Família do indigenista Bruno Pereira, assassinado no Vale do Javari, passa a receber pensão após seis meses

Bruno Pereira era um apaixonado pela causa indígena e, nos últimos anos, passou a ser um incômodo para a direção da Funai e políticos de Brasília (Reprodução/Univaja)
Mencius Melo – Da Revista Cenarium

MANAUS – Após uma demora de seis meses, finalmente, a família do indigenista Bruno Pereira, assassinado no Vale do Javari, passará a receber a pensão a qual tem direito. O governo federal irá pagar pensão à mulher do indigenista, a antropóloga Beatriz Matos, e a três filhos do casal. A autorização foi assinada no último dia 24, pelo Ministério da Justiça.

Bruno Pereira foi assassinado junto com o jornalista britânico Dom Phillips na região do Vale do Javari. Bruno era funcionário da Funai. Sua atuação era voltada para o contato delicado com indígenas em missões com os povos isolados. Bruno foi exonerado do cargo de coordenador-geral de índios isolados e recém-contatados, 15 dias depois de ter liderado operação contra o garimpo ilegal no Vale do Javari.

Bruno Pereira (Reprodução)

Para o antropólogo e cientista político Paulo Queiroz, o componente da maldade estava contido na morosidade do governo federal em fazer algo, que a lei garante, à família do indigenista. “O objetivo, dentre outros, era agravar o estado aflitivo da família, barrando a oneração, mas o Ministério da Justiça também sofreu pressão. Aliás, a pensão à família dele é um direito, absolutamente, legítimo“, destacou.

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Base da Funai, no Rio Ituí, na confluência com o Rio Itacoaí, que funciona como um posto de controle para entrada na Terra Indígena Vale do Javari, no Amazonas (Lalo de Almeida/Folhapress)

‘Providencial…’

Ainda segundo o cientista, a família de Bruno Pereira esperou esse tempo porque o indigenista não era bem-visto no Planalto, por conta de sua atuação frente aos indígenas e suas causas. Na opinião de Paulo Queiroz, o atraso foi proposital e providencial. “Aliás, um atraso ‘providencial’, uma vez que ele era uma ‘persona non grata’ do sistema Funai, justamente, por ir na contramão da inércia institucional e denunciar desmandos“, observou.

O antropólogo e cientista político Paulo Queiroz criticou a morosidade do governo federal (Reprodução)

Na operação que Bruno Pereira liderou contra o garimpo ilegal, no Vale do Javari, foram destruídas mais de 50 balsas de mineração. O desmonte da infraestrutura garimpeira rendeu a ele inimigos ferozes. Ele se licenciou do órgão ao constatar que não conseguiria realizar seu trabalho no Governo Bolsonaro e, assim, passou a atuar de forma independente para ajudar povos indígenas.

Leia também: Vale do Javari: Univaja escolhe indigenista e amigo de Bruno Pereira para assumir vigilância contra invasores

Incompetência

Já o sociólogo Luiz Antônio considera a incompetência como um fator a ser analisado. “Há um tempo da burocracia pública que, às vezes, é cruel e perverso, processos levam semanas, meses, mas, nesse caso específico, me parece resultado de um dado que não podemos desconsiderar: Bolsonaro colocou milhares de militares na máquina pública que são muito incompetentes. Não sabem o que estão fazendo nessas funções. Esse documento pode ter dormido na gaveta de um servidor comissionado do Exército, que não se deu ao cuidado de olhar e tratar bem do processo“, apostou.

O sociólogo Luiz Antônio comentou a decisão da autarquia federal (Reprodução)

Mas ele não descarta o componente político: “Podemos ter outra interpretação, que é a ingerência do presidente da Funai, ou o próprio presidente Bolsonaro pode ter dado ordem para não dar atenção nenhuma para esse processo e deixar ele (o processo) rodar no próprio tempo dele e não fazer nada, o que pode ter levado a esses seis meses para ser resolvido“, avaliou.

“Independentemente disso, a perversidade persiste porque nós, servidores públicos, sustentamos nossas famílias com o salário que ganhamos, até porque somos proibidos por lei de ter outro emprego. O Bruno foi assassinado no exercício da função. Ele não estava esquiando nos Alpes Suíços. Duvido que um general que tivesse morrido numa missão, no Haiti, teria sua família abandonada, sobrevivendo, seis meses, de favores de terceiros”, finalizou Luiz Antônio.

Leia também: Assassinado aos 41 anos, indigenista Bruno Pereira recebe homenagem em Atalaia do Norte, no AM

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