Homem com tatuagens nazistas é liberado após depoimento em delegacia do RJ

Homem flagrado com tatuagens de símbolo nazista (Arte: Mateus Moura/Revista Cenarium)
Ívina Garcia – Da Revista Cenarium

MANAUS – Denunciado por ter tatuagens que fazem apologia ao nazismo e racismo, um homem, ainda não identificado, foi levado até uma delegacia do Rio de Janeiro no sábado, 28, onde foi ouvido e liberado. A justificativa do inspetor de Polícia Civil (PC) que atendeu o caso é de que se trata de um “fato atípico”.

Conforme imagens enviadas à reportagem, o homem tem uma suástica e um sol negro (símbolo neonazista) tatuados no braço esquerdo. A testemunha ainda afirma que havia outra tatuagem escrita “white pround“, ou seja, “orgulho branco”.

A testemunha, identificada como Leonardo Guimarães, afirma que estava passeando pelo Largo do Machado, praça localizada na divisa dos bairros do Catete, Flamengo e Laranjeiras, na cidade do Rio de Janeiro, quando avistou o homem com as tatuagens.

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Ele relata que fez algumas imagens e imediatamente entrou em contato com policiais no entorno, que afirmaram não saber se as tatuagens constituíam crime ou não. Leonardo conta que após explicar e muito insistir, os policiais fizeram a abordagem e o levaram à delegacia.

Homem flagrado com tatuagens de símbolo nazista (Arte: Mateus Mooura)
Homem flagrado com tatuagens de símbolo nazista (Arte: Mateus Moura)

Chegando lá, foi difícil o trato com o inspetor de plantão. Ele disse que se o acusado quisesse tatuar um órgão genital não teria problema, tentei argumentar mostrando a lei, mas ele falou que tatuagem não era propaganda, que ele fazia o que quisesse com o corpo dele”, relata Leonardo.

Segundo a Lei nº 9.459, de 13 de maio de 1997, fazer apologia ao nazismo é crime, com pena prevista entre dois a cinco anos e multa. Conforme o texto, é ilegal “fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo“.

Mesmo com a resistência do inspetor, o rapaz insistiu novamente, falando sobre a lei e lembrando que existe uma decisão do Superior Tribunal Federal (STF) sobre o caso. Porém, segundo a testemunha, o inspetor disse que “o STF não manda na delegacia” e pediu desculpas ao homem com tatuagens nazistas.

Ele disse que era um fato atípico e não existia crime nas tatuagens. Disse, ainda, que conhecia meu ‘tipinho’, passou a me chamar de ‘esquerdista, que defende gayzismo‘”, conta a testemunha.

Ainda segundo o relato, o registro de ocorrência foi publicado sem o depoimento de Leonardo, pois o inspetor não aguardou a chegada do advogado que acompanharia a testemunha, conforme reivindicado por Leonardo.

Boletim de Ocorrência (Leonardo Guimarães)

O registro traz uma série de justificativas para as tatuagens utilizando significados anteriores ao período nazista. O inspetor escreveu que “de acordo com uma consulta no Google, o símbolo da suástica é um objeto milenar, que significa boa sorte ou bem-estar“. Já para o sol negro, a justificativa é de que “o símbolo é um antigo emblema germânico, que faz referência ao dia em que o mundo acabaria“.

Em nota, a Polícia Civil do Rio disse que o caso foi registrado para “apurar a prática de racismo ou apologia ao crime“. A instituição nega que foi feita “qualquer opinião ou ofensa” por parte dos agentes da delegacia. “Na unidade, a pessoa que denunciou o fato se negou a prestar declarações naquele momento. Já o homem com a tatuagem no corpo alegou que ‘a suástica é um símbolo milenar e existe antes do nazismo‘”.

Essa é uma ideologia assassina, que já matou milhões, e é tipificada na nossa lei como crime. É impressionante como alguns policiais colocam a sua própria ideologia acima do trabalho que deveria ser feito por eles“, diz Leonardo.

Consultado pela reportagem, o advogado Flávio Espírito Santo explica haver uma diferença de posição entre o símbolo nazista e o budista da suástica. “O que diferencia uma da outra é a posição: a suástica budista tem um aspecto mais “reto”, como se estivesse no interior de um quadrado isósceles; enquanto a cruz gamada, a suástica nazista, possui um aspecto mais losangular“, diz.

Adaptação

Como exemplo, o advogado lembra que em uma recente adaptação para a obra “Blade of The Immortal”, uma história em quadrinhos japonesa, o protagonista utiliza a suástica budista em seu traje, alterada para que não ofendesse os povos ocidentais.

Suástica adaptada pela obra “Blade of The Immortal” (Arte: Mateus Moura)

Se até os orientais, que usavam o símbolo antes da apropriação cultural realizada pelos nazistas, tomam cuidado na hora de representá-lo para ocidentais, um homem ocidental, branco, muito dificilmente não possui as informações necessárias para saber o impacto que o símbolo que tatuou carrega“, alega.

Flávio afirma existir uma “consciência em excesso“, ou seja, muitos fatores que ligam a situação à apologia nazista. “Acredito que exista a possibilidade, ainda que muito pequena, de que as duas tatuagens com símbolos de potencial significado nazista estarem tão próximas uma da outra no braço do sujeito seja uma infeliz coincidência. Mas existiam elementos mais do que suficientes para a abertura de um inquérito, onde isso seria investigado“.

Manaus

Em abril de 2022, um homem identificado como André Lucas Freitas de Souza, 31, foi fotografado em uma partida de futebol em Manaus, com a tatuagem de uma águia em pé em cima de uma grinalda de louros, associada ao regime nazista. Em depoimento, o homem, de 31 anos, alegou não saber o significado.

Ele alegou que quando fez a tatuagem, há dez anos, queria fazer uma águia, olhou no catálogo e escolheu que lhe fosse tatuado aquele desenho”, relatou o delegado Ivo Martins, titular do 5º DIP. André teria começado o trabalho de cobertura da tatuagem após a repercussão do caso.

Para o advogado ouvido pela reportagem, a suástica é um símbolo muito mais conhecido, portanto, não caberia alegar desconhecimento sobre o significado nazista.A lei antirracismo criminaliza a divulgação de símbolos nazistas, mas possui também suas ‘brechas’. Só é crime o uso da suástica em cruz gamada se for ‘para fins de divulgação do nazismo’“, diz.

Flávio explica que essa manifestação silenciosa por meio da tatuagem poderia não se enquadrar na lei, dependendo da interpretação do juiz do caso. “Embora eu particularmente acredite que o símbolo é autoevidente como divulgação do nazismo“, finaliza.

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