General Heleno autorizou exploração de ouro numa área de quase 10 mil hectares próximo à TI Yanomami

O general da reserva foi ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) do começo ao fim do mandato de Bolsonaro. No cargo, era também secretário executivo do Conselho de Defesa Nacional, a quem cabe dizer sim ou não a projetos de exploração de minérios na área de fronteira (Thiago Alencar/CENARIUM)
Da Revista Cenarium*

MANAUS – No apagar das luzes do Governo Jair Bolsonaro (PL), o general Augusto Heleno autorizou a exploração de ouro numa área de 9,8 mil hectares vizinha à Terra Indígena Yanomami, em Roraima. A beneficiária do ato é uma mulher que já cumpriu pena de prisão por tráfico de drogas e que foi denunciada pelo Ministério Público (MP) por suspeita de receptação de pneus roubados.

Heleno concedeu o chamado assentimento prévio, uma autorização necessária para empreendimentos como mineração na faixa de fronteira, que se estende por uma largura de 150 quilômetros.

O general da reserva foi ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) do começo ao fim do mandato de Bolsonaro. No cargo, era também secretário executivo do Conselho de Defesa Nacional, a quem cabe dizer sim ou não a projetos de exploração de minérios na área de fronteira.

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O aval à pesquisa de ouro, numa área vizinha à Terra Yanomami (TY), foi dado em 14 de dezembro de 2022 e publicado no Diário Oficial da União do dia seguinte.

O então ministro Augusto Heleno participa de cerimônia no Palácio do Planalto, em 2020 (Pedro Ladeira/16.dez.20/Folhapress)

Mais de 20 mil garimpeiros invadiram a terra indígena e exploram ouro, ilegalmente, por meio de equipamentos e logística assegurados por grupos criminosos que atuam na região.

A invasão teve uma explosão no Governo Bolsonaro, que promoveu atos para estimular a mineração nesses territórios, vetada pela Constituição nos moldes como é praticada e como foi estimulada. O Governo Lula (PT) fez a promessa de retirar garimpeiros invasores de terras indígenas.

A Folha questionou Heleno sobre a autorização dada 17 dias antes de deixar o cargo de ministro do GSI. Ele disse que “esses assentimentos prévios de garimpo têm um longo processo para que sejam regulados” e que a resposta a ser dada pelo ministério, na atual gestão, seria suficiente. “Não desejo me pronunciar”, afirmou por mensagem.

O GSI disse que analisa o e-mail encaminhado pela reportagem no começo da tarde de sexta-feira, 13.

Heleno concedeu autorização para exploração de ouro numa área 60 vezes maior do que o Parque Ibirapuera, em São Paulo, a Creusa Buss Melotto.

Segundo os documentos que embasaram o assentimento prévio, a área fica em Iracema (RR), a 7,8 quilômetros da Terra Indígena Yanomami. Pelos mapas disponíveis no processo, o território avança por assentamentos de reforma agrária.

A autorização do Conselho de Defesa Nacional levou em conta pareceres favoráveis da Agência Nacional de Mineração (ANM), que manteve a área original solicitada, de 9,8 mil hectares.

“O processo está corretamente instruído e seguiu a tramitação normal”, disse a ANM em nota. “A ANM solicita apenas os documentos previstos na legislação minerária. Pesquisas de vida pregressa, judiciais ou afins não são de competência da ANM, cabendo aos órgãos específicos judiciais e de polícia.”

Melotto já ficou presa por tráfico de drogas no fim da década de 90 e cumpriu pena de prisão por seis anos, como afirmou à Folha.

“Já cumpri minha pena. Se eu tivesse processo, acha que eu estaria numa cooperativa?”, disse.

Ela se refere a duas cooperativas de garimpeiros, uma em Pontes e Lacerda (MT), na qual ocorre exploração de ouro, e outra em Iracema (RR), onde a garimpeira pretende atuar – ela já tem o aval do Conselho de Defesa Nacional.

Registros da Receita Federal mostram que Melotto é presidente da Cooperativa de Exploração Mineral de Mucajaí (Coopercajaí). Mucajaí é o nome de um dos rios que cortam a Terra Yanomami. A cooperativa, segundo dados da Receita, tem capital social de R$ 1,45 milhão e quer explorar manganês, nióbio, titânio e metais preciosos.

Segundo os documentos que embasaram o assentimento prévio, a área fica em Iracema (RR), a 7,8 quilômetros da Terra Indígena Yanomami (Bruno Kelly/HAY)

A garimpeira foi denunciada pelo Ministério Público, em Mato Grosso, em novembro de 2017, por suspeita de receptação de produtos roubados de uma loja de pneus de Pontes e Lacerda. Entre os produtos roubados estavam dez pneus.

Melotto chegou a ser presa em flagrante, por receptação, mas pagou fiança e deixou a prisão. Ela disse, nos autos, não ter responsabilidade pelos produtos roubados, pois o crime teria sido cometido por garimpeiros que estavam hospedados em um apartamento seu. Os garimpeiros prestaram depoimento com teor semelhante.

A denúncia foi recebida pela Justiça. A defesa da acusada disse que o processo não deveria prosseguir, mas o Ministério Público insistiu na acusação, em abril de 2019. Em março de 2022, a comarca de Pontes e Lacerda “vislumbrou hipótese de prescrição virtual” do suposto crime.

A garimpeira, cujo endereço informado é em Vilhena (RO), não respondeu aos questionamentos da reportagem sobre o processo por receptação.

Ela afirmou que o pedido para exploração de ouro não se refere ao território indígena. Melotto disse que esta é a mesma situação de um segundo pedido em tramitação na ANM – documentos deste processo mostram incidência da área na Terra Yanomami.

“A cooperativa em Roraima tem 52 pessoas. Tenho o sonho de os indígenas fazerem cooperativas e explorarem as próprias áreas”, afirmou a garimpeira.

As primeiras pesquisas de ouro ainda dependem de assembleia com os cooperados, disse. “Devem demorar dois anos, é lento o processo. Nosso trabalho é diferente [de garimpeiros invasores da terra indígena]. A gente só vai operar depois de obter todas as autorizações”.

Os documentos que embasaram o assentimento prévio apontam que a área autorizada está “entrecortada por rede hidrográfica, o que demanda a estrita observância das regras hidroviárias, bem como o acompanhamento do órgão competente em razão da natureza da atividade”. A previsão de gastos, no empreendimento, é de R$ 2,18 milhões.

Em dezembro de 2021, a Folha revelou que Heleno autorizou o avanço de sete projetos de exploração de ouro em terras indígenas na região conhecida como Cabeça do Cachorro, o que é ilegal.

Os assentimentos prévios foram dados a pessoas e empresa interessadas em garimpos, numa das regiões mais preservadas da Amazônia, na fronteira do Brasil com Colômbia e Venezuela.

Diante da revelação e da abertura de investigação pelo Ministério Público Federal (MPF), o então ministro do GSI recuou e anulou os próprios atos.

(*) Com informações da Folhapress
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