Maiores desertos vacinais do País estão localizados na Amazônia Legal

Profissionais de saúde levam, em um barco, doses da vacina Astrazeneca para aplicar na população das comunidades da calha do Rio Negro, zona rural de Iranduba, no Amazonas (Raphael Alves / Agência O Globo/15-04-2021)
Com informações do Infoglobo

MANAUS – A previsão do tempo nesta quinta-feira, 17, em São Felix do Xingu, no Pará, é de tempestade. Nada fora do padrão para a região. Anomalia é outro tipo de tempestade estacionada lá desde o ano passado: o da baixa cobertura vacinal, retrato da desigualdade no acesso à imunização contra a Covid-19 no Brasil. 

O município é o com menor percentual de população vacinada do Brasil, 15,5% com primeira dose, situação que se mantém desde novembro.   

É um microcosmo da desigualdade vacinal, cujo epicentro é a Amazônia Legal. Num momento em que Estados do Centro-Sul avançam na vacinação de crianças e no reforço e já se fala até de quarta dose, estão na Amazônia Legal nove dos dez municípios com menor percentual de aplicação da primeira dose do Brasil, mostra um levantamento feito pelo GLOBO. 

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O levantamento se baseou em informações dos 5.570 municípios mais o Distrito Federal compiladas pelo Observatório da Covid-19, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em 6 de fevereiro, a partir da base de dados do Ministério da Saúde.  

A tempestade perfeita é gerada pela combinação de falta de planejamento nacional para distribuição e operacionalização da aplicação das vacinas em regiões de população dispersa e acesso historicamente difícil, falta de campanhas de informação e negacionismo. 

O resultado é a criação de desertos vacinais, onde a população desprotegida alimenta bolsões para perpetuação da pandemia, surtos e abre caminho para o surgimento de novas variantes do coronavírus.  

O denominador comum de todos os municípios com baixa vacinação é o baixo IDH, além dos fatores já mencionados.   

“São lugares quase sempre remotos, mas a Covid-19 chegou em todos eles. Então, a vacina tem que chegar. Cada município tem suas peculiaridades, em alguns as falhas operacionais são mais importantes, em outros o negacionismo antivacina pesa mais”, afirma Diego Xavier, pesquisador do Observatório Covid-19/Fiocruz.

Numa Nota Técnica de dezembro do Observatório da Covid-19/Fiocruz, portanto, antes do apagão de dados do Ministério da Saúde, a Região Norte já figurava como a menos vacinada do Brasil. A nota mostrava que só 16% dos municípios brasileiros tinham vacinação com esquema completo acima de 80%. No Sul do país, 30% dos municípios apresentam mais de 80% da população com esquema de vacinação completo, na região Sudeste 27,2%, no Centro-Oeste 11,8%, no Nordeste 2,7% dos municípios e na Região Norte apenas 1,1%.   

Diego Xavier diz que desde então a situação pouco mudou e a tendência continua a mesma.  São Paulo tem o maior percentual de população vacinada, 85% dos habitantes receberam a primeira dose, 80% a segunda e 35% foram imunizados com a terceira dose, segundo boletim da Fiocruz. Já o Amapá está no fim da fila. Tem o menor percentual de vacinação com a primeira dose (58,9%), só 42,9% com segunda dose e pífios 5,1%, com a terceira.  

Xavier acrescenta que dezembro de 2021 e janeiro de 2022 foram os meses com a menor quantidade de doses enviadas pelo Ministério da Saúde, superando apenas os dois primeiros meses de imunização desde o início da campanha.  

“Temos padrões de vacinação da Europa e da África dentro do Brasil”, diz Xavier.

A epidemiologista Carla Domingues, que esteve à frente do Programa Nacional de Imunizações (PNI) por oito anos (2011-2019), considera preponderantes para a criação de desertos vacinais a falta de planejamento do Ministério da Saúde, que não organizou a distribuição de imunizantes de acordo com as necessidades regionais, a falta de informação qualificada oficial para a população e o negacionismo do governo federal, que amplificou o movimento antivacina.  

“A falta de comunicação oficial deixou muita gente apavorada, com um medo infundado que jamais existiu. E, pior, o Ministério da Saúde, ao abrir as portas para o movimento antivacina, empoderou o discurso negacionista e enfraqueceu a proteção da população contra a Covid-19. Isso é um estrago de impacto de longo prazo para a saúde pública. Não há boletins oficiais, não há meta. Ao contrário, há desinformação oficial”, salienta Domingues.  

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