Extrema direita ‘requenta’ vídeo suspeito arquivado pelo MP para incriminar Lancellotti

Da esquerda para direita: Jacqueline Tirotti, Júlio Lancellotti e Reginaldo Tirotti (Composição: Mateus Moura/Rede Cenarium)
Marcela Leiros – Da Revista Cenarium

MANAUS (AM) – Depois do Ministério Público de São Paulo ter arquivado denúncia por falta de prova contra o padre Julio Lancellotti, veículos de extrema direita voltaram a requentar vídeos no quais o sacerdote da Igreja Católica aparece, possivelmente, se masturbando para um adolescente de 16 anos.

A Revista Oeste, um site ultraconservador que abriga nomes demitidos da Jovem Pan, apresentou o resultado de uma perícia que aponta que o material é verídico. A narrativa, no entanto, começa a ser desconstruída quando o viés ideológico do veículo de comunicação e de um dos peritos é analisado.

O resultado da perícia foi divulgado nesse sábado, 20, pela Oeste. Segundo o site, os peritos Reginaldo Tirotti e Jacqueline Tirotti atestaram, em um documento de 79 páginas, a veracidade de quatro vídeos gravados em 2019. Os especialistas analisaram, de acordo com a Revista Oeste, o estado de conservação dos arquivos, os frames dos vídeos, realizaram exames prosopográficos — que consistem na análise de fotografias do rosto do investigante e do investigado —, assim como inspecionaram áudios.

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Sem apresentar os vídeos em questão, a reportagem da Oeste afirma que encaminhou todo o material à Arquidiocese de São Paulo, onde o padre atua. A reportagem apresenta apenas prints de conversas que atribuem ao padre diálogo erótico com menor de idade. Até o momento, grandes veículos da mídia tradicional ainda não repercutiram o caso.

Veja as imagens divulgadas pela Revista Oeste:

Reginaldo Tirotti e Jacqueline Tirotti possuem a empresa Tirotti Perícias Judiciais e Avaliações, com sede em Brasília. Ele se identifica como perito em Documentoscopia, Grafoscopia — ciência responsável por avaliar a assinatura ou forma de escrever as letras de determinada pessoa — e Local de Crime, áreas que não têm relação com a análise de documentos digitais. Jacqueline afirma nas redes sociais que tem 10 anos de experiência em “Perícia Grafotécnica/Documental”, que trata da análise de escrita e de documentos, respectivamente.

Perfil no Instagram da perita Jacqueline Tirotti. (Reprodução/Instagram)

Em rápida análise na internet, é possível verificar que Reginaldo Tirotti, pai de Jacqueline Tirotti, é um apoiador do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e participou de movimentos golpistas que pediam intervenção militar. Em um vídeo, ele aparece em uma manifestação onde se entoa “Forças Armadas, salvem o Brasil”.

Em outro vídeo, compartilhado nas redes sociais, o ex-presidente Bolsonaro cita o perito Reginaldo Tirotti e manda um “abraço hétero”.Sei que você me acompanha, tem ideias semelhantes a minha, eu fico muito grato, muito envaidecido, vai aqui um abraço hétero pra você“, diz Bolsonaro.

CPI das ONGs

Além do viés ideológico de um dos peritos, um conflito de interesse também está presente no resultado da perícia. Na capa do documento de quase 80 páginas, consta que o solicitante da análise é o vereador de São Paulo Rubens Nunes (União Brasil), que foi quem protocolou o pedido de criação da CPI das ONGs, que a atuação de Organizações Não Governamentais no Centro de São Paulo. Um dos principais alvos da comissão era o padre Julio Lancellotti.

Perícia foi solicitada pelo vereador Rubens Nunes. (Reprodução)

Rubens Nunes acusa as ONGs de promoverem uma “máfia da miséria“, que “explora os dependentes químicos do centro da capital“. Segundo ele, essas organizações recebem dinheiro público para distribuir assistência humanitária à população em situação de rua, principalmente dependentes químicos, o que, segundo ele, gera um “ciclo vicioso” no qual o usuário não consegue largar o vício.

Apesar de Lancellotti ser um dos alvos, a Prefeitura de São Paulo já apontou que o sacerdote não recebe verba pública para as ações. O secretário de Assistência Social da gestão Ricardo Nunes (MDB), Carlos Bezerra Júnior afirmou que o padre não recebe recursos de sua pasta.

“Ele visita os espaços da Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social, nos contata quando alguém que ele encontrou quer acolhimento ou passagem para voltar a sua cidade de origem. Mas não tem recurso público da secretaria destinado a ações que ele realiza”, afirmou Bezerra.

Após ter sido protocolada em dezembro do ano passado, com a assinatura de 22 vereadores, a CPI das ONGs perdeu força. A iniciativa causou indignação na sociedade civil, movimentos sociais e na população, que se manifestou contrária à iniciativa na internet. Depois da repercussão negativa, muitos vereadores manifestaram recuo e desistência no apoio à CPI.

A retirada de assinaturas, segundo a própria Câmara, é “simbólica”, e apenas Nunes, autor do requerimento, pode pedir a retirada da comissão. O assunto deve ser colocado em pauta quando os vereadores retornarem do recesso, em fevereiro.

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Editado por Jefferson Ramos
Revisado por Gustavo Gilona
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