Governo Lula deixa Defesa e GSI de fora de política de diversidade

O presidente Lula participa da comemoração do Dia do Exército, com o ministro José Múcio e o comandante do Exército Tomas Paiva - Gabriela Biló - 19.abr.23/Folhapress
Da Revista Cenarium Amazônia*

SÃO PAULO – O presidente Lula (PT) não incluiu o Ministério da Defesa e o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) na rede de assessorias de participação e diversidade do governo, apesar de essas estruturas terem sido criadas em quase todas as pastas.

Essas assessorias têm entre as suas competências a articulação das relações dos respectivos ministérios com os diferentes segmentos da sociedade civil, sob a coordenação da Secretaria-Geral da Presidência.

Também estão no rol das responsabilidades do posto assessorar o ministro da pasta a respeito da formulação de políticas e diretrizes de proteção dos direitos humanos e de igualdade de gênero, étnica e racial.

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A Secretaria-Geral afirmou que, dadas as especificidades de atuação das pastas da Defesa e do GSI na estrutura do Estado e do governo, a decisão na transição governamental foi a de que não faria sentido ter assessorias com a característica de “articular os conselhos internos e fazer gestão com movimentos”.

O Ministério da Defesa e o GSI não responderam.

O debate que veio da transição [de governo] é que na Defesa não teria muito espaço para esse tipo de participação, enfim, de atuação, considerando o caráter do ministério“, disse a secretária-executiva adjunta da pasta, Tânia Maria de Oliveira, em entrevista à Folha.

A secretária-executiva da Secretaria-Geral, Maria Fernanda Coelho, complementou afirmando que a decisão considerou a fotografia que se tinha em dezembro e em janeiro, quando o sistema de participação social foi instituído. O argumento, na época, era o de que, pelas atribuições das pastas, não caberiam tais competências.

Não quer dizer que a gente não possa em algum momento revisitar isso e ter uma outra proposta, mas realmente, no primeiro momento, não caberia no âmbito dessa relação com a sociedade civil e com a implementação das políticas públicas“, disse.

Pesquisadores do tema ouvidos pela Folha, bem como servidores que já atuaram na Defesa ouvidos sob anonimato, avaliam que a natureza do ministério não é impeditivo para uma política de participação social, muito menos para discussão sobre direitos humanos ou igualdade de gênero e racial.

A falta de criação da assessoria nas pastas é entendida como uma forma de não criar atrito com os militares. Tal postura é vista como negativa. O entendimento geral é de que é importante haver maior acompanhamento, controle e participação democrática na formulação das políticas de defesa.

Outra indicação de que o governo evitou desagradar militares com a iniciativa foi o fato de não ter havido um grupo técnico sobre a Defesa na equipe de transição. O GT até chegou a ser anunciado, mas os integrantes nunca foram nomeados.

Além da Defesa e do GSI, as únicas pastas que não têm oficialmente essas assessorias são a Controladoria-Geral da União (CGU) e a Secretaria das Relações Institucionais da Presidência.

Procurada pela Folha, a CGU respondeu que, apesar de não ter a assessoria em sua estrutura formal, está realizando as atividades relacionadas e que a formalização da estrutura está prevista em minuta de decreto para reformular a estrutura do órgão.

A Secretaria-Geral afirmou que o diálogo do Sistema de Participação Social com a Secretaria das Relações Institucionais se dá por meio do Conselhão, colegiado que está em sua estrutura. A pasta, por sua vez, não respondeu.

Para Marina Vitelli, professora adjunta da UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro) e pesquisadora da área, ainda que pudessem ser feitas eventuais adaptações para contemplar especificidades da pasta, não há justificativa para não incluir a Defesa na política de participação.

Ela, que integra o Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional (Gedes), avalia que há um problema anterior, que é a falta de participação de civis na formulação e implementação das políticas de defesa, tarefa que acaba ficando sob o monopólio dos militares.

A correlação de forças hoje para o governo Lula não é favorável“, diz, “só que por enquanto o governo praticamente parece que não comprou nenhuma briga“.

Lula durante cerimônia de apresentação de oficiais generais promovidos, no Palácio do Planalto
Lula durante cerimônia de apresentação de oficiais generais promovidos, no Palácio do Planalto. (Pedro Ladeira-4.abr.23/Folhapress) 

Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, afirma ser importante ter esse tipo de assessoria na Defesa por ser um canal útil para se pensar como pode ser articulada a participação social na pasta.

Não significa que a sociedade civil vai invadir o Exército. Ter a assessoria é importante para pensar que tipo de participação é necessária. Porque, se não tem a assessoria, quer dizer que não cabe nenhum tipo de participação e diversidade“, afirma.

No caso do Exército, qual a discussão que está sendo feita sobre o papel da mulher? E a questão da igualdade racial? É começar a discutir isso.

Para ela, há questões sigilosas de segurança nacional que não podem ser compartilhadas, mas há outras discussões em que a sociedade civil pode ajudar. Como exemplo, ela cita as informações sobre registro e controle de armas.

Ana Penido, que tem doutorado em relações internacionais e mestrado em estudos estratégicos da defesa e da segurança, defende a necessidade de debate sobre, entre outras questões, orçamento, regras de recrutamento, atualização das regras gerais que norteiam a política e a estratégia nacional de defesa.

Tem um conjunto de questões que dizem respeito à defesa nacional que não são necessariamente questões militares“, diz ela, que é pesquisadora do Gedes e do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social. “A política militar é aquela que diz respeito ao emprego das tropas no terreno, é literalmente pensar estratégia de combate.

Quanto à diversidade, Ana aponta, inclusive, questões que poderiam favorecer os militares, como discussão sobre licença-paternidade ou avaliação sobre funções que não precisariam de mudança de local de trabalho todo ano. Para além da questão de gênero e racial, no caso da Amazônia, por exemplo, a inclusão de indígenas é também ponto de atenção.

Um episódio visto como exemplo da resistência de militares com a pauta da diversidade foi a Comissão de Gênero criada na pasta em 2014, durante a gestão Dilma Rousseff (PT).

As Forças Armadas pressionaram para impedir, em 2015, a realização de uma pesquisa que abordaria a ocorrência de assédio sexual entre militares —projeto que era uma das prioridades do grupo. A comissão foi extinta em 2019, na gestão Jair Bolsonaro (PL), e o atual ministro José Múcio Monteiro disse estar avaliando sua recriação.

(*) Com informações da Folhapress

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