Populações tradicionais da Amazônia Legal enfrentam descaso; apenas 50% dos indígenas foram vacinados

A Amazônia abriga 60% da população indígena do Brasil (Ricardo Oliveira/ Revista Cenarium)
Caroline Viegas – Da Revista Cenarium

MANAUS – Um levantamento feito pela REVISTA CENARIUM nesta sexta-feira, 30, aponta que apenas 50% da população indígena da Amazônia Legal receberam imunização com as duas doses contra Covid-19. Os quilombolas dos nove Estados que compõem a região enfrentam um desafio ainda maior, o descaso no quantitativo de habitantes que necessitam de imunização.

De acordo com o ‘Vacinômetro Indígena‘ do Localiza SUS, dentre os 409.883 mil indígenas contemplados a receber a imunização na primeira fase prioritária, 233.891 estão localizados na Amazônia Legal, representando 57% do total. Conforme os dados da região disponibilizados na plataforma, 162.080 indígenas receberam a primeira dose da vacina e apenas 118.081 mil chegaram a receber a segunda. Representando, respectivamente, 69% e 50%.

Conforme o Localiza Sus, o total de contemplados a receber o imunizante se refere aos indígenas de 18 anos ou mais cadastrados no Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SasiSUS), incluindo-se as especificidades da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 709. As comunidades indígenas foram incluídas na primeira fase prioritária do Plano Nacional de Imunização (PNI) contra a Covid-19 asseguradas na Lei 14.021, que garante o direito a medidas de proteção aos povos tradicionais durante a pandemia.

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Captura de tela do “Vacinômetro-SUS Indígenas” no dia 26 de abril (Reprodução/LocalizaSus)

Fake news e difícil acesso

Das possíveis causas no índice baixo de vacinação nos Estados da Amazônia Legal, está uma outra epidemia conhecida como fake news. Um incidente em uma comunidade indígena, no início de fevereiro, repercutiu nacionalmente quando agentes de Saúde relataram resistência das populações por conta da disseminação de conteúdo falso espalhado nas redes sociais, principalmente pelo WhatsApp.

Um helicóptero da Força Aérea Brasileira (FAB) com agentes de saúde e doses de vacina contra o coronavírus levantou voo de Lábrea, município ao sul do Amazonas, rumo à Terra Indígena (TI) dos Jamamadi. Mas, ao pousar, às margens do rio Purus, o helicóptero foi recebido por homens e mulheres com arcos e flechas pedindo a retirada da equipe. Os indígenas dizem temer pela própria vida se tomarem a vacina devido às notícias que receberam via WhatsApp. A aeronave teve de levantar voo com o carregamento de vacinas intacto.

Outra possível motivação pode justificar o baixo índice de imunização é o difícil acesso às localidades. Chegar às comunidades mais extremas em uma época em que deslocamentos estão sendo evitados não é o único desafio. É necessário toda uma estratégia logística, além do cuidado para manter as vacinas armazenadas na temperatura correta em uma região de clima quente e úmido. Por isso, as “missões” têm tempo certo para serem cumpridas considerando o gelo que mantém o imunizante conservado.

Rondônia à frente

No ranking da imunização, Rondônia é o único dos nove Estados da Amazônia Legal que alcança o índice de 70% da população indígena vacinada com as duas doses do imunizante contra a Covid-19. Enquanto isso, o Acre, mesmo com uma das menores populações indígenas contemplada, só vacinou 32% do publico alvo com as duas doses.

Roraima por sua vez, detém uma discrepância entre o número de vacinados com a primeira (74%) e a segunda dose da vacina (41%). Há uma diferença de 36% entre os números, o que representa uma estagnação no plano de imunização. Já o Amazonas, Estado com a maior população indígena convocada a receber a imunização, está na 4ª posição no ranking.

Registro da população indígena contemplada com imunização. Dados coletados no Localiza Sus, do governo federal (Arte: Guilherme Oliveira/Revista Cenarium)

Quilombolas – Desafios e Invisibilidade

A luta da população quilombola frente ao direito pela imunização ocorre desde dezembro de 2019, quando a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) protocolou no Supremo Tribunal Federal (STF) um pedido para que as comunidades fossem incluídas na lista de grupos prioritários da lista da vacinação contra a Covid-19.

Após serem inclusos na fase prioritária em janeiro deste ano, o Ministério Público Federal (MPF) pediu explicações do então ministro da saúde, Eduardo Pazuello, sobre a efetiva prioridade dispensada pela pasta governamental à população quilombola na imunização.

O motivo seria que a estimativa de distribuição das doses reservadas para as primeiras etapas da campanha, não identificava explicitamente a população quilombola. Desde então, o Conaq vem movendo ações para que de fato as comunidades quilombolas tenham acesso ao imunizante, mas outro desafio é a falta de quantitativo populacional.

Incertezas

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) afirma que “embora não haja uma estimativa dessa população, calcula-se que o país possua 5.972 localidades quilombolas”. Os dados são estimativas do Censo 2021 – cancelado pelo Governo Bolsonaro – que foram antecipados para subsidiar o desenvolvimento de políticas, planos e logísticas para enfrentar a Covid-19 junto aos povos tradicionais.

Já a Fundação Cultural Palmares, responsável pela certificação quilombola, informa que há pelo menos 3.467 Comunidades Remanescente de Quilombos (CRQs). Destas, 1.294 estão nos nove Estados da Amazônia Legal. Apesar do registro de comunidades quilombolas, a falta de quantitativo populacional dificulta a transparência no processo de distribuição e administração das vacinas. O Localiza Sus disponibiliza os dados de doses aplicadas em quilombolas em cada estado do Brasil, mas não há registros de população contemplada, o que impede o monitoramento.

Vacina

Um fato que chama atenção na análise de dados é que somente três Estados da Amazônia Legal tem quilombolas vacinados com a segunda dose da vacina contra a Covid-19. Os outros seis Estados aparecem zerados. Ainda, em Roraima, onde a Fundação Palmares alega ter 8 CRQs, não há registros de quilombolas vacinados no banco de dados.

No Estado do Acre, não constam comunidades quilombolas no banco de dados da Fundação Cultural Palmares, também não apresenta dados de vacinação de quilombolas no Localiza Sus. Por essa razão, o Estado não foi incluído na relação apresentada abaixo.

Registro da população quilombola contemplada com imunização. Dados coletados no Localiza Sus, do Governo Federal (Arte: Samuelknf/Revista Cenarium)




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