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Justiça mantém decisão para Funai pagar R$ 10 milhões a indígenas Terena em MT
Povo Terena vivia migração forçada em Mato Grosso (Reprodução/Jornal USP)
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03 de maio de 2024
Davi Vittorazzi — Da Revista Cenarium
CUIABÁ (MT) — A Justiça Federal manteve a decisão que condena a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) a pagar R$ 10 milhões por danos morais aos indígenas do povo Terena. Além de obrigar o órgão a destinar uma área de 59 mil hectares para os indígenas viverem no Sul de Mato Grosso. O povo teve que migrar durante anos no estado por falta de espaço destinados a eles.
A decisão foi tomada por unanimidade da Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), que negou um recurso da Funai. O acórdão foi publicado no último dia 30 de abril. O caso tramita na Justiça há 20 anos e foi travado em 2017, após apelação do Fundação.
Os indígenas da etnia Terena enfrentam um contexto de miséria, precariedade, insegurança, migrações forçadas e grande omissão do Poder Público, há décadas. Atualmente cerca de 250 indígenas vivem em quatro aldeias, em nas cidades de Peixoto de Azevedo e Matupá, região Norte do estado.
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O Ministério Público Federal (MPF) instaurou procedimento administrativo para articulação entre as partes e tentativa de resolução extrajudicial em 1999. Sem resultado favorável, teve que mover uma ação civil pública em 2002. Com isso, a Funai foi condenada ao pagamento de danos morais, além da obrigação de regularizar área de 52 mil hectares localizada no Sul do estado, para destinação ao povo.
No entanto, a autarquia entrou com recurso questionando o valor de R$ 10 milhões no TRF1. Na manifestação do recurso, o MPF afirmou ser incontestável o abalo moral sofrido pela comunidade indígena, que teve violadas sua honra e dignidade enquanto grupo étnico, entendendo ser plenamente aplicável ao caso o valor fixado pela Justiça. O órgão sustentou também, além do caráter compensatório, a condenação tem função punitiva, a fim de desestimular condutas similares.
Segundo o MPF, é responsabilidade da Funai garantir o pleno exercício do direito constitucional dos povos indígenas à terra, um direito vital para sua sobrevivência física e cultural. E que esse direito não está condicionado à ocupação ancestral do território, pois para os Terena, essa possibilidade foi usurpada há muitos anos mediante violência, perda de vidas humanas e inúmeras formas de degradação, inclusive pela própria autarquia, ao lhes negar sua própria identidade.
Para o cacique Terena da Aldeia Kuxonety, em Matupá, Cirenio Reginaldo, o resultado é uma grande conquista. “Sempre defendemos que nós somos índios brasileiros e cabemos em qualquer lugar também”, disse à REVISTA CENARIUM.
“Sofremos muito por falta de assistência nessa parte, porque quando se fala Funai ou outras organizações, como Sesai [Secretaria de Saúde Indígena], quem lidera é o povo que já está lá. Então, essa divisão e discriminação que temos sofrido ainda. E acabamos perdendo a cultura também. Nós não temos condições de manter a cultura por falta de condições financeiras, condições, às vezes, física, porque a saúde também é precária”, relatou o cacique sobre as dificuldades.
A Funai negou providências ao povo Terena, durante anos, por entender que as terras tradicionais da etnia estariam localizadas em Mato Grosso do Sul. Porém, o tamanho da área é considerada insuficiente para atender a todo a população.
Procurada pela reportagem, a Funai até o fechamento desta matéria não retornou sobre o assunto.
Precaridades sofridas pelos Terena
O povo Terena que vive em Mato Grosso tem uma história marcada por um contexto secular de deslocamentos forçados por expropriação territorial. Um laudo antropológico apresentado pelo MPF, mostra que a comunidade perambulou por regiões do centro-oeste brasileiro, evadindo-se da expansão agropecuária e de outras incursões de não-indígenas nas terras que ocupavam.
Em sustentação oral realizada na sessão de julgamento, em 24 de abril, o procurador regional da República Felício Pontes Júnior ressaltou que o povo Terena chegou a ter a promessa de demarcação de suas terras por parte do Estado brasileiro por ocasião da Guerra do Paraguai (1864-1870), que lutaram em defesa do país, mas que poucas terras foram demarcadas.
Em 1982, os indígenas migraram da área indígena Buriti (MS) para as imediações de Rondonópolis (MT), onde a Funai os acomodou com outra comunidade indígena, o povo Bororo. No entanto, foram expulsos na década de 90 por conta de divergências nos modos de vida, uma vez que a autarquia não considerou as manifestações culturais completamente diferentes entre os dois povos.
A mesma situação se repetiu, em seguida, em convivência forçada com os povos Kayapó e Panará, resultando em nova expulsão. Parte dos Terena se acomodou, então, na periferia de Rondonópolis, sem as mínimas condições de saúde e higiene, sem convivência digna entre seus familiares, dormindo em acampamentos improvisados sobre lonas. A fim de verem atendidas suas reivindicações, invadiam e bloqueavam rodovias, especialmente a BR-163, interrompendo o abastecimento do município.
Conforme o procurador, chama a atenção para o fato de MPF e Funai, que normalmente estão no mesmo lado do polo processual, estarem em lados opostos na presente ação. “Neste caso, a Funai perpetua a saga de indigência do povo Terena ao não conceder em sua integralidade a terra que tinha sido escolhida pelo povo em comum acordo com a autarquia. Não foi uma escolha aleatória, mas baseada em laudo antropológico técnico colhido à época da propositura da ação”, frisou.
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