Governo federal prepara ofensiva para mudar regularização fundiária na Amazônia

Rodovia corta a Floresta Amazônica em Sinop, Mato Grosso (Caio Guatelli)
Com informações do O Globo

BRASÍLIA – O governo prepara uma ofensiva a partir desta semana para tentar acabar com limites impostos pelo Código Florestal e legalizar terras na Amazônia que hoje não estão regularizadas. Na prática, porém, a ação pode incentivar o desmatamento e a grilagem. O plano de ação já está pronto.

O Palácio do Planalto pretende pegar carona na tramitação de uma proposta sobre a regularização fundiária, que já está na Câmara, e apresentou as mudanças que deseja implementar na legislação, por meio de um projeto alternativo, uma emenda substitutiva.

A versão fragiliza a proteção ao meio ambiente, já que permite a legalização de terras ocupadas após 2008. No texto avalizado pelo Planalto, o marco passa a ser 2012 e, em alguns casos, 2014. Isso significa o fim de importante medida para a preservação da floresta, pois aumenta o escopo de terras que poderão ganhar nova titularidade e, eventualmente, ser exploradas.

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A postura do Executivo diante do tema já gerou atritos e desentendimentos entre líderes, mas o Planalto não dá sinais de recuo. Pelo contrário: quer ampliar a concessão de títulos de terras e, se houver discordâncias, resolver a questão no voto.

A regularização fundiárias é debatida há mais de um ano na Câmara. A versão mais recente, relatada pelo deputado Bosco Saraiva (SD-AM), já era considerada permissiva por ambientalistas. O substitutivo foi apresentado pouco antes do recesso por um dos vice-líderes do governo, o deputado Evair de Melo (PP-ES). Ao GLOBO, ele disse que tem o apoio de Jair Bolsonaro e da ministra da Agricultura, Tereza Cristina.

O parlamentar nega que o texto estimule grilagem ou desmatamento. Afirma que os questionamentos são apenas “um entendimento diferente” de opositores. Empenhado, o deputado diz que, a partir de terça-feira, iniciará uma rodada de conversas com os ministros Ciro Nogueira (Casa Civil) e Flávia Arruda (Secretaria de Governo) para intensificar a articulação política.

“Esse é um tema que ficou em aberto (antes do recesso parlamentar). Mas vou ficar com o meu texto, segundo a orientação do governo, e pedir o apoio. Estamos fechados com o meu texto. Esse é o texto do governo. Se não tiver jeito, vamos ao voto. O que vale é o painel”, disse Melo.

Menos vistoria presencial

A versão do governo não é polêmica apenas neste ponto. Ele também amplia a possibilidade de inspeção de terras por sensoriamento remoto (identificação por imagem de satélite), sem fiscalização presencial.

No texto do relator, essa regra valeria para propriedades de até seis módulos fiscais — medida agrária com parâmetro variável a depender da região do país. O governo, no entanto, tenta estender esse tipo de inspeção para “propriedades médias”, sem especificar o que isso significa. Segundo o entendimento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), uma propriedade média pode ter até 15 módulos fiscais, equivalente ao dobro do tamanho indicado pelo relatório inicial.

As mudanças e a movimentação do governo irritaram o autor original da proposta, o deputado Zé Silva (SD-MG). Ele ameaça arquivar o projeto se o governo se negar a dialogar. Caso o arquivamento se confirme, o Congresso terá dificuldades para tratar de qualquer regularização. O parlamentar compara a redação abençoada pelo Planalto à primeira versão de Medida Provisória (MP) editada por Bolsonaro sobre o tema. Esta perdeu a validade e, por divergências, não foi votada.

“Caso o governo insista em votar [o substitutivo], não vai ter solução. O texto do Evair volta quase ao texto da MP. Se chegar a esse ponto, eu vou retirar o projeto de tramitação. Qualquer mudança no marco temporal e nos módulos, não sei quais são os interesses. A partir do momento em que o marco temporal sai de 2008, você incentiva a grilagem”, acusa Zé Silva.

Antes do recesso, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), chegou a tentar fazer uma ponte entre governo, ruralistas, ambientalistas e os deputados que estavam à frente da elaboração do texto, mas não obteve sucesso.

Governistas irritaram também o vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PL-AM), que apoiava o texto do relator Bosco Saraiva. Deputado do Amazonas, Ramos considera essa uma pauta prioritária para regularizar a situação de pequenos proprietários.

“Essa atitude do deputado Evair de apresentar um substitutivo é uma atitude desleal. A posição da bancada ruralista é pendular. Já publicaram notas públicas a favor do texto do Zé Silva. Mas, quando o assunto vai se encaminhando para o plenário, parece que as forças mais atrasadas ganham vida”, diz Ramos.

Presidente da bancada do Meio Ambiente, Rodrigo Agostinho (PSB-SP) acredita que os ruralistas devem pressionar para levar ao plenário o projeto logo na volta do recesso. Ele tinha discordâncias até mesmo da primeira versão do texto.

“Essa proposta do Evair é muito ruim porque regulariza invasões recentes, incentivando o desmatamento”, diz Agostinho.

Antes do recesso, os parlamentares aceleraram a tramitação do tema aprovando um requerimento de urgência. Isso significa que a pauta pode ser votada a qualquer momento. O relator, Bosco Saraiva, também é contra a flexibilização do governo.

“Se o autor Zé Silva desejar retirar o projeto de pauta terá meu apoio, pois a lei deve beneficiar os pequenos produtores e o país, jamais, de forma alguma, beneficiar qualquer grupo mais restrito”, declarou Saraiva.

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