O capitão e o embaixador

Nos últimos dias, até aqueles que não são muito afeitos aos casos transfronteiriços ou internacionais tiveram que dedicar um momento do seu dia para se atualizar sobre os casos apresentados pela grande mídia. Ao deparar-se com alguns dos comentários feitos por especialistas (e outros nem tão especialistas assim), decidi também dar minha modesta opinião – nem melhor, nem pior, mas penso eu, com os devidos fundamentos, acerca das situações apresentadas.

Muito bem, a fim de não cometer nenhum tipo de engano e de atingir as mais variadas suscetibilidades, comecemos com o caso do capitão e sua estada na representação diplomática de um país do leste europeu – falamos, é claro, do ocorrido na embaixada da Hungria durante as festividades momescas, quando o Presidente Bolsonaro hospedou-se por duas noites. Conjecturas à parte, a narrativa da cobertura jornalística girou em torno do fato de que tal ato foi realizado para evitar a prisão e que tal não seria possível de ser executado uma vez que “embaixadas são territórios estrangeiros” dentro do país, tendo, portanto, o capitão escapado do alcance da jurisdição nacional.

Comecemos por desmistificar algo que repetidas vezes dito leva ao engano: embaixadas, consulados, missões diplomáticas em geral não são uma extensão do país de origem dessas representações. Não são, portanto, “territórios estrangeiros” presentes no solo nacional. Por qual razão ter-se-ia então a impossibilidade de efetuar qualquer medida de prisão dentro de seus limites? A resposta está precisamente na Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, que em seu artigo 22 estabelece o princípio internacional da inviolabilidade da missão diplomática – regra esta estabelecida em grande parte por conta de outro princípio, o da reciprocidade, o famoso adágio conhecido como “não faça aos outros o que não quer que façam com você”.

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Objetivamente falando, não há qualquer ilicitude por parte daqueles que se veem envolvidos em processos criminais e na iminência de serem presos procurarem manter seu status de liberdade por qualquer meio que lhes seja possível. Neste caso, o asilo em representações diplomáticas se vê como opção viável a este fim. Inclusive, diga-se por oportuno, em nossa Constituição há previsão expressa da concessão de asilo para todos aqueles que procurarem obter salvaguarda de perseguições.

A título de dado histórico, em 2005 o Congresso do Equador destituiu o presidente Lucio Gutiérrez, que pediu asilo ao Brasil. O vice-presidente, Alfredo Palacio, adversário de Gutiérrez, assumiu o Poder Executivo.

O ex-chefe de Estado refugiou-se na residência da embaixada brasileira em Quito enquanto esperava garantias para se locomover até o aeroporto e embarcar para Brasília. Dias depois, chegou ao Brasil a bordo de um avião da Força Aérea Brasileira.

Está claro que as nações do mundo, em regra, obedecem a esses princípios. Afinal, garantir a liberdade é um dos papéis fundamentais dentro de um Estado, sobretudo um que seja denominado Democrático de Direito. Não sendo crime algum agir em prol dessa circunstância.

Feitas essas considerações, importa ainda apontar uma peça faltante nesse quebra-cabeça: o que dizer então da figura do chefe de missão, o Embaixador? Teria ele a possibilidade de impedir a entrada de autoridades policiais caso estas “batessem em sua porta”? Voltemos ao costume internacional e à mencionada Convenção de Viena. O costume internacional consagrou a prática do “franchise d’hôtel”, segundo a qual autoridades policiais não podem entrar em Missões Diplomáticas para buscar indivíduos procurados pela Justiça, salvo com o consentimento do Chefe da Missão, no caso, o Embaixador.

Em outros termos, toda essa narrativa descrita acerca de possível evasão à jurisdição nacional, tentativa de fuga, medidas protetivas e outros seria (ou poderia ser) resolvida com o consentimento do Embaixador acerca da circunstância de seu hóspede, evitando-se constrangimentos e toda a série de desdobramentos vistos na mídia em geral.

A título de outro dado histórico (e aqui só nos cabe conjecturar acerca da representação diplomática escolhida), contudo, segundo noticiado pela imprensa europeia, o Governo Húngaro teria, em 05 de abril de 1964, apresentado reclamação formal pela invasão de seu escritório comercial no Rio de Janeiro por policiais que se apoderaram de equipamentos de comunicação e de outros materiais. Vai saber se não foi isso que o capitão e o embaixador discutiram nessas duas noites de hospedagem, não é mesmo?

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(*)Advogado; Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB Nacional); Professor de Direito Constitucional e Internacional. Coordenador da International Religious Liberty Association (IRLA) para a Região Noroeste do Brasil; Mestre e Doutorando em Direito.

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