Na Argentina, Ministério Público pede 12 anos de prisão para a vice-presidente Cristina Kirchner

Cristina Kirchner, vice-presidente da Argentina, lidera sessão pública especial do Senado no Congresso em Buenos Aires (Juan Mabromata / AFP)
Com informações Infoglobo

ARGENTINA – O Ministério Público da Argentina acusou nesta segunda-feira a atual vice-presidente, a senadora Cristina Kirchner, dos delitos de associação ilícita e de fraude contra o Estado e pediu 12 anos de prisão para ela, além de sua inabilitação política pelo resto da vida e o confisco de bens no valor de 5,3 bilhões de pesos (cerca de R$ 200 milhões).

Os supostos crimes ocorreram quando ela era presidente da Argentina, de 2007 a 2015, e no governo do marido, Néstor Kirchner, de 2003 a 2007. O julgamento, que começou em 2019, entrou na reta final e virou uma espécie de novela que milhões de argentinos acompanham com atenção.

“Juízes, este é o momento. É corrupção ou justiça”, disse o promotor Diego Luciani ao encerrar a apresentação da denúncia com o colega Sergio Mola no Tribunal Federal 2, em Buenos Aires. — Foi a maior manobra de corrupção que já se conheceu no país. Os acusados subtraíram fundos do Erário em proveito particular, adotando medidas para fazê-lo em condições de impunidade, desativando os mecanismos de controle.

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Cristina Kirchner, que nega as acusações, pediu que seus advogados pudessem voltar ao tribunal nesta terça para ampliar sua defesa. Em nota, ela afirmou que seu direito à defesa foi violado porque, “diante da falta de provas”, os promotores incluíram na denúncia “questões que nunca haviam sido levantadas” e que deveriam ser esclarecidas. O presidente do tribunal, Rodrigo Giménez Uriburu, porém, negou o pedido.

Após a leitura da denúncia pelos promotores, o presidente Alberto Fernández, que é professor universitário de direito, se manifestou em solidariedade a sua vice, no Twitter: “Hoje é um dia muito ingrato para quem, como eu, foi criado na família de um juiz, foi educado no mundo do direito e ensina direito penal há mais de três décadas. Mais uma vez transmito o meu mais profundo carinho e solidariedade à vice-presidente”.

Fernández reproduziu uma nota oficial do governo argentino que “condena a perseguição judicial e midiática contra a vice-presidente Cristina Fernández de Kirchner”. A nota afirma que “nenhum dos atos atribuídos à ex-presidente foi provado”, e que a acusação se baseia apenas no cargo que ela exercia no período, “indo contra os mais elementares princípios do direito penal moderno”. Diz ainda que na denúncia há “uma tipificação abusiva” do delito de associação ilícita.

Uma eventual prisão de Cristina ainda parece um cenário pouco provável, já que uma condenação teria que ser confirmada pela Corte Suprema argentina, o que pode levar anos. Caso as acusações da Promotoria sejam aceitas pelo tribunal, a decisão em primeira instância dos juízes do caso é prevista para o final deste ano.

Hoje, a vice-presidente, que também é presidente do Senado, tem foro privilegiado e não poderia ser detida, a menos que a Justiça a flagre cometendo um delito. Em fevereiro de 2023, Cristina fará 70 anos e, a partir desse momento, poderá, se for o caso, solicitar o benefício da prisão domiciliar.

Na audiência da última sexta-feira, os promotores haviam afirmado que consideram suficientes as provas conseguidas para sustentar que Cristina foi chefe de uma associação ilícita que, em seu governo e no do marido, favoreceu o empresário Lázaro Baez, que foi sócio da ex-família presidencial, em concessões de obras públicas. Muitas das obras, afirmaram os promotores, não foram terminadas, e em muitos casos, disseram, foram superfaturadas. O delito de fraude contra o Estado está previsto no Código Penal argentino e prevê pena de prisão, além da proibição de ocupar cargos públicos.

Além de Cristina e de Báez, para quem foram também pedidos 12 anos de prisão, há mais 10 acusados no caso, todos ex-funcionários dos governos da atual vice e do marido, para os quais os promotores pediram de 2 a 12 anos de detenção.

No processo são investigadas supostas irregularidades em 51 obras públicas, nas quais foi favorecida a empresa que Báez fundou após a eleição de Néstor Kirchner, a Austral Construções. Já foram ouvidas mais de 100 testemunhas em 120 audiências, num total de mais de 600 horas.

Báez atualmente está em prisão domiciliar e é réu em outros processos de corrupção. Antes da eleição de Kirchner à Presidência, em 2003, ele era apenas um funcionário do Banco da Província de Santa Cruz, da qual o falecido marido de Cristina foi governador duas vezes, de 1991 a 2003.

Com a chegada da família ao poder, o ex-bancário tornou-se um empresário bem-sucedido no setor da construção, chegando a acumular uma grande fortuna. Sua riqueza está diretamente relacionada a obras públicas, em Santa Cruz e outras províncias argentinas. A relação entre os Kirchner e os Báez é conhecida de todos. O empresário construiu e doou o mausoléu onde está o corpo de Kirchner, morto em 2010, na cidade de Río Gallegos, capital de Santa Cruz.

As acusações dos promotores foram baseadas em chats, documentos, depoimentos de testemunhas e até mesmo um testamento. No entanto, a aliança governista Frente de Todos insiste em acusar a Justiça de perseguição política, no momento em que o país continua mergulhado numa delicada crise política, econômica, social e financeira. Fontes do governo do presidente Fernández admitiram que o avanço de um processo complexo para Cristina “complica as tentativas do governo de recuperar confiança”.

Este é apenas um dos processos judiciais contra a vice-presidente, alvo de 10 inquéritos envolvendo, principalmente, denúncias de suposta corrupção. Destes, cinco já avançaram e chegaram à fase final de julgamento oral, como o processo envolvendo o empresário Lázaro Báez. Após a Justiça considerar que está finalizada a chamada etapa de instrução, um tribunal julga se as acusações da Promotoria têm validade.

Um dos casos contra a presidente, no qual também foram processados seus filhos, o deputado Máximo e Florencia, é o chamado Hotelsur. Em maio de 2018, o juiz Julian Ercolini, encarregado dessas investigações, determinou que Cristina e seus filhos cometeram o delito de lavagem de ativos e associação ilícita. O dinheiro, sustentou na época Ercolini, foi lavado por meio de hotéis que a família Kirchner tem em Santa Cruz. Os condenados recorreram à Corte Suprema.

Nos últimos dias, setores do kirchnerismo promoveram uma campanha nas redes sociais e nas ruas para antecipar “uma confusão”, se “alguém se meter com Cristina”. Representantes do governo, entre eles o chanceler, Santiago Cafiero, também defenderam publicamente a vice-presidente.

“A extrema-direita na América Latina é antidemocrática. O fizeram com Perón e, recentemente, com líderes populares da região como Evo Morales e Lula. Mas nossos povos são justos: não abandonam os que apostaram por eles”, escreveu o ministro das Relações Exteriores, em sua conta no Twitter. Em momentos de tensões e ameaças externas, o peronismo, mais uma vez, está unido.

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