Mais uma liderança amazônida se opõe ao ‘Marco Temporal’

Líder indígena, José Claudio Mura (Reprodução/Maiara Dourado/CIMI)
Mencius Melo – Da Revista Cenarium

MANAUS – Há poucos dias do julgamento da tese do ‘Marco Temporal’ pelo Supremo Tribunal Federal (STF), recrudescem em todo País as vozes indígenas contrárias ao argumento de que as populações indígenas só podem ter direito à demarcação das terras se as mesmas estivessem ocupadas em até  5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. No Amazonas, o líder indígena do povo Mura, José Claudio Mura, engrossou as fileiras contrárias ao projeto da bancada ruralista e do agronegócio.

Durante o 19º Acampamento Terra Livre (ATL) 2023, que ocorreu em Brasília, José Claudio conversou com a equipe de comunicação do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Pertencente ao povo Mura, Claudio se posicionou. “Vamos continuar brigando pela nossa demarcação, lutando contra o Marco Temporal, que vem contra toda a nossa existência. Antes de o Brasil ser Colônia, antes de a Amazônia ser Colônia, nós já existíamos lá, já estávamos nos nossos territórios”, observou.

Leia mais:

PUBLICIDADE

Justiça decide a favor do povo Mura em ação sobre demarcação

Maioria da bancada amazônica vota a favor do Marco Temporal de terras indígenas

Ator Marcos Pasquim vira garoto-propaganda de mineradora de ouro no MT

Representante do povo Mura segura Constituição de 1988 (Reprodução/J.Rosha/CIMI)

Ainda durante a conversa, José Claudio refutou a proposta e evocou a memória do povo Mura diante do contexto histórico da ocupação realizada pelos portugueses na Amazônia colonial. “Não queremos Marco Temporal, pois ele desconsidera toda a nossa ancestralidade”, argumentou. O temor pela aprovação também faz parte da expectativa. “O nosso medo é que o STF vote a favor do Marco Temporal e não demarquem as nossas terras, porque [a demarcação] depende também dessa questão. Então, para nós, é fora Marco Temporal”, disparou.

História e contexto

De acordo com o Cimi, o povo Mura vive há mais de dois séculos na região do baixo Rio Madeira, no Estado do Amazonas. Ao todo, são 45 aldeias distribuídas entre os municípios de Autazes, Careiro da Várzea, Careiro e Manaquiri. Os núcleos populacionais abrigam 15 mil pessoas, número populacional que aumenta a cada ano. Essa expansão demográfica e o futuro das gerações vindouras mobilizam o povo a reivindicar a regularização fundiária de parte da terra tradicionalmente ocupada, que ficou de fora do processo de demarcação do território Mura do baixo Rio Madeira.

Além de lutar contra a tese ruralista, os Mura estão no epicentro da questão do potássio. A jazida de Silvinita, mineral essencial para a produção de fertilizantes, ocupa grande parte do território Mura. Fertilizantes são fundamentais para o agronegócio e o Brasil possui uma das maiores reservas do mundo. “A Potássio do Brasil entrou dentro do nosso território. Embora a terra não seja demarcada juridicamente onde a Potássio possivelmente comprou as terras, lá sempre foi território tradicional. Temos prova disso. Nós somos filhos legítimos daquelas terras tradicionalmente ocupadas”, protestou.

Os Mura em protesto contra mineradora, no município de Autazes (Reprodução/J.Rosha/Cimi)

Recentemente, a exploração da área foi desaconselhada por cientistas da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) por falhas na construção de relatórios de impactos humanos e ambientais. As atividades para a possível exploração mineral naquela área não considerou os Mura. “Em 2013, a Ufam, solicitada pelo Ministério Público Federal, analisou o EIA/Rima elaborado pela Empresa Golder Associates e, na devolução da referida análise, atestou que os povos Mura não foram ouvidos sobre os impactos da obra sobre o seu coletivo e que não tinha estudo indígena no EIA/Rima, motivo da suspensão da Licença de Instalação“, declarou a Ufam em nota.

PUBLICIDADE

O que você achou deste conteúdo?

Compartilhe:

Comentários

Os comentários são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site. Se achar algo que viole os termos de uso, denuncie. Leia as perguntas mais frequentes para saber o que é impróprio ou ilegal.