Mercado de Carbono: O crédito ‘verde’ da Amazônia

Vista aérea de Manaus, capital do Amazonas, onde a urbanização avança sobre a Floresta Amazônica (Ricardo Oliveira/Revista Cenarium)
Lucas Ferrante e Marcela Leiros – Da Revista Cenarium

MANAUS (AM)O crédito de carbono é uma iniciativa econômica para reduzir mudanças climáticas, com potencial lucrativo para o Brasil e, em especial, para a Amazônia. No País, onde está grande parte da maior floresta tropical do mundo, que “sequestra” carbono, o tema ganha força pela pressão para a redução de emissões de gases e pela busca por alternativas financeiras.

Especificamente para a região amazônica, a comercialização deste capital “verde” consegue gerar desenvolvimento de fato sustentável, com renda principalmente para quem mora no interior. Mas, para que a promessa de sustentabilidade se concretize, apontam especialistas, é essencial o aperfeiçoamento. É um mercado que já movimenta bilhões de dólares no mundo e de onde o País pode tirar boa fatia da demanda global.  

Em 2021, o mercado global de crédito de carbono movimentou cerca de US$ 1 bilhão em transações. Apenas para o mercado brasileiro foram movimentados cerca de US$ 25 milhões no mesmo ano em transações, segundo estudo da McKinsey & Company, empresa de consultoria empresarial americana que aconselha empresas, governos e outras organizações em consultoria estratégica. Projeções apontam que, até 2030, as movimentações globais podem chegar a US$ 100 bilhões.

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A emissão de gases causadores do efeito estufa é uma das responsáveis pelas mudanças climáticas e o mercado de créditos de carbono é uma iniciativa econômica para reduzir as alterações do clima (Ricardo Oliveira/Revista Cenarium)

A movimentação do mercado de carbono para o Brasil ainda é pequena frente ao potencial, refletindo a falta de legislação adequada para regular o setor e a ausência de tecnologia referente à mensuração de estoques de carbono nas últimas décadas e que, agora, estão sendo aprimoradas. Um exemplo dos aprimoramentos destas tecnologias é o MapBiomas Solos, criado pelo MapBiomas para auxiliar no monitoramento das dinâmicas espaço-temporais dos estoques de carbono no solo brasileiro. Esta ferramenta também viabilizará estudos sobre os estoques de carbono no solo e suas relações com as mudanças no clima e sua cobertura e uso no Brasil.

O MapBiomas é uma iniciativa do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima (Seeg/OC) e é produzido por uma rede colaborativa de cocriadores, formada por Organizações Não-Governamentais (ONGs), universidades e empresas de tecnologia organizados por biomas e temas transversais.

Créditos e clima

A relação entre o mercado de crédito de carbono e as mudanças climáticas é estreita. As alterações no clima são uma realidade impulsionada pela ação humana, como a emissão de gases causadores do efeito estufa, desmatamento, hidroelétricas, pecuária e queima de combustíveis fósseis, e o CO2 – gás carbônico ou dióxido de carbono – é um dos principais responsáveis.

Em janeiro deste ano, o prestigiado periódico científico Nature, considerado um dos mais importantes do mundo, abordou a necessidade eminente de mudarmos as matrizes energéticas, abandonando a queima de combustíveis fósseis para reduzirmos as mudanças climáticas e frearmos o aumento da temperatura global crítica, prevista até o final do século. Entretanto, apenas isto não será suficiente para mitigarmos as mudanças climáticas projetadas até o ano de 2100, que, no cenário projetivo mais pessimista e também mais próximo da realidade, prevê um aumento médio da temperatura global em até 4,8 °C. 

Floresta Amazônica queimando (Christian Braga/Greenpeace)

Uma ferramenta para frear as emissões de gases do efeito estufa que tem contribuído para o aquecimento global, o crédito de carbono foi criado dentro do Protocolo de Quioto, assinado em 1997, na 3ª Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas. O crédito de carbono é, na verdade, primeiramente, um mecanismo financeiro, cuja finalidade é reduzir as emissões de Gases de Efeito Estufa (GEEs), por meio da compensação de emissões realizadas por empresas, organizações, grandes empreendimentos e até indivíduos.

