Indígenas e moradores de Pacaraima temem piora da crise migratória com invasão da Guiana

Indígenas venezuelanos, da etnia Warao, são acolhidos no abrigo Janokoida, em Pacaraima (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Winicyus Gonçalves – Da Revista Cenarium Amazônia

BOA VISTA (RR) – Moradores de Pacaraima (RR), cidade na fronteira com a Venezuela e lideranças indígenas de Roraima manifestam preocupação com os impactos de um possível conflito entre o País vizinho a e Guiana pelo território de Essequibo, após a escalada da guerra retórica entre os dois países e temem que o confronto possa intensificar a migração de venezuelanos e guianeses, principalmente os indígenas. Os dois países fazem fronteira com Roraima.

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A área de 160 mil km² localizada a oeste do Rio Essequibo, responde por cerca de 75% dos 215 mil km² do território da Guiana e é reivindicada pela Venezuela em uma disputa centenária que ganhou novos contornos após referendo realizado no último domingo, 3, em que 95% dos eleitores venezuelanos aprovaram criação de um novo Estado no território.

Um possível conflito armado entre os dois países pode aumentar o fluxo de migrantes que chegam a Roraima. Ainda não há movimentação de tropas venezuelanas na fronteira, mas vários estrangeiros vivem nas ruas de Pacaraima, com a superlotação de abrigos destinados a acolhê-los no município, e há relatos de prática de crimes, gerando críticas à permanência deles nas ruas.

Migrantes venezuelanos lotam as ruas de Pacaraima (Divulgação/ALE-RR)

Para o presidente da Associação de Comerciantes de Pacaraima, João Kléber, existe a sensação de impunidade que fortalece a atuação de criminosos no município, e moradores e comerciantes têm tomado medidas mais radicais, como o uso de equipamentos de proteção residencial e de solicitação de atestado de antecedentes criminais para contratar estrangeiros, nos casos previstos pela lei, como serviços domésticos.

“[Tomar essas medidas] se fez ainda mais necessário devido aos indícios recorrentes de violência, de furtos e de roubos, mesmo com funcionários contratados por empresas ou por moradores e também para evitar a invasão de casas, que aumentou muito aqui”, relata Kléber.

Imigrantes venezuelanos atravessam a fronteira desde 2015 por causa da crise econômica e política na Venezuela. A partir de 2018, houve agravamento da crise migratória, com reflexões nos serviços públicos, principalmente, de Boa Vista.

De acordo com informações divulgadas pelo Portal da Imigração, do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), em setembro de 2023 foram registradas 5.502 entradas de venezuelanos no Brasil, o que representa um aumento significativo em comparação ao mesmo período do ano anterior, quando houve a entrada de 3.577 venezuelanos.

Comunidade warao enfrenta dificuldade em abrigo improvisado em Roraima (Rovena Rosa/Agência Brasil)
Indígenas

Dentro do grupo dos migrantes estão os indígenas, que são mais vulneráveis aos impactos da crise humanitária. Para o presidente do Conselho Indígena de Roraima (CIR), Edinho Batista, a barreira cultural e linguística dificulta a inclusão no contexto urbano e o poder público precisa se preparar nesse sentido.

“Os abrigos para os nossos irmãos venezuelanos em Roraima estão lotados e ainda não há nenhuma perspectiva que eles consigam voltar às terras que são deles por direito e viverem uma vida digna. Uma guerra agora vai piorar o problema e precisamos estar preparados para acolhê-los e não deixarem que fiquem nas ruas, à mercê da fome e da violência”, opina.

Dados do Alto Comissariado da Organização das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) mostram que mais de 10 mil indígenas buscaram o Brasil para refúgio desde 2017. A grande maioria é a etnia Warao, de origem venezuelana, que inclui um grupo que conta ainda com representantes de povos Pemon, Kariña, E’ñepa e Wayúu, entre outros. O último censo venezuelano, de 2011, contou cerca de 50 mil indígenas Warao no País. Mais de 7 mil pediram refúgio no Brasil.

De acordo com Cíntia Barbosa Barros, mestranda do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais (PPGRI-PRI), na Universidade Federal do ABC, onde atualmente pesquisa sobre Direitos Humanos nos abrigos em Boa Vista, apesar de toda a estrutura do aparato humanitário, o aumento do deslocamento forçado de milhares de venezuelanos, por Roraima, cria um desafio na prestação da assistência humanitária.

“A possível chegada dos indígenas, concomitante ao crescimento do fluxo de migrantes e solicitantes de refúgio venezuelanos não indígenas, mostrou que a resposta humanitária desenvolvida pela Operação Acolhida [que envolve o Ministério do Desenvolvimento Social e outras instituições federais, o Exército brasileiro, além de agências internacionais e ONGs] precisaria se adaptar ainda mais às particularidades dessas populações”, avalia.

A população indígena da Guiana é formada por indígenas de diversas etnias —algumas delas, como a Wapichana e a Macuxi, que também estão em Roraima. A maioria da população do País é formada principalmente por negros e descendentes de indianos que migraram para a Guiana após a abolição da escravidão, além de descendentes de colonizadores europeus e imigrantes chineses.

Entenda

A área de Essequibo, rica em minérios e pedras preciosas, está sob controle da Guiana desde que o país se tornou independente, em 1966. Antes disso, era dominada pelo Reino Unido, desde meados do século XIX. Os britânicos apoiavam seu direito ao território com base no fato de que, em 1648, os espanhóis cederam toda a área a leste do Orinoco aos holandeses. Parte dessa terra foi posteriormente passada pela Holanda ao Reino Unido.

A Venezuela, por sua vez, afirma que o território pertence a ela, já que era parte do Império Espanhol, havia a presença de religiosos espanhóis na área e, segundo ela, os holandeses nunca ocuparam a região à oeste do rio Essequibo. A reivindicação existe mesmo antes de o País se tornar independente, ou seja, quando ainda era parte da Grã-Colômbia.

Além disso, Essequibo inclui uma porção importante da costa guianesa, onde há poucos anos foram descobertas enormes reservas de petróleo e que a Guiana já está explorando, em parceria com companhias como a norte-americana ExxonMobil e a chinesa CNOOC.

A região reivindicada pela Venezuela faz fronteira com o Brasil, através do Estado de Roraima. Uma ponte liga a cidade brasileira de Bonfim à cidade guianesa de Lethem. Muitos brasileiros visitam, trabalham e mantêm negócios do outro lado da fronteira.

O Ministério da Defesa tem acompanhado a situação e que intensificou suas ações na “fronteira ao norte do país”, com um aumento da presença de militares na região. O Exército Brasileiro informou nessa terça-feira, 5, que enviará 16 viaturas blindadas para Pacaraima e Boa Vista, em Roraima.

Em nota, o Exército afirmou que haverá um aumento de militares para assegurar “inviolabilidade” das fronteiras brasileiras e que vem mantendo “constante monitoramento e prontidão de seus efetivos” para proteção do território nacional.

Leia mais: Veja quais as perguntas do referendo que aprovou a incorporação de Essequibo à Venezuela
Editado por Jefferson Ramos
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