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Feminicídios aumentam 150% em RO; ocultação de cadáver e gestações interrompidas retratam extrema perversidade
Só nos dois primeiros meses do ano, 14 mulheres foram assassinadas em RO (Arte: André Mello/Edição: Isabelle Chaves)
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24 de março de 2022
Iury Lima – Da Revista Cenarium
VILHENA (RO) – Em um único fim de semana, duas jovens, de 17 e 23 anos, foram brutalmente assassinadas em dois municípios do interior de Rondônia: Ouro Preto do Oeste, de 35 mil habitantes, e Espigão do Oeste, habitada por quase 33 mil pessoas. Os crimes revoltaram pela extrema perversidade com que foram praticados e se juntam a uma assustadora e crescente lista de mulheres assassinadas apenas neste ano; um dos mais duros retratos da violência contra elas, configurado pela alta de 150% nos crimes de feminicídio.
Desde janeiro, ao menos 16 casos estamparam programas, jornais e sites de notícias regionais. No entanto, a Secretaria de Estado da Segurança, Defesa e Cidadania (Sesdec) reconhece apenas 14 deles, tendo sido incluídos nas tristes estatísticas dos dois primeiros meses de 2022. Os casos tratados, de maneira oficial, como feminicídios representam 35,7% das ocorrências.
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Tristes indicadores
O aumento é expressivo: de 1º de janeiro a 28 de fevereiro de 2021, dois casos foram investigados como crimes de ódio contra mulheres. As vítimas tinham 42 e 47 e também residiam no interior do Estado.
Já neste ano, foram 2 vítimas em janeiro e outras 3 no mês seguinte. Porto Velho liderou, com 40% dos registros. Ariquemes, Alto Alegre dos Parecis e Pimenta Bueno ficaram, cada uma, com 20%.
Já quando a análise é feita considerando todos os assassinatos de mulheres, em Rondônia, entre janeiro e fevereiro, foram sete vítimas em cada mês. Além dos feminicídios, nesta lista, os outros 9 casos foram computados nos sistemas do governo como homicídios dolosos (quando há intenção de matar) e não necessariamente configurados pelo crime de ódio por conta do gênero.
Durante o mesmo período, o crescimento de assassinatos, em geral, cometidos contra mulheres, foi igualmente alarmante: 133,33%, visto que foram seis casos em 2022.
Perversidade extrema
Laryssa Vitória, 17 anos; dois dias desaparecida. Iolanda Durães, 23 anos, provavelmente, grávida. Antonieli Nunes, 32 anos; gestação do segundo filho interrompida. Estes são nomes, idades e contextos que chocaram a população de Rondônia.
Antonieli foi o caso mais emblemático de fevereiro; morta pelo colega de trabalho, um jovem de 28 anos, casado, com quem mantinha um relacionamento extraconjugal há cerca de 10 meses. Ele matou a mulher com um ‘mata-leão’ e uma facada no pescoço, após enganá-la dizendo que contaria à família sobre a relação e o filho que esperavam.
Filho de pastor e conhecido como “problemático”, o assassino confesso revoltou a cidade de Pimenta Bueno, gerou protestos e ganhou a mídia nacional. Ele está preso e aguarda julgamento.
Na mesma medida de crueldade, o assistente social de Ouro Preto do Oeste, a 333 quilômetros de Porto Velho, que já foi candidato a vereador e a deputado estadual pelo PSDB, Ronaldo dos Santos Lira, de 36 anos, é acusado de matar e ocultar o corpo de Laryssa Vitória no próprio quintal de casa.
Laryssa saiu de casa na noite de sexta-feira, 18, com um grupo de amigas. Como não voltou para o pai dela, Carlos Aparecido fez buscas por conta própria. Sem sucesso, procurou a polícia, que começou a investigar, no sábado, dia 29, o desaparecimento da estudante.
O corpo foi encontrado no domingo, 20, depois que a polícia teve acesso a imagens de segurança de um posto de combustíveis, mostrando o homem conhecido no meio político, puxando a jovem, à força, enquanto caminhavam por uma rua. A Polícia Civil (PC) localizou a casa do suspeito, percebeu que o terreno do quintal apresentava sinais de uma possível escavação, em uma certa região, e determinou as buscas.
Segundo a PC, apenas o laudo, que ainda não ficou pronto, deve determinar a causa da morte. No entanto, o corpo da vítima apresentava sinais de estrangulamento e tinha mais de 20 perfurações no pescoço.
Ronaldo está preso preventivamente. O delegado responsável pelo caso descarta qualquer envolvimento amoroso entre o suspeito e a vítima, uma vez que ficou claro que ele conhece a mãe de Laryssa. Além disso, há a suspeita de que a garota pode ter sido dopada.
Outra vítima recente
Iolanda Durães, que a família suspeita que estava esperando um bebê, foi morta, em casa, no mesmo fim de semana que Laryssa.
A mulher estava acompanhada por outras duas pessoas. De acordo com as testemunhas, um grupo de homens encapuzados chegaram chamando por Iolanda, invadiram a casa e a esfaquearam, fugindo em seguida. Uma faca utilizada ficou para trás e ainda não há informações sobre a motivação.
Mortes são motivadas por ‘medo e ódio’, diz especialista
Para a psicóloga clínica, especialista em Psicanálise e Docência do Ensino Superior, Daniela Reis, a alta de feminicídios é extremamente preocupante, mas avalia que esta triste realidade tem a ver com ‘construção social e cultural’. “Nós estamos falando do Brasil; resultado da desigualdade de força nas relações de poder entre homem e mulher e isso se dá pela criação das relações sociais produzidas pela própria sociedade”, declarou a especialista à reportagem da CENARIUM.
“Hoje, o Brasil tem a quinta maior taxa de feminicídio do mundo, ou seja, 4,8 vítimas para cada 100 mil mulheres. É um número extremamente alto e isso é extremamente alarmante”, acrescentou Reis.
Como psicóloga e como mulher, eu posso afirmar que as mulheres, como sempre, continuam sendo mortas porque se têm medo delas; simples assim. No final das contas, sempre se matou no mundo, por medo ou por ódio, de modo geral (…) é isso que eu vejo no meu divã: ódio e medo”, disse ainda a psicóloga.
“A mulher sempre foi menosprezada, ‘foi criada para servir o homem’, e isso existe como uma forma paradoxal desde que o ser humano é ser humano. Nós podemos ver isso, por exemplo, na Bíblia. Na primeira escrita da Bíblia, o homem foi criado primeiro e a mulher foi criada para ser companheira, para andar junto, enfim. E, numa segunda tradução, foi feita a partir do homem para ser submissa e servir a este homem; então, nós estamos falando do patriarcado: obedecer ao marido em tudo. Essa doutrina de família tradicional brasileira, de forma muito direta, acaba influenciando ainda mais o feminicídio”, analisou Daniela Reis.
“Nós estamos tomando espaço, conquistando espaços que são nossos por direito. Não temos o homem como referência, pois nós não queremos ser iguais a eles. Se dissermos isso, nós acabamos pegando a figura do homem como referência, ou seja, nós estaríamos reconhecendo que existe um ser de sexo oposto que é melhor ou maior que a mulher e isso está errado. O que nós queremos mesmo é que os nossos direitos e deveres sejam cumpridos e honrados”, concluiu.
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