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Indígenas relatam ataques de pescadores no Vale do Javari e PF abre inquérito
O grupo de indígenas era formado por 30 pessoas, a maioria mulheres e crianças, e navegava em embarcações pequenas com motores pouco potentes, como é comum na região (Walter Wust/Reprodução)
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18 de novembro de 2022
Da Revista Cenarium*
MANAUS – A Polícia Federal no Amazonas abriu um inquérito na quinta-feira, 17, para investigar relatos de ameaça de morte e ataque a tiros a cargo de pescadores ilegais contra indígenas Kanamari do Vale do Javari, na região da tríplice fronteira do Brasil com Colômbia e Peru.
O caso foi apresentado pela Akavaja (Associação dos Kanamari do Vale do Javari). A ofensiva de pescadores ilegais que atuam na terra indígena envolveu arma apontada para o peito de uma liderança, ameaça de morte, danificação do motor de uma das embarcações dos indígenas e tiros disparados em direção às canoas, segundo o documento elaborado pela associação.
A PF, em Tabatinga (AM), município brasileiro colado a Letícia, cidade colombiana, instaurou o inquérito e enviou policiais para a região do Vale do Javari, com o propósito de ouvir os Kanamari, segundo informação da corporação no Estado. O objetivo é tentar identificar os supostos agressores.
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A ofensiva de pescadores relatada por indígenas se dá na mesma região e no mesmo contexto em que o indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips foram assassinados, na manhã de 5 de junho deste ano.
Bruno e Dom foram executados por pescadores ilegais com atuação dentro e fora da terra indígena Vale do Javari, conforme a denúncia do MPF (Ministério Público Federal) à Justiça Federal.
São réus no processo, Amarildo Oliveira, o “Pelado”; seu irmão, Oseney de Oliveira, o “Dos Santos”; e Jefferson da Silva Lima, o “Pelado da Dinha”. Os dois primeiros viviam numa comunidade ribeirinha vizinha à terra indígena e são acusados de explorar a pesca ilegal na região. Eles decidiram matar Bruno e Dom por causa da ofensiva do indigenista contra a atividade criminosa, segundo o MPF.
A PF investiga, ainda, outros pescadores das comunidades, sob a suspeita de participação na ocultação dos cadáveres.
Há, ainda, um inquérito que investiga uma rede criminosa de pesca na terra indígena e a possibilidade de conexão dessa rede com os assassinatos. O comando do grupo é atribuído pela PF a Ruben Dario da Silva Villar, o “Colômbia”. Ele foi preso por uso de documentos falsos e transferido a Manaus. Depois, foi solto mediante pagamento de fiança e cumpre prisão domiciliar.
A Justiça Federal apontou um “receio de queima de arquivo” e decidiu transferir Amarildo a um presídio federal. Ele foi levado à penitenciária federal de Campo Grande (MS), que deve ser o mesmo destino de Oseney e Jefferson.
Desde o duplo homicídio, associações de indígenas e servidores da Funai (Fundação Nacional do Índio) afirmam que o clima de tensão, ameaça e violência persiste na região, devido à ofensiva de pescadores – interessados, principalmente, no pirarucu e no tracajá – na terra indígena. Não há fiscalização suficiente por órgãos do governo federal para conter as ações criminosas.
A carta da associação dos Kanamari afirma que a ameaça de morte e os disparos ocorreram na manhã do último dia 9, dentro da terra indígena, mais especificamente na calha do Rio Itaquaí. Foi na margem deste rio que Bruno e Dom foram assassinados, quando retornavam de uma área vizinha ao território para a cidade mais próxima, Atalaia do Norte (AM).
O grupo de indígenas era formado por 30 pessoas, a maioria mulheres e crianças, e navegava em embarcações pequenas com motores pouco potentes, como é comum na região.
Eles foram abordados por pescadores ilegais, “com as embarcações lotadas de quelônios e peixes” pescados dentro da terra indígena, conforme a denúncia feita pela associação.
Os pescadores abordaram um dos Kanamari e ofereceram tracajás para que o grupo ficasse em silêncio e não denunciasse a atividade ilegal. Uma mulher do grupo, liderança dos indígenas, abordou os pescadores em reação à oferta feita, como consta no documento da associação.
“Após questionar os pescadores sobre por que eles continuam adentrando o território dos povos indígenas, colocando em risco a vida de homens, mulheres e crianças, e dos grupos que vivem em isolamento dentro da terra indígena Vale do Javari, a liderança foi ameaçada”, cita a carta.
“Com uma arma apontada para o peito, escutou dos pescadores que as mortes no Vale do Javari não vão findar até que as principais lideranças sejam assassinadas”, diz a associação.
A liderança estaria na lista de pessoas ameaçadas, conforme as falas dos pescadores relatadas pela associação dos Kanamari. Ainda segundo a carta, o pescador retirou a máscara para que o rosto fosse visto pelos indígenas e disse que Bruno e Dom foram mortos “por conta de atitudes assim”.
Após ameaças ao grupo, a fiação do motor de uma embarcação foi cortada e outras canoas foram alvejadas com tiros, como consta na denúncia. Houve perfuração de tambores de gasolina.
“Essa situação de violência extrema explicita a atual situação de violação de direitos humanos sob a qual vivem os povos indígenas do Brasil, em especial, da região do Vale do Javari”, diz a carta. “Viver sob a mira das armas dos invasores virou rotina para as lideranças e indígenas que navegam pelos rios da região”.
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