Este sistema de compensação baseia-se na quantificação das emissões de gases do efeito estufa, atribuindo um valor a elas. Neste processo, empresas que extrapolam suas emissões podem comprar créditos de carbono de projetos que reduziriam a quantidade de gases emitidos à atmosfera, compensando, assim, a sua própria emissão de GEEs. Estes créditos funcionam como um mercado de negociação, onde o objetivo de grandes emissores destes gases é compensar suas próprias emissões. 

Exemplos

A compensação de crédito de carbono é uma medida complementar às ações de redução direta de emissões. Como um exemplo prático deste mercado, podemos imaginar uma empresa que emite CO2 em suas atividades e, para compensar essas emissões, ela pode comprar créditos de carbono de projetos sustentáveis, como reflorestamento no Estado do Amazonas. Neste exemplo, cada crédito representa uma tonelada métrica de CO2 reduzida em algum lugar do mundo. Ao comprar esses créditos, a empresa financia esses projetos, equilibrando suas emissões. 

Entretanto, este é um mercado pouco regulado e ainda faltam regras claras sobre como executar essas negociações. Um exemplo da inefetividade pela falta de transparência do mercado é o fato de muitos projetos não compensarem adequadamente as emissões que se propõem, compensado uma quantidade muito menor de CO2 do que o proposto.

Leia mais: Especialista diz que AM tem potencial para gerar mais crédito de carbono
Vista aérea de Manaus, capital do Amazonas, onde a urbanização avança sobre a Floresta Amazônica (Ricardo Oliveira/Revista Cenarium)
Gerando créditos

Uma das principais formas de gerar créditos de carbono é por meio de projetos de redução de emissões, que se baseiam principalmente em reflorestamento, gestão de resíduos e aumento da eficiência energética de matrizes limpas, como solar e eólica, onde o Brasil também tem um enorme potencial de desenvolvimento, por ser um País de grande incidência solar e com regiões fartas de ventos.

Uma vez que um projeto é aprovado, os créditos de carbono podem ser emitidos e registrados em um sistema internacional, como o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), estabelecido pelo Protocolo de Quioto, ou em sistemas nacionais e regionais, como o Programa Brasileiro de Certificação de Créditos de Carbono (Programa ABC).

Esses sistemas estabelecem regras e diretrizes para o comércio de créditos de carbono, garantindo transparência e integridade nas transações, ou pelo menos deveria ser assim. Além disso, cada projeto deveria passar por um rigoroso processo de validação e verificação, para garantir que as reduções de emissões sejam reais, mensuráveis e adicionais, ou seja, que não ocorreriam sem o projeto ou, pelo menos, também, deveria funcionar dessa forma. 

Ineficiência

Exemplos da ineficiência ou do engodo de alguns projetos sobre o crédito de carbono foram apontados pelo pesquisador Dr. Philip Martin Fearnside, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), considerado uma das maiores referências do mundo sobre o tema.

Segundo o pesquisador, empreendimentos que garantidamente iriam ocorrer, independente dos créditos associados, não deveriam ser considerados nesse processo, como hidroelétricas e a produção de biocombustíveis. Além disso, segundo o pesquisador, as barragens de hidroelétricas emitem gases de efeito estufa em quantidades substancialmente maiores do que são reconhecidas nos procedimentos de contabilidade do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) do Protocolo de Quioto. 

Os estudos de Fearnside ainda apontam que as hidrelétricas na região tropical são hoje um dos principais destinos para fundos, no âmbito do MDL. Entretanto, essas barragens estão sendo construídas em um ritmo acelerado como parte de programas nacionais de desenvolvimento com pouco ou nada a ver com preocupações em mitigar as mudanças climáticas. “Quando o crédito de carbono é concedido para projetos que ocorreriam independentemente de qualquer subsídio, baseado na mitigação do aquecimento global, estes geram crédito de carbono (não-adicional) indevidos, sem que ocorra um benefício real para o clima”, afirma Fearnside. 

Sistemas melhores

Estudos científicos apontam que outros sistemas de crédito de carbono na Amazônia são realmente efetivos na compensação de emissões climáticas, como o caso do Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (REDD+), que é um mecanismo internacional que visa combater o desmatamento e a degradação das florestas para reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Além disso, o REDD+ também visa promover a conservação florestal, o manejo sustentável das florestas e o aumento dos estoques de carbono florestal.

