum, entre 1984 e 1997, Pitta foi incentivado por Mãe Santinha a fundar o Cortejo no bairro de Pirajá, em 1998. Se antes ele cuidava, sobretudo, das indumentárias, após a criação de seu próprio bloco o controle artístico dos desfiles passou a ser total. O Cortejo se consolidou com o apuro estético e os ensaios mais agitados dos verões da Bahia.
“Eu precisava fazer releitura de tudo o que já fazia para o Carnaval de Salvador. Com isso, fundar um bloco que pudesse primar mais pelas instalações artísticas e inaugurar uma cor, o branco sobre branco, que terminou virando a marca do Cortejo Afro. Queria espraiar um efeito estético pela cidade. Isso nós já conseguimos”, diz o artista, sempre às voltas com a viabilização de patrocínios.
“As empresas não entendem que é importante apoiar essas organizações de bairros populares. Quando sai um bloco afro, nele saem o carpinteiro, o serralheiro, o sapateiro, a costureira, o artista do lugar. O bloco afro deixa o dinheiro no bairro”, ele defende.
“Muitos desses blocos que estão no livro já não saem mais no Carnaval. Dos blocos de índios, só os Apaches do Tororó e os Comanches. Não saem mais o afoxé Unzó de Obá Xireê, o Badauê, o Obá Laiyê, o Melô do Banzo.”
Na segunda-feira, dia 13, durante o ensaio do Cortejo Afro, no Pelourinho, o “choque de analfabetos” proposto por Pitta ficou nítido no ambiente de brasileiros, estrangeiros e artistas negros. “Os panos dos blocos afro contam histórias que não estão nos livros didáticos. Com isso, você promove o encontro de analfabetos. O que vem da academia, da classe média branca, que teve oportunidade de estudar, de ir para a universidade, para Harvard, para Sorbonne. E aquele do bairro, que não teve essa oportunidade – muitos não são, sequer, alfabetizados, mas sabem ler os signos, os símbolos nas indumentárias. São analfabetos se complementando”, ironiza Pitta.
Com a projeção do Cortejo, que celebra este ano o orixá menino Logunedé, seu trabalho se diversificou. Ele assina coleções da grife Farm e suas serigrafias são expostas em museus e espaços mais elitizados, como a galeria Paulo Darzé, em Salvador. Pitta conta que o Instituto Inhotim adquiriu seis telas suas e se interessou pela instalação “Trançatlântico”, apresentada no Carnaval.
“O ‘Trançatlântico’ é a história do cabelo por meio das travessias dos navios. É uma embarcação toda trançada por 21 trançadeiras do centro histórico. No período da escravidão, as tranças serviam como mapa de fuga para escravizados.”
A valorização da arte carnavalesca, a seu ver, acontece com atraso. “Quando há reconhecimento é um sinal muito claro de que as pessoas passaram a prestar a atenção e entender que o pano de bloco é o design afro-brasileiro. Demorou a chegar às galerias. E também demorou muito para as pessoas me verem como artista”.
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