Pesquisador critica mensalidade em universidades públicas, mas defende modelo de cobrança pós-formatura

Sede da Ufam em Manaus. (Divulgação)
Com informações de O Globo

MANAUS – Um dos maiores pesquisadores de financiamento de Ensino Superior do País, Paulo Meyer Nascimento, do Ipea, critica a cobrança de mensalidade nas universidades públicas, mas ele defende que os egressos paguem pela formação por meio de um imposto vinculado à renda recolhido pela Receita Federal. Projeções feitas por ele apontam que o potencial de arrecadação é de R$ 5 bilhões ao ano.

“Cobrar durante o curso gera uma barreira a mais que pode afastar estudantes”, diz.

Segundo ele, o modelo é inspirado nas legislações da Austrália e do Reino Unido. Quando o formado estiver empregado, paga a dívida incorporada no Imposto de Renda. Caso seja demitido, o débito é congelado. Se o profissional não atingir um determinado patamar de ganhos, não paga.

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O valor adicional, na avaliação do pesquisador, seria uma forma de incremento das receitas discricionárias (que pagam contas como água, luz e assistência estudantil) das federais, que hoje estão em queda e chegou a R$ 5 bilhões em 2022, e não como substituição do orçamento da União.

Nesta terça-feira, 24, um projeto que pretende alterar a Constituição para determinar que universidades públicas cobrem pagamento de mensalidade de parte dos estudantes gerou um debate que foi para além da Câmara dos Deputados, chegando às redes sociais e aos especialistas em financiamento da educação.

A proposta de emenda à Constituição seria discutida na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, mas acabou retirada da pauta porque o relator, Kim Kataguiri (União-SP), está de licença médica.

A intenção de Kataguiri é que a CCJ analise na semana que vem o projeto. Mas um requerimento da deputada Maria do Rosário (PT-RS) foi aprovado para que haja realização de audiência pública antes de o tema ser pautado novamente na comissão.

De acordo com o projeto, alunos de baixa renda não pagariam a mensalidade. Os critérios de definição da gratuidade seriam definidos por uma comissão de cada universidade, com base em faixas de valores mínimos e máximos que seriam estabelecidos previamente pelo Ministério da Educação.

Bruna Cataldo, economista especialista em financiamento do Ensino Superior da UFF, afirma que o modelo de cobrança por mensalidade, semestralidade ou anuidade é cobrar mal, o que, segundo ela, é pior do que não cobrar.

“Essa ideia pode gerar um vácuo em que pessoas sem isenção e que não podem pagar ficam sem acesso ou endividadas, considerando o modelo de programa de financiamento estudantil que há no Brasil, o Fies”, afirma.

O projeto foi proposto pelo deputado General Peternelli (União-SP) e obteve parecer favorável de Kataguiri, que é presidente da Comissão de Educação da Câmara.

“A gratuidade generalizada gera distorções gravíssimas, fazendo com que os estudantes ricos — que tiveram uma formação mais sólida na educação básica — ocupem as vagas disponíveis no vestibular em detrimento da população mais carente”, diz o texto.

Crítica à mensalidade

Pesquisa de 2020 do centro Dados para um Debate Democrático na Educação mostra que diferentes países adotaram um sistema de pagamento nas universidades públicas. O modelo australiano cobra após a formatura, mas subsidia 38% do curso. O do Reino Unido repassa os valores integrais aos alunos, também após a diplomação.

Na África do Sul e em Portugal, há programas públicos de financiamento, como o Fies brasileiro. Nas universidades portuguesas, são isentos de mensalidades alunos com renda familiar baixa e os beneficiários de uma série de bolsas. “Mas essa concessão é insuficiente diante da demanda dos estudantes e para formar capital humano no nível desejado”, diz a conclusão do estudo, que apoia a cobrança, mas critica o sistema de mensalidade. “A adoção poderia segregar os grupos menos privilegiados em cursos mais baratos e menos valorizados pelo mercado de trabalho”, avaliam os pesquisadores.

Novo perfil de alunos

A proposta de Peternelli cita como justificativa análises feitas pelo Banco Mundial e pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico sobre o tema. O estudo do Banco Mundial de 2017 usado no projeto diz que “embora os estudantes de universidades federais não paguem por sua educação, mais de 65% deles pertencem aos 40% mais ricos da população”.

Porém, uma pesquisa da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior de 2018, que traçou o perfil socioeconômico dos alunos, mostra que 70% dos alunos recebem menos de um salário mínimo e meio. Em 2003, a primeira rodada desse levantamento mostrou que esse índice era de 42,8%. Houve uma mudança no perfil dos estudantes, por conta de políticas de interiorização das instituições e de cotas de renda, indica a pesquisa.

“Temos um número muito pequeno de alunos com mais de cinco salários mínimos. A arrecadação com essas mensalidades seria menor do que o custo adicional de mais servidores para analisar a renda de todos os matriculados. Hoje, já precisamos de um mutirão para fazer isso só com os estudantes cotistas”, defende o doutor em Educação Gregório Grisa, contrário às mensalidades.

Peternelli sugere que idealmente o valor máximo das mensalidades seja uma média do que é cobrado em instituições particulares. Já o mínimo seria 50% da média. O deputado afirma, no entanto, que os valores só seriam definidos com estudos após a aprovação da proposta, que, depois da CCJ, teria de passar por uma comissão especial, o plenário da Câmara, e repetir a tramitação no Senado.

“A PEC propõe que as famílias paguem e o Estado seja desobrigado do seu dever”, critica Maria do Rosário.

Em 2019, o então ministro da educação Abraham Weintraub sugeriu mensalidades na pós-graduação. Mas foi desautorizado pelo presidente Jair Bolsonaro, que dosse temer a saída de estudantes do País.

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