O REDD+ é mais efetivo que outros sistemas por vários motivos, ao reconhecer primeiramente o valor das florestas como sumidouros naturais de carbono, ajudando a evitar a liberação de CO₂ na atmosfera. Ao combater o desmatamento e a degradação florestal, o REDD+ preserva os ecossistemas e a biodiversidade, bem como mantém os serviços ecossistêmicos vitais, como a regulação climática, a conservação dos recursos hídricos e a proteção do solo.

Impedir o avanço do desmatamento e lutar pela preservação da Amazônia são prioridades urgentes (Ricardo Oliveira/Revista Cenarium)

Além disso, o REDD+ oferece incentivos econômicos para os países em desenvolvimento que adotam medidas de conservação florestal e redução de emissões. Isso estimula a participação ativa desses países na luta contra as mudanças climáticas, ao tempo em que contribui para o desenvolvimento sustentável, a melhoria da qualidade de vida das comunidades locais e a promoção de atividades econômicas compatíveis com a conservação. 

Outro fator importante é a inclusão das comunidades indígenas e tradicionais no processo do REDD+. Essas comunidades desempenham um papel fundamental na proteção e na gestão sustentável das florestas, e o REDD+ reconhece seus direitos territoriais e seus conhecimentos tradicionais, incentivando a sua participação ativa nas decisões relacionadas às florestas e à utilização dos recursos naturais. 

Crianças posam aos pés da sumaúma, considerada a gigantesca “rainha da Amazônia”. Áreas de floresta preservada contribuem para a geração de crédito de carbono (Ricardo Oliveira/Revista Cenarium)
Potencial econômico

O ponto central é que os créditos de carbono podem, de fato, contribuir para a redução das emissões globais, mitigando as mudanças climáticas e, ao mesmo tempo, gerando renda para a população da Amazônia, principalmente para os povos tradicionais, como ribeirinhos, extrativistas e povos indígenas. Entretanto, para isso, é necessário que se aperfeiçoem os mecanismos de cobrança sem superestimar o crédito gerado por alguns projetos, além da necessidade de eliminar do MDL projetos que, de fato, são um engodo de compensação de carbono, como hidroelétricas e produção de biocombustíveis.

A redução das mudanças climáticas globais perpassa pela necessidade de desmatamento zero e reflorestamento de áreas da Amazônia, o que é conciliado com a proposta do REDD+ e não apenas economicamente viável, mas vantajoso para a região Amazônica. Neste processo, ainda é possível atender aos anseios de mais fontes de renda para a população através do sistema de crédito de carbono, incluindo, de fato, o povo amazônico no processo de mitigação das mudanças climáticas e conservação da floresta através do desenvolvimento sustentável da região.

Modelo pode garantir preservação da Floresta Amazônica (Ricardo Oliveira/Revista Cenarium)
Regulação

Durante a última Conferência Global sobre o Clima, a COP27, conferência climática das Nações Unidas, realizada no Egito em novembro de 2022, embora muitos países tenham se comprometido novamente com a meta do acordo climático de Paris de 2015, que visa limitar o aquecimento global a 1,5 °C acima das temperaturas pré-industriais, estes mesmos países não se comprometeram a eliminar, gradualmente, os combustíveis fósseis, reforçando a importância e a necessidade de regulação do mercado de carbono para que estas metas sejam atingidas. 

Neste processo, o crédito de carbono é uma estratégia fundamental para lidar com o desafio das mudanças climáticas, reconhecendo que as emissões de GEEs não podem ser simplesmente eliminadas de um dia para o outro. Por meio da compensação, é possível equilibrar a emissão de gases poluentes com ações de redução e mitigação para diversos setores da economia ou países que, atualmente, teriam a economia afetada se diminuíssem abruptamente suas emissões. 

Mais sobre o REDD+

O REDD+ é apontado por especialistas como um sistema efetivo para o mercado de carbono porque aborda diretamente as principais causas do desmatamento e da degradação florestal, oferece incentivos econômicos, promove a conservação dos ecossistemas e envolve as comunidades locais, resultando em ações concretas para a redução das emissões de gases de efeito estufa e a proteção das florestas. 

O REDD+ ganhou atenção internacional na última década, sendo mencionado como um exemplo de modelo das discussões políticas das Nações Unidas e em centenas de projetos voluntários lançados para obter créditos de compensação de carbono. 

