Investigação sobre joias pode levar Bolsonaro à prisão em regime fechado

Jair Bolsonaro, Michelle Bolsonaro e as joias alvo de investigação (Reprodução)
Da Revista Cenarium Amazônia*

SÃO PAULO – Ao autorizar a deflagração de ação pela Polícia Federal (PF) sobre as joias e presentes dados por autoridades de outros países a Jair Bolsonaro (PL), o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), apontou a investigação do possível cometimento dos crimes de peculato e de lavagem de dinheiro.

Ambos ilícitos possuem penas altas e, em caso de uma eventual condenação, após trânsito em julgado, poderiam resultar em pena de prisão em regime fechado ou semiaberto.

No momento, não há nem sequer uma denúncia formal, e o caso ainda está em fase de investigação — no decorrer da qual o enquadramento das condutas ainda pode ser alterado.

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Uma prisão preventiva, por outro lado, não depende de condenação, mas só poderia ocorrer em caso de perigo para a investigação ou risco comprovado de fuga — e em cenário em que outras medidas cautelares se mostrem insuficientes.

Conforme consta na decisão de Moraes, a investigação da PF identificou indícios de que Bolsonaro e auxiliares atuaram para desviar presentes de alto valor recebidos em viagens internacionais pelo ex-presidente em razão do cargo — ou por comitivas do governo atuando em seu nome — para posteriormente serem vendidos no exterior, com intuito de gerar o enriquecimento ilícito de Bolsonaro.

A defesa do ex-presidente afirma que ele “jamais apropriou-se ou desviou quaisquer bens públicos”.

Previsto no Código Penal, o crime de peculato consiste no ato de apropriação, por funcionário público, de dinheiro, valor ou bem público, ou particular de que ele tenha posse em razão do cargo. Fica configurado também quando há desvio desse bem em proveito próprio ou alheio. A pena prevista é de dois a 12 anos de prisão, além de multa.

Já o crime de ocultar a origem, localização ou propriedade de bens ou valores provenientes — direta ou indiretamente — de infração penal, pode levar à punição de três a dez anos de reclusão e multa.

O ex-presidente Jair Messias Bolsonaro e a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro em culto evangélico (Reprodução/Isac Nóbrega/PR)

A prisão em regime fechado ocorreria no caso de a pena total ser superior a oito anos, enquanto que pena superior a quatro e até oito anos poderia ser cumprida em regime semiaberto.

Antonio Santoro, professor de Direito Processual Penal da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), aponta que os crimes aventados têm penas altas.

“Considerando o padrão, há uma possibilidade razoável de que a pena final seja maior do que quatro anos [em caso de condenação por peculato e lavagem], o que impediria, por exemplo, a substituição de uma pena de prisão por alguma pena alternativa”, diz.

Ele ressalta, porém, que a pena total ser superior a oito anos dependeria de muitas variáveis, sendo um cenário mais especulativo.

Segundo Vinicius de Souza Assumpção, advogado criminalista e segundo vice-presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), para que o crime de peculato esteja configurado, é preciso que os presentes vendidos sejam entendidos como bens públicos — e essa categorização é o ponto-chave do caso.

Ele aponta que, no caso de as joias serem consideradas bens que não poderiam ser incorporados ao patrimônio pessoal, a suposta apropriação viola o interesse da administração pública.

Por outro lado, em caso de entendimento diverso, diz ele, poderia haver crime de descaminho, por eventual não declaração de itens e não pagamento de tributos correspondentes.

Segundo entendimento fixado pelo Tribunal de Contas da União (TCU), em 2016, apenas presentes que sejam de uso pessoal ou de caráter personalíssimo podem integrar o acervo privado de um presidente.

Nas redes sociais, aliados de Bolsonaro têm buscado encampar a tese de item de caráter personalíssimo com base em uma portaria do governo de Michel Temer.

Marina Coelho Araújo, advogada criminalista e conselheira do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP), destaca que há regulamentação para que bens recebidos no exercício do cargo sejam bens públicos para evitar situações de conflito de interesses.

Jair Bolsonaro e o ministro Alexandre de Moraes, no TSE (Antonio Augusto/Secom/TSE)

Ela avalia que é preciso avançar nas investigações para averiguar se pode haver outros crimes envolvidos no recebimento dos presentes, como o de corrupção, mas aponta que as penas dos crimes indicados na investigação já são altas.

“Tem que ter um processo, produzir provas e, depois que transitar em julgado, [em caso de condenação], são penas que podem, sim, dar regime fechado”, diz.

Uma eventual condenação de Bolsonaro dependeria de se comprovar que ele tenha ordenado as vendas ou que o esquema funcionava em seu benefício.

Nesta quinta-feira, 17, o novo advogado do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, disse que Cid decidira confessar a participação na venda das joias e declarar que havia agido por ordem de Bolsonaro. O defensor do militar, no entanto, já mudou a versão sobre o assunto diversas vezes em entrevistas.

Também na quinta, Moraes autorizou a quebra de sigilo bancário e fiscal de Bolsonaro e da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, o que tinha sido solicitado pela PF. O objetivo é saber se o dinheiro da venda dos presentes chegou até o ex-presidente.

Em entrevista na última sexta-feira, ao jornal O Estado de S. Paulo, Bolsonaro disse que Cid tinha “autonomia” como seu ajudante de ordens. Também afirmou que não mandou ninguém vender nada, nem recebeu nada.

Raquel Scalcon, professora da FGV Direito São Paulo e advogada criminalista, explica que uma eventual confissão de Mauro Cid apontando Bolsonaro como mandante reforçaria o conjunto de provas, mas isoladamente não seria suficiente para uma condenação, sendo necessário provar essa determinação.

Ela aponta que uma evidência de recebimento de valores, por exemplo, poderia representar elemento nessa linha. “Ela não prova diretamente a ordem em si, mas indiretamente, sim. Não faria sentido receber o valor sem ter determinado a venda”, afirma.

Também segundo Davi Tangerino, advogado criminalista e professor de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), para comprovar uma suposta participação de Bolsonaro, não seria preciso ter existido uma ordem direta — apenas a comprovação da ciência de Bolsonaro de que bens da Presidência estavam sendo comercializados já o implicaria criminalmente.

Leia também: Investigação sobre joias trazem ‘digitais’ de Bolsonaro, aponta Polícia Federal
(*) Com informações da Folhapress
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