MPF vai apurar denúncia de racismo contra indígenas em agência bancária no interior do AM

Casos de racismo ocorreram em agência do Bradesco, no município de Atalaia do Norte, no Amazonas (Leomar Duarte/Reprodução)
Adrisa De Góes – Da Revista Cenarium

MANAUS (AM) – O Ministério Público Federal (MPF) abriu investigação para apurar denúncia de possível prática de racismo contra indígenas das etnias Kanamary e Mayuruna, ocorrido na agência do Bradesco de Atalaia do Norte (distante 1.136 quilômetros de Manaus), no Amazonas. Pelo menos quatro vítimas registraram Boletim de Ocorrência (B.O) contra o gerente da unidade, identificado como Anderson Queiroz.

Na sexta-feira, 2, o procurador da República de Dourados, no Mato Grosso do Sul, Marco Antonio Delfino de Almeida, determinou a instauração da Notícia de Fato (NF) de número 1.21.001.000322/2023-68. Por uma questão de territorialidade, a NF foi redistribuída à Procuradoria da República de Tabatinga (AM), distante 32 quilômetros de Atalaia do Norte, que responde pela área onde ocorreu o fato.

“Determina a instauração de Notícia de Fato nos termos da Resolução N° 174/2017-CNMP que disciplina, no âmbito do Ministério Público, a instauração e a tramitação de Notícia de Fato e do Procedimento Administrativo”, diz um trecho do documento assinado por Almeida, no qual a REVISTA CENARIUM teve acesso.

PUBLICIDADE
O procurador da República de Dourados (MS), Marco Antonio Delfino de Almeida (Reprodução/Racismo Ambiental)

Denúncia Kanamary

A CENARIUM obteve os registros da denúncia feita na 50ª Delegacia Interativa de Polícia (DIP) do município. Neles, os indígenas relataram situações semelhantes, mas que ocorreram em datas diferentes, entre elas, a demora, de pelo menos cinco horas, para serem atendidos, e a recusa no fornecimento de informações bancárias.

No caso mais recente, que aconteceu no último dia 1°, Alexandre Magalhães Tavares Kanamary, 21, e Maria Lopes Magalhães Kanamary, 36, chegaram à agência por volta das 9h e só receberam atendimento às 14h. Entretanto, apesar da espera, o gerente se negou a receber uma solicitação, por escrito, de acesso a dados das contas de ambos.

No mesmo dia, a advogada Adriana Pinheiro Leite, cujo nome indígena é Inory Kanamary, conta que foi à agência para ratificar a solicitação feita anteriormente por Alexandre e Maria. No local, só então após aguardar por 40 minutos para ser atendida, ela foi informada de que o gerente não iria recebê-la, pois estava ele de saída para um atendimento domiciliar.

A advogada Inory Kanamary (Reprodução/Arquivo Pessoal)

Na delegacia, a advogada, que é presidente da Comissão de Amparo e Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Amazonas (OAB-AM), disse que o delegado da unidade tentou convencê-la a não fazer a denúncia, após ele conversar com o gerente, que também esteve no local.

“Eu senti que ele [o delegado] estava me culpando, na tentativa de me convencer, alegando que se a gente [o município] ficar sem gerente a culpa é minha. Eu disse que iria seguir com o boletim, pois não havia mais o que conversar com o gerente. As pessoas precisam aprender a tratar todo mundo de maneira igual, é sobre respeito. A gente vai resolver por meio de um processo judicial”, disse à reportagem.

Boletim de ocorrência registrado pelas vítimas da etnia Kanamary (Documento Cedido)

Denúncia Mayuruna

No último dia 22 de maio, o vereador do município, César Nakua Mayuruna, 41, da etnia Mayuruna, compareceu à agência do Bradesco por volta das 8h20, acompanhado da mãe, uma idosa de 70 anos, para a auxiliar na busca por atendimento. Depois de cerca de cinco horas de espera, eles foram atendidos pelo gerente, que também se negou a receber uma solicitação por escrito que pedia o acesso a dados bancários.

“Infelizmente, indígenas ainda são tratados como seres de última categoria. É um preconceito muito grande que ainda existe. A maioria dos indígenas daqui [de Atalaia do Norte] não consegue entender o português e, quando consegue, ainda são descriminados. São os últimos a serem atendidos. O atendimento é muito pela aparência. Se a pessoa não é indígena, certamente ela vai ser atendida”, desabafa a advogada Kanamary, que também está prestando assistência à vítima.

Em ambos os boletins registrados, os indígenas relatam que Anderson Queiroz “atende pessoas indígenas com desrespeito” e que os trata “de forma grosseira”. Além do mais, as vítimas afirmam que o gerente os recebe de forma “discriminatória”.

Boletim registrado pela vítima da etnia Mayuruna (Documento Cedido)

Providências cobradas

O presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-AM, Caupolican Padilha Junior, que também está à frente do caso, disse à CENARIUM que a Ordem vai oficiar a direção regional do Bradesco, no Estado, a fim de cobrar providências quanto aos casos que se tornaram recorrentes. Para ele, é nítida a postura discriminatória por parte do gerente da agência bancária com os clientes indígenas.

“Nós vamos oficiar a direção regional do Bradesco para sabermos que providências o Bradesco irá tomar frente a esses atos racistas por parte do gerente local do banco, visto que isso tem ocorrido com certa frequência”, disse o advogado.

Caupolican ressalta ainda a preocupação com a forma com que a delegacia do município recebeu o caso. “Estamos muito preocupados com a tendência do corpo policial em favor do gerente. A gente está acompanhando o caso com uma certa preocupação”, finalizou.

Por meio de nota, o Bradesco disse à reportagem que “não comenta casos sub judice“.

Leia mais: Universitários denunciam racismo e humilhações de professor contra estudante indígena em Rondônia
PUBLICIDADE

O que você achou deste conteúdo?

Compartilhe:

Comentários

Os comentários são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site. Se achar algo que viole os termos de uso, denuncie. Leia as perguntas mais frequentes para saber o que é impróprio ou ilegal.