Lei antidesmatamento da UE vai ajudar a frear crimes ambientais da gestão Bolsonaro, dizem ambientalistas

Ambientalistas ouvidos pela CENARIUM comemoraram a medida aprovada e dizem ser uma decisão importante para frear o desmatamento da gestão Bolsonaro.(Reprodução/Luiz Henrique Machado)
Gabriel Abreu – Da Revista Cenarium

MANAUS – Após o parlamento europeu aprovar na madrugada desta terça-feira, 6, uma resolução que proíbe a entrada no mercado europeu de commodities, produtos de baixo valor agregado, produzidos em áreas desmatadas após 31 de dezembro de 2020, ambientalistas ouvidos pela CENARIUM comemoraram a medida aprovada e dizem ser uma decisão importante para frear o desmatamento da gestão Bolsonaro.

O novo regulamento é um marco histórico para as florestas: pela primeira vez, os compradores de commodities poderão auditar os vendedores e rejeitar carne, soja, madeira, borracha, cacau, café e óleo de dendê vindos de qualquer propriedade com desmatamento ou degradação, legal ou ilegal.

Responsável pela maior apreensão de madeira ilegal na Amazônia, o delegado da Polícia Federal Alexandre Saraiva, ex-superintendente da PF do Amazonas, comemorou a aprovação da medida pela União Europeia que pela primeira vez, colocou a madeira no circuito das discussões, porque antes, segundo ele ficava muito focado na soja e no gado.

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A apreensão se deu em uma área na divisa dos estados do Pará e Amazonas. Ao todo foram apreendidos 131 mil metros cúbicos de toras de madeira, o equivalente para encher 6.243 caminhões. A carga está avaliada em pelo menos R$ 55 milhões. A apreensão faz parte da operação Handroanthus GLO, uma alusão ao nome científico do ipê, uma das árvores mais cobiçadas da Amazônia

“Na minha opinião, hoje, o principal vetor da divisão da Amazônia é a madeira, depois vem a soja, o gado, a grilagem. Vejo com bons olhos, eu estive em São Paulo há três meses e eu acho essa iniciativa muito boa, porque antes ficava muito focado em gado e soja e deixava a madeira de fora. O que eu sempre critiquei, porque se a gente quer preservar a Amazônia é natural que se preserve as árvores”, afirmou Saraiva.

Cerca de 131,1 mil metros cúbicos de toras de madeira foram apreendidos na operação da Polícia Federal (Reprodução/Alexandre Saraiva)

Rodrigo Castro, membro da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura e diretor de país da Fundação Solidaridad, declarou que essa medida abre uma adequação enorme para o Brasil como o maior produtor de commodities

“O País tem um desafio e uma oportunidade, você pode olhar para o lado do desafio e pelo lado da oportunidade. O fato é que essa barreira comercial, essa barreira de mercado, que vai entrar em vigor e tem essa restrição para produtos originados de áreas que tiveram desmatamento após 31 de dezembro de 2020. Então, eles estão dizendo que os cortes da regulação é 31 de dezembro de 20, então vamos dizer, se uma área teve desmatamento até dois anos atrás, ela não será afetada no primeiro momento por essa resolução”, explicou.

O secretário-executivo do Observatório do Clima, Marcio Astrini explicou que a legislação europeia está longe de ser perfeita, mas ela dá um sinal importantíssimo para o mundo inteiro: o desmatamento não deve mais ser tolerado.

“Daqui para a frente os mercados se fecharão a quem destruir ou degradar florestas. Quem apostou na passagem da boiada durante o governo Bolsonaro e achou que poderia devastar impunemente quebrou a cara. Felizmente essa parcela do agronegócio, embora barulhenta, é minoritária”, salientou.  

o desmatamento não deve mais ser tolerado (Tiago Queiroz/Estadão)

Argumentos

O Observatório do Clima e outras organizações da sociedade civil argumentaram, num posicionamento público à UE, que essa alegação é frágil, já que o setor da soja no Brasil pratica rastreabilidade até o polígono há mais de 15 anos — e a tecnologia de sensoriamento remoto permite fazer isso em qualquer lugar do mundo.

Houve, porém, isenção para pequenos produtores (até 4 hectares) e a aprovação de uma regra que divide os países em categorias de alto, médio e baixo risco de desmatamento. Estes últimos serão premiados com auditoria simplificada e menos fiscalizações por parte dos compradores.

“Sabemos que o desmatamento é um dos grandes vetores das mudanças climáticas, elevando emissões, extinguindo espécies, colapsando biomas e comprometendo serviços ecossistêmicos chave, como a manutenção do regime de chuvas. Serviços estes que são essenciais inclusive para garantir a pujança das produções agropecuária e florestal, no longo prazo. O desmatamento está, muitas vezes, associado também com a violação de direitos e de povos e comunidades locais”, afirma Frederico Machado, especialista em Políticas Públicas e Líder da Estratégia de Conversão Zero do WWF-Brasil.

Desmatamento para cultivo de soja no Mato Grosso: arco formado entre o estado, Pará e Amazonas é a região com maior perda de árvores de fevereiro de 2019 Foto: PAULO WHITAKER / Reuters/12-1-2018

Resolução

Ao restringir a produção com desmatamento na Amazônia, na Mata Atlântica e no Chaco, os biomas mais tipicamente florestais da América do Sul, a nova regulação pode causar “vazamento” do desmatamento para o Cerrado, ampliando sua destruição. O texto promete revisar a lei um ano após sua entrada em vigor para avaliar a inclusão de other wooded land; em dois anos, de outros biomas. Também ficou para revisão a responsabilização de bancos e outras instituições que financiam o desmatamento. Somente entre 2016 e 2020, os bancos europeus lucraram € 401 milhões em negócios com empresas que desmatam florestas tropicais.

Outro ponto que sofreu no acordo final foi o de direitos humanos. Ausente da proposta original da Comissão Europeia, apresentada em novembro de 2021, a inclusão de uma menção a direitos humanos gerou intensa pressão do movimento indígena. O Parlamento avançou nesse ponto, mas no “triálogo” ele foi enfraquecido.

Apesar da inclusão do Consentimento Livre, Prévio e Informado (FPIC) na definição da legislação do país de produção, o texto limita o escopo de direitos humanos às leis nacionais e não faz referência a convenções internacionais relevantes, como a Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho).

A data de corte da legislação, dezembro de 2020, significa que as auditorias feitas pelos compradores (chamadas due diligence no jargão do mercado) nos vendedores deverão recusar produtos cultivados ou criados em áreas desmatadas após essa data. Isso premiará, por exemplo, produtores que desmataram em metade do mandato de libera-geral do governo Bolsonaro. No Brasil, a moratória da soja já audita propriedades desde 2006 e havia condição técnica de recuar a data de corte para antes de 2020. Prevaleceu a proposta original da Comissão Europeia em vez da do Conselho Europeu, que queria 2023.

Apesar das brechas, a nova legislação inova ao tratar de um dos pontos essenciais para o combate ao desmatamento: a rastreabilidade. A partir da data de entrada em vigor da legislação, operadores serão obrigados a fornecer as geolocalizações de suas mercadorias até o polígono (parcela de terra) da fazenda onde elas foram produzidas. O lobby do agronegócio, dentro e fora da Europa, tentou de toda forma excluir a geolocalização da lei, alegando aumento de custos para os produtores.

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