Em Manaus, frei é criticado após missa com participação de adeptos das religiões de matriz africana

Missa na igreja de São Sebastião em Manaus (Divulgação)
Mencius Melo – Da Revista Cenarium

MANAUS – No dia em que se comemora o Dia de São Sebastião, mensagens de ódio foram direcionadas ao frei Paulo Xavier nas redes sociais da igreja. O religioso é ex-pároco do templo que leva o mesmo nome do santo, localizado na rua 10 de julho, Centro de Manaus, e conduziu, a convite, a cerimônia realizada nessa quinta-feira, 19. As manifestações de reprovação ocorreram pouco depois da missa em homenagem a São Sebastião, que teve a participação do “Povo de Terreiro”, adeptos das religiões de matriz africana que, há quase 20 anos, confraternizam com os católicos na data.

As mensagens no Instagram oficial da igreja são, muitas vezes, agressivas e algumas fazem ataques frontais ao Frei Paulo Xavier, ex-pároco de São Sebastião (Mateus Moura/CENARIUM)

De acordo com Alberto Jorge, coordenador-geral da Articulação Amazônica de Povos Tradicionais de Matriz Africana (Aratrama), que participou da celebração, os ataques a frei Paulo não se justificam: “O povo do terreiro reza, louva e celebra junto com os cristãos católicos. Isso nós chamamos de pontos de convergência e união fraterna entre religiões diferentes. Só acontece uma vez por ano e não temos a intenção de ocupar a igreja”, declarou.

Segundo o líder religioso, a participação dos candomblecistas na missa acontece desde 2004 e tem papel de exaltar a fraternidade por meio da fé.Nós somos convidados a fazer parte de alguns momentos, e no início e final da cerimônia há destaque para a nossa presença. Antes da bênção final, eu faço uma fala institucional”, explicou Pai Alberto. Questionado sobre as ofensas, ele respondeu: “Nem de longe queremos transformar a igreja em terreiro, nem queremos transformar terreiro em igreja”, afirmou.

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Entranhado

Procurado pela reportagem da REVISTA CENARIUM, frei Paulo Xavier foi discreto. Ele lamentou os ataques sofridos, mas, preferiu não ampliar o debate. “A situação é muito difícil. A intolerância está entranhada”, declarou ele. Questionado sobre o que faria em relação às agressões no Instagram oficial da igreja, ele respondeu: “Na verdade, é melhor não polarizar, mas, não apoiamos nenhum tipo de violência”, adiantou o religioso.

Mães de Santo paramentadas acompanham atentas à missa que celebrou São Sebastião em sua tradicional igreja no centro de Manaus (Reprodução/Arquivo Pessoal)

Procurada pela reportagem, a assessoria da Diocese de Manaus alegou que o arcebispo de Manaus, Dom Leonardo Ulrich Steiner, estava em viagem para fora do Estado e que, por isso, a diocese não iria se pronunciar sobre o caso: “O arcebispo está de viagem, só ele pode falar ou indicar quem fale”, informou a assessoria.

Para o líder dos candomblecistas, Pai Alberto Jorge, a história do entrelaçamento de fé, por si só, já é um ponto de resistência à intolerância: “A nossa celebração pelo fim da intolerância religiosa começou em 2004. Foi uma iniciativa da Aratrama, que recebeu a acolhida de frei Fulgêncio Monacelli. Em 2007, o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa foi oficializado pelo Lula. Daí continuamos a fazer a celebração, que ganhou maior destaque e, com isso, ganhou também mais atos explícitos de violência“, lamentou.

No sincretismo, a padroeira do Amazonas, Nossa Senhora da Conceição é Oxum e, no final de cada ano, sua catedral recebe o abraço da paz por católicos e candomblecistas (Mateus Moura/CENARIUM)

Sincretismo

Assim como acontece com santos como Santa Bárbara, que no sincretismo religioso brasileiro é Iansã, a orixá guerreira, que rege as tempestades, os ventos, os relâmpagos e raios, São Sebastião, de acordo com Alberto Jorge, é sincretizado na Região Amazônica (principalmente, no Maranhão, Pará e Amazonas), com Vodún Shapanan, protetor contra doenças, em especial, a varíola, e com Oxossi, principalmente, no Sul, Sudeste e Bahia. A entidade guerreira é associada ao conhecimento e às florestas.

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