​​Organização indígena pressiona STF para suspender ‘Lei do Genocídio’

Protesto de indígenas contra o Marco Temporal (Pedro Ladeira/Folhapress)
Da Revista Cenarium*

MANAUS (AM) – A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) ingressou com um novo pedido de tutela provisória de urgência da Lei do Genocídio Indígena (Lei 14.701/2023) na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n.° 7582 que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF). Ou seja, a Articulação pede que os efeitos da lei sejam suspensos até que a ADI seja julgada pela Corte.

A Apib afirma que a promulgação da Lei do Genocídio Indígena representa o maior retrocesso aos direitos dos povos indígenas desde a redemocratização do Brasil. Para a organização, os efeitos da lei colocam em risco a vida e a existência dos povos indígenas, como os povos Hã-Hã-Hãe, na Bahia, Avá-Guarani, no Paraná, e na Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau, em Rondônia, que têm enfrentado ofensivas mais violentas nos últimos meses.

O novo pedido da Apib ocorre após a morte da pajé Nega Pataxó do povo Hã-Hã-Hãe assinada no dia 21 de janeiro, durante ação criminosa orquestrada pela Polícia Militar do Estado da Bahia em conjunto com pistoleiros e fazendeiros. A liderança foi morta na retomada do território Caramuru-Paraguaçu, município de Potiraguá, por disparo de arma de fogo efetuado por um jovem filho de fazendeiros.

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Indígenas em protesto contra o Marco Temporal (Joédson Alves/Agência Brasil)

“A não demarcação de terras indígenas, resultado óbvio da vigência da Lei 14.701/2023, tem como efeito último e mais preocupante a vulnerabilização de seus ocupantes às violências praticadas por terceiros. Na luta pelo território, lideranças de todo o Brasil são expostas a ataques que, não raramente, resultam em seu assassinato. É o caso da Pajé Nega Pataxó Hã-Hã-Hãe. Deste modo, quando o Estado nega o reconhecimento da terra, tradicionalmente ocupada, nega, por consequência, o direito à vida e à segurança”, diz um trecho da manifestação.

A Articulação, junto com suas sete organizações regionais de base, já tinha solicitado a tutela provisória na ADI n.° 7582, protocolada no mês de dezembro de 2023 e designada para o ministro Gilmar Mendes. Na última segunda-feira, 5 de fevereiro, a Apib realizou uma audiência com o ministro para tratar sobre a ADI.

A Ação Direta de Inconstitucionalidade tem o objetivo de declarar a inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo. A ADI é proposta no STF quando se tratar de inconstitucionalidade no âmbito federal ou estadual perante a Constituição Federal. Na Corte, ela será julgada procedente ou improcedente e declarará a constitucionalidade ou inconstitucionalidade da norma ou ato.

Na ADI n.° 7582, a Apib pede que a Lei 14.701/2023, que transforma em lei o marco temporal e diversos crimes contra os povos indígenas, seja declarada inconstitucional.

Crimes contra os povos indígenas que viraram lei:
  • Tese do marco temporal em 5 de outubro de 1988. Povos indígenas precisam comprovar conflitos e/ou que foram expulsos do seu território por ação judicial até a data fixada;
  • Demarcação de terras indígenas com participação dos Estados e municípios;
  • Cooperação entre indígenas e não indígenas para exploração de atividades econômicas;
  • Demarcações dos territórios ancestrais podem ser contestadas a qualquer momento.
  • Direito de usufruto exclusivo não pode se sobrepor ao interesse da política de defesa e soberania nacional, permitindo intervenções militares sem consulta prévia;
  • A invasão de terra indígena pode ser considerada de boa-fé com direito à indenização. O invasor pode continuar no território até a finalização do processo de demarcação;
  • Proibido o redimensionamento de terra indígena demarcada, mesmo quando houver erro do Estado;
  • Insegurança jurídica nos processos de demarcação em curso, para que se adequem à Lei do Genocídio Indígena;
  • Apib e Apoinme entram com representação criminal contra a organização Invasão Zero;
  • O departamento jurídico da Apib apresentou uma notícia crime à Procuradoria da República na Bahia, à Polícia Federal e ao Ministério Público Federal, destacando que o grupo Invasão Zero agiu como uma organização criminosa, associando-se por meio de uma entidade jurídica estruturada, utilizando violência, intimidação, corrupção e fraude para cometer crimes.

Durante a ação do grupo no dia 21 de janeiro, que resultou na morte da pajé Nega Pataxó, três lideranças indígenas Pataxó-hã-hã-hãe foram baleadas. O cacique Nailton foi atingido, uma mulher teve o braço quebrado e um carro foi incendiado, enquanto a Polícia Militar da Bahia foi acusada de dar apoio à ação criminosa.

Pajé Nega Pataxó, morta a tiros durante ataque de fazendeiros (Reprodução/Teia dos Povos)

O grupo “Invasão Zero”, registrado como entidade privada, com CNPJ na Bahia, afirma articular 10 mil produtores rurais em defesa da propriedade privada contra invasões de terras. Liderados por Renilda Maria Vitória De Souza e Luiz Henrique Uaquim Da Silva, conhecidos como Dida Souza e Luiz Uaquim, respectivamente, o grupo ganhou destaque nacional durante a CPI do MST, conectando-se a parlamentares ruralistas e da extrema direita.

O “Invasão Zero”, que expandiu suas atividades para Estados como Goiás, Pará e Mato Grosso, enfrenta denúncias por atuar como agrupamento paramilitar para retirar à força movimentos sociais como o MST, e retomadas de territórios indígenas. Entre os apoiadores, estão políticos como os deputados federais Luiz Ovando, Rodolfo Nogueira e Zucco, os governadores Tarcísio de Freitas e Ronaldo Caiado, além do ex-presidente Jair Bolsonaro, que já responde perante o Tribunal Penal Internacional por genocídio contra os povos indígenas brasileiros entre 2018 e 2022.

Leia mais: Aprovação do Marco Temporal já impacta novas demarcações de terras indígenas
(*) Com informações da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil
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