Manifestações em tempos de pandemia: os riscos de transmissão do vírus e os cuidados a serem seguidos

Manifestantes consideram a permanência de Jair Bolsonaro na presidência mais letal que o coronavírus (@ju.nagle/Mídia NINJA )

Alessandra Leite – Da Revista Cenarium

MANAUS – “Se o povo protesta em meio a uma pandemia é porque o governo é mais perigoso que o vírus”. Uma das placas mais populares nas mobilizações deste sábado, 29/05, realizadas em mais de cem cidades brasileiras, contra o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), o protesto figura como uma espécie de justificativa para a promoção de aglomerações em meio à pandemia de Covid-19.

Munidos de faixas, cartazes, usando máscaras e álcool em gel, manifestantes pediram impeachment do presidente Jair Bolsonaro (@ju.nagle/Mídia NINJA)

Mesmo com todas as recomendações de cuidados, inclusive com elaboração de cartilhas por parte de algumas universidades, o momento é delicado para esse tipo de movimento. É o que pensa a jornalista e militante de esquerda, Ana Paula Freire, que preferiu se abster de comparecer às ruas de São Paulo, na manhã deste sábado. “O principal cuidado, claro, é o distanciamento social, mas em uma aglomeração é mais complicado de controlar isso. Eu queria muito ir, mas não fui. Não dá para arriscar. Uma pessoa da minha família {já vacinada} também preferiu evitar. Não tem muito o que dizer sobre cuidados. Além da máscara e do distanciamento, mas o melhor mesmo é não ir”, afirmou a petista.

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Para o professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em aerossóis, Paulo Artaxo, colocar milhares de pessoas em uma rua, ainda que distantes a um metro, dois metros uns dos outros, é um fator de aceleração da transmissão. “A transmissão se dá pela atmosfera. O risco neste caso é óbvio tanto para as manifestações a favor do Bolsonaro quanto para as contrárias, como a de hoje”, salientou o especialista.

 Cartilha de cuidados

Os acadêmicos da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar) elaboraram um manual de cuidados sanitários para as mobilizações.

Intitulado “Guia de Cuidados nas Manifestações em Tempos de Pandemia” , em defesa da Educação e da Saúde, a cartilha traz alertas de como agir nesse tipo de situação, obedecendo a todos os protocolos, como  a distância de pelo menos 1,5 metro de outra pessoa, o uso de álcool 70% em gel e o uso da máscara, de preferência o modelo PFF2. O documento traz, ainda, dicas de como higienizar roupas e objetos pessoais ao chegar em casa, além de recomendar atos de solidariedade, como compartilhar o álcool e gel na troca de faixas e cartazes e doação, quando possível, de uma máscara PFF2.

Bem humorados, manifestantes abusaram de placas e máscaras em apoio aos governantes de esquerda (Reprodução/Internet)

Risco biológico

De acordo com o epidemiologista Jesem Orellana, do Instituto Leônidas e Maria Deane, a Fiocruz Amazônia, o risco biológico de transmissão do novo coronavírus existe em qualquer ambiente, inclusive dentro de hospitais especializados, onde as precauções são sabidamente maiores.

Jesem Orellana, epidemiologista da Fiocruz Amazônia (Reprodução/Internet)

O especialista esclarece que, um contato interpessoal entre duas pessoas ou mais, é o suficiente para o contágio acontecer. “Em eventos que geram aglomeração, não poderia ser diferente, o risco de contágio existe. No entanto, a proliferação viral vai depender muito da finalidade do evento, do perfil do público e das precauções tomadas pela maioria”, salienta.

Orellana exemplifica que, caso seja mantido um distanciamento de mais de 1,5 metro entre cada manifestante, necessariamente paramentado com máscara de qualidade, o risco já reduz bastante. “Além disso, caso os participantes evitem entoar frases de protesto, a possibilidade de dispersão de aerossóis e gotículas de saliva também cai consideravelmente. Muitos manifestantes podem ser conviventes próximos e aderentes a precauções rígidas em seu dia a dia, o que também reduz bastante o risco de dispersão viral. Por fim, há uma grande chance de muitos participantes serem dos grupos de risco e terem ultrapassado os 14 dias após a segunda dose da vacina anticovid, especialmente os maiores de 60 anos, o que certamente os protege”, ponderou o especialista.

Perfil político

Orellana observa, por fim, que o “perfil do manifestante dos atos contra o governo Bolsonaro, naturalmente, é mais precavido” que o dos oponentes. “Muito provavelmente, os manifestantes contra Bolsonaro conhecem bem os riscos sanitários de uma potencial contaminação, o que me faz crer que seriam pessoas empenhadas no controle da pandemia e não na negação do uso de máscara, do efeito protetor de vacinas ou, ainda, da ineficácia de medicamentos como a Cloroquina e a Ivermectina”, pontua.

Na avaliação do epidemiologista, esse perfil de pessoas não quer contar mais centenas de milhares de mortes novas pela Covid-19 e, neste caso, a despeito dos inegáveis riscos, “os benefícios de se livrar de um governo sabidamente inepto, podem valer a pena”. “Certamente, as aglomerações que o presidente Bolsonaro promove frequentemente, com participantes que fazem questão de não usar máscaras e que negam a gravidade do cenário pandêmico, produzem muito mais contágios e mortes”, argumentou.

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