Um Senhor de 215 Anos

Neste dia 10 de maio, nossa Suprema Corte completou 215 anos de instalação. Leda Boechat Rodrigues, ao escrever a história do STF em três volumes, interrompida por seu falecimento, narrou a história da época em que era uma jovem taquígrafa do Tribunal, em 1936, na qual ouvira de um dos ministros da Corte ao ser indagado sobre uma decisão que ela havia considerado injusta: “Estamos aqui para aplicar a lei e não para fazer justiça”.

A resposta do ministro parecia ser, ao mesmo tempo, uma síntese e um presságio sobre a ação do STF nestes 215 anos de existência, de responsável pela guarda da Constituição e defesa da democracia a por vezes uma seção subordinada aos interesses do Executivo.

Com a vinda da família real portuguesa ao Brasil, em 1808, ocasião em que todos os órgãos do Império foram transferidos para o Rio de Janeiro, veio, também, a Casa de Suplicação, como então era conhecido o Supremo Tribunal de Justiça de Portugal.

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Nossa primeira Constituição, a Imperial de 1824, outorgada por D.Pedro I após a Independência do Brasil, instituiu o Supremo Tribunal de Justiça, com o advento da proclamação da República, em 1890, e a primeira Constituição Republicana, de 1891, fortemente influenciada pelo Constitucionalismo Norte-Americano, adotou-se a nomenclatura Supremo Tribunal Federal, mantido por todas os diplomas constitucionais desde então.

O órgão de cúpula do Judiciário brasileiro passou em seu histórico por três significativas mudanças, em ordem cronológica, início em 10 de maio de 1808, na era colonial mediante Alvará Régio do Príncipe Regente D.João, instituído a Casa de Suplicação do Brasil, durante o Império, com previsão na Carta de 1824 instala-se, em 9 de janeiro de 1829, o Supremo Tribunal de Justiça, advento da República, edita-se o Decreto 848, de 11 de setembro de 1890, pelo Governo Provisório Republicano e com ele a instalação, em 28 de fevereiro de 1891, do Supremo Tribunal Federal.

Com este histórico de mudanças de denominações e resistindo a passagem do tempo em sua missão de aplicador da lei, mas nem sempre de fazer justiça, resta-nos indagar o que falta ao Supremo e como vislumbrar seus próximos anos.

Do ponto de vista estrutural, ouso dizer que a nossa Suprema Corte nada falta. Possui orçamento próprio, recursos financeiros aprovados, recursos tecnológicos suficientes e bons salários (recentemente reajustados inclusive), cada um dos 11 ministros possui automóvel com motorista, viagens e publicações ao seu dispor, a Corte possui um excelente sistema de estatísticas, instalações físicas que em nada perdem a qualquer outra em nossa República, possui o respeito (embora nem sempre a admiração) dos demais Poderes e administram algo intangível em qualquer outro segmento da administração pública, por previsão constitucional sua “fatia de mercado” está assegurado, é a última instância do monopólio estatal de dizer o que é Direito.

Por que então o misto de sentimentos que envolve seu nome? Pergunte a qualquer cidadão hoje andando nas ruas de qualquer capital de nosso País e empiricamente teremos uma amostra do sentimento público acerca da atuação de nossa Suprema Corte, em especial de alguns de seus juízes.
Parece que nestes 215 anos os últimos 20 foram aqueles onde a figura do STF adentrou seguramente no dia a dia de todos, casos de corrupção, Ação Penal 470 (mensalão), Operação Lava Jato, prisão de políticos e ex-políticos, mais recentemente eleições, liberdade de expressão, inteligência artificial, fake news, plataformas e redes digitais de comunicação, redes sociais… Ufa, um sem fim de assuntos e expertises.

Pari passu a isto observou-se um aumento do isolacionismo e deveras ativismo de seus integrantes, por vezes um ou outro destaca-se nos holofotes da mídia e por vezes igualmente este holofote não é pela melhor das circunstâncias – cada ministro com poderes excepcionais que podem ser usados sem muitas constrições, cada um com seu tempo, sua agenda, sem nada nem ninguém para coibir eventuais abusos, situações estas que inevitavelmente enfraquecem o conjunto.

O Supremo nestes 215 anos acumula uma experiência sem igual, lidou com governos democráticos e ditaduras, toda a sorte de crises, econômicas, institucionais, sociais e políticas, passou pela reformulação de pelo menos seis Constituições ao longo da história, tem em sua contabilidade milhares de julgamentos nas mais variadas matérias, mais de 160 ministros já passaram pela Corte, das mais diferentes origens e formações.

Ministros se tornaram influencers do panorama político nacional, com participação ativa na tomada de decisões do Executivo e Legislativo, possuem perfis em redes sociais, engajamento de milhares de seguidores, tanto admiradores quanto críticos, chegando a ser, inclusive, cotados para a disputa de cargos eletivos.

Podemos, sem medo de errar, dizer que o Supremo alcançou o zênite do exercício das atividades previstas em nossa Constituição, quem sabe indo, inclusive, mais além, “criando” poderes que não foram previstos e atribuídos pelo nosso ordenamento jurídico, neste seu aniversário, convém refletir como equalizar os pratos da balança para que a ascensão de protagonismo, conseguida pela Corte, não venha ser sobreposta pelos seus problemas internos e tampouco pela busca de objetivos individuais de seus membros.

Anderson F. Fonseca é professor de Direito Constitucional, advogado e especialista em comércio exterior e Zona Franca de Manaus.

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(*)Advogado; Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB Nacional); Professor de Direito Constitucional e Internacional. Coordenador da International Religious Liberty Association (IRLA) para a Região Noroeste do Brasil; Mestre e Doutorando em Direito.

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