As discussões em andamento são sobre como estes projetos devem ser integrados aos esforços nacionais de mitigação das mudanças climáticas sob o Acordo de Paris. O governo brasileiro estabelece que a negociação do crédito de carbono deve passar pelo governo. Já comunidades da Amazônia, incluindo algumas comunidades indígenas, têm tentado negociar estes créditos diretamente, sem a intermediação do governo brasileiro.

Aposta em projetos

O governador do Amazonas, Wilson Lima (União Brasil), anunciou no dia 5 de junho deste ano, Dia Mundial do Meio Ambiente, uma série de iniciativas para o desenvolvimento socioeconômico sustentável do Estado. Na cerimônia, realizada na sede do governo, na Zona Oeste de Manaus, Wilson lançou o edital para projetos de mercado de crédito de carbono e assinou, junto à Agência Nacional das Águas (ANA), o Pacto pela Governança da Água.

O edital abre as 42 Unidades de Conservação do Estado do Amazonas para Organizações Não Governamentais (ONGs), instituições e empresas fazerem intermediação entre o governo estadual e quem precisar comercializar os créditos para fins de compensação ambiental. O Amazonas tem, atualmente, segundo o governador, em torno de 800 toneladas de crédito de carbono.

Leia mais: No Dia do Meio Ambiente, Amazonas lança edital para projetos de crédito de carbono
Unidades de Conservação (UC) no Amazonas (Reprodução/SEMA)

Essa tem sido uma pauta muito discutida pelo mundo e, hoje, a gente está lançando um edital que é para nortear as questões legais para garantir o arcabouço legal das empresas que irão se credenciar para comercializar os créditos que o Estado do Amazonas já acumula de compromissos anteriores”, disse Lima.

A Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (REDD+) é um incentivo desenvolvido para recompensar financeiramente países em desenvolvimento por seus resultados de redução de emissões de gases de efeito estufa provenientes do desmatamento e da degradação florestal, considerando o papel da conservação de estoques de carbono florestal, manejo sustentável de florestas e aumento de estoques de carbono florestal.

Árvores em área alagada no Amazonas (Ricardo Oliveira/Revista Cenarium)

Segundo o secretário estadual de Meio Ambiente, Eduardo Taveira, parte dos recursos gerados com o mercado de carbono será investida nas Unidades de Conservação do Amazonas e outra parte convertida em políticas ambientais.

O nosso modelo é inédito no Brasil porque vai prever que 50% dos recursos oriundos de REDD+ de carbono aterrissem nas Unidades de Conservação, na melhoria dos processos produtivos, melhoria do saneamento e da educação. Não tenho dúvida que isso vai ser uma mola propulsora de bem-estar para essas comunidades”, explicou, afirmando que os outros 50% vão para o Fundo Estadual de Mudanças Climáticas, criado em 2021.

Pacto pelas Águas

O pacto pela governança da água norteará os Estados nas políticas de recursos hídricos, executadas pela Unidade Gestora de Projetos Especiais (UGPE), por meio da Companhia de Saneamento do Amazonas (Cosama), em Manaus e nas cidades do interior do Amazonas.

Isso [o pacto] reforça o compromisso do Estado com a manutenção de um recurso que é muito importante, porque floresta em pé e recursos hídricos estão muito ligados. A floresta faz um papel muito importante de reciclagem da água e levar chuvas a regiões do Brasil responsáveis por quase 60% do PIB [Produto Interno Bruto] brasileiro”, disse Taveira.

Diretora da Agência Nacional das Águas (ANA), Ana Carolina Argolo Nascimento de Castro (Geraldo Magela/Agência Senado)

A diretora da ANA, Ana Carolina Argolo Nascimento de Castro, explicou que o pacto vai nortear o Estado no desenvolvimento das políticas públicas para gestão adequada dos recursos hídricos, como um tipo de “cardápio”.

Segundo ela, o objetivo é “melhorar a qualidade do serviço de adequação de qualidade da água, de esgotamento sanitário, envolvendo coleta e drenagem, para a gente poder trazer dignidade e qualidade para a vida dos brasileiros e para a vida dos amazônidas”, explicitou.

O assunto foi tema de capa e especial jornalístico da nova edição da REVISTA CENARIUM do mês de junho de 2023. Acesse aqui para ler o conteúdo completo.

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