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Força Yanomami: filme inspirado em ‘A Queda do Céu’, de Davi Kopenawa, é selecionado para Cannes
Cena do filme "A queda do céu" (Divulgação)
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20 de abril de 2024
Da Revista Cenarium*
MANAUS – O xamã Davi Kopenawa costuma dizer que usa a palavra para atingir o coração dos brancos como uma flecha. Os cineastas Eryk Rocha e Gabriela Carneiro da Cunha escolheram outros meios para alcançar esse objetivo.
Os dois verteram em som e imagem o incensado “A Queda do Céu“, livro de Kopenawa escrito em parceria com o antropólogo francês Bruce Albert.
O documentário leva o mesmo nome da obra e tem objetivos parecidos –fazer uma contraposição aos valores ocidentais e levar a cosmologia yanomami aosnapë pë, ou seja, às populações não indígenas.
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O resultado desse esforço será apresentado na Quinzena dos Realizadores, mostra paralela ao Festival de Cannes, que acontece entre os dias 14 e 25 do próximo mês, voltada a diretores independentes e contemporâneos.
“Essa é uma janela para o mundo, um espaço fecundo e cheio de ousadia”, diz Eryk Rocha, cineasta que disputou a Palma de Ouro de melhor curta-metragem há duas décadas por “Quimera” e recebeu o Olho de Ouro de melhor documentário por “Cinema Novo”, em 2016.
Ele diz que participar da mostra representa uma dupla celebração. A primeira tem a ver com a possibilidade de levar a força poética do povo yanomami para fora do país. “Ao mesmo tempo, é uma alegria colocar o nosso filme em um espaço que está em sintonia com o cinema que a gente faz, ou seja, não hegemônico e ensaístico.”
O documentário “A Queda do Céu” gira em torno da festa reahu, ritual funerário dos yanomami que reúne parentes do morto para apagar seus rastros e conduzi-lo ao esquecimento. “Essa talvez seja a expressão mais potente da cultura e da estética desse povo.”
Para registrar a cerimônia, a equipe de filmagem, formada por cinco profissionais, ficou um mês na comunidade indígena de watoriki, na Amazônia.
O projeto, diz Rocha, foi o encontro de duas formas diferentes de fazer cinema. “Uma linguagem é a nossa, com microfone e câmera; a outra, é a deles, que não têm esses equipamentos, mas têm energia e teatralidade. É cinema vivo que produz imagens e sonhos de forma permanente.”
O filme é um diálogo com a obra de Kopenawa e Albert ou, como Rocha prefere dizer, o longa é uma inadaptação.
“A gente nunca teve nenhuma pretensão de adaptar o livro, mas sim de promover uma conversa com ele. O Bruce Albert, inclusive, nos provocou dizendo que a gente faria na verdade um novo capítulo do livro. Então, fizemos isso para revelar questões ligadas ao Brasil atual.”
Uma dos assuntos mais candentes retratados no documentário é a atuação do garimpo ilegal. Como mostrado por este jornal, os invasores impõem uma rotina de violência aos yanomami, com exploração sexual de adolescentes, ameaças de morte, cárcere privado e controle de alimentação.
O longa tem como espinha dorsal a terceira parte de “A Queda do Céu”. Nela, o xamã promove uma inversão de perspectivas. Se a antropologia tradicional põe o indígena como objeto de observação, no livro são os povos tradicionais que lançam o olhar e tecem as análises.
“Ele vira a câmera para gente, mostra a nossa própria fratura e faz a gente se olhar no espelho”, diz Rocha.
“É uma contra-antropologia”, acrescenta Gabriela Carneiro da Cunha, que é atriz e estreia como diretora. “O Davi olha com a sua perspectiva xamânica para o universo não indígena e analisa aspectos mitológicos do nosso próprio mundo, como arte, guerra e dinheiro.”
A artista leu a obra em 2016 e diz ter sido arrebatada, motivo pelo qual decidiu fazer o documentário ao lado de Rocha. No mesmo ano, entraram em contato com Kopenawa, que participou da concepção estética e política do longa. A liderança, inclusive, deve marcar presença em Cannes para o lançamento do documentário.
“No livro, ele fala que os brancos dormem muito, mas só sonham consigo mesmos. Esse é um diagnóstico muito preciso da nossa tragédia social e cultural”, diz Cunha. “Foi isso o que fez a gente se apaixonar pelo livro. Nós fomos flechados pelas palavras dele.”
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