‘Posso ser preso’, diz prefeito que ‘desobedeceu’ Agevisa e tentou ocupar hospital particular, em RO

As declarações foram feitas durante uma coletiva de imprensa, onde Flori Cordeiro explicou porque requisitou ocupação de hospital particular de uma cooperativa ainda não concluído (Maison Bertoncello/REVISTA CENARIUM)
Iury Lima – Da Revista Cenarium

VILHENA (RO) – O Prefeito de Vilhena, no interior de Rondônia, Delegado Flori Cordeiro (Podemos), afirmou nesta quinta-feira, 23, que está em desobediência com a Agência Estadual de Vigilância em Saúde (Agevisa) por manter funcionando o único hospital público da cidade, mesmo depois que a lavanderia da unidade foi interditada, devido ao “risco iminente” à saúde de servidores e pacientes. Ele alega que não há onde realocar usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) e funcionários, durante as reformas necessárias. Ao todo, são 22 notificações da Agevisa.

“Em tese, eu posso sair daqui e ser preso em flagrante por deixar o hospital funcionando. Gostaria desse mandado de prisão, para deixar eternamente na minha parede”, ironizou o prefeito. 

“Não há pra onde realocar, se pendente a questão da Agevisa. Eu vou fazer um cronograma e vou entregar pra eles. Se eles não aceitarem, não vai restar outra coisa senão colocar o meu couro no jogo e falar: ‘tá desobedecido’!”, declarou. “E os senhores não tenham nenhuma dúvida, eu terei coragem de fazer isso, de desobedecer, e incorrer, talvez, em crime de desobediência, porque não há outra maneira. Vou fechar o hospital?”, indagou Flori Cordeiro.

PUBLICIDADE

As declarações foram feitas durante uma coletiva de imprensa, na Câmara Municipal de Vereadores. Durante a entrevista, ele anunciou que vai revogar, ainda nesta quinta, o decreto que pleiteava o uso de equipamentos e da estrutura de um hospital particular com obras ainda não concluídas. 

Leia também: Em RO, órgãos questionam terceirização da saúde pela Prefeitura de Vilhena

Prefeito de Vilhena, Delegado Flori Cordeiro, decretou estado de emergência na saúde público, terceirizou serviços e pleiteou uso de hospital particular pelo município (Maison Bertoncello/REVISTA CENARIUM)

‘Medida desesperada’

A ideia do prefeito era transferir leitos de UTI, duas salas cirúrgicas e o setor de lavanderia do Hospital Regional Adamastor Teixeira de Oliveira (HRV) para o prédio que está em construção, desde 2019, por uma cooperativa. O documento foi suspenso pela Justiça, na última terça-feira, 21, mesmo dia em que entrou no Diário Oficial (DOV). O caso foi tratado como “abuso de poder”

“As circunstâncias me levaram a isso”, justificou Flori Cordeiro, quando questionado se teria recuado. “Eu tentei colocar prazo maior, não deram. Eu tentei colocar em outro lugar, não deram. O que eu posso fazer?”, questionou.

Sobre a tentativa de ocupar o Hospital Coopear, da Associação Cooperar, ligada ao Sicoob Credisul, o chefe do executivo reconheceu que agiu de maneira desesperada. 

“Não era para tomar nada de ninguém, mas eu apelei para a solidariedade. Tudo bem que, na força da Constituição – não há ditadura nenhuma nisso -, nós fizemos dentro do que a Constituição prevê em tese: o prefeito toma a atitude de tentar fazer isso desesperadamente, que era a única saída”, alegou. 

Hospital particular requisitado pela prefeitura tem 9,5 mil metros quadrados de área, em um terreno de 27 mil metros quadrados; obras giram em torno de R$ 20 milhões, dinheiro arrecadado com doações de empresas associadas e clientes da cooperativa
(Maison Bertoncello/REVISTA CENARIUM)

Mudança de tom

O embate é mais um dos problemas que se arrastam junto à decisão de Flori em terceirizar os serviços de saúde pública oferecidos pelo município, depois que ele decretou estado de emergência no setor.

A associação Cooperar divulgou, na terça passada, uma nota de repúdio contra a requisição de Flori para o uso do Hospital Cooperar. Conforme o decreto, a unidade passaria a ter o mesmo nome do Hospital Regional de Vilhena e seria administrado pela Santa Casa de Chavantes, empresa que gerencia o HRV, todas as Unidades Básicas de Saúde (UBSs) e a Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) da cidade, desde 24 de janeiro. 

Em nota, a associação disse que foi pega de surpresa com uma decisão “na surdina, populista e autoritária”, mas logo após a suspensão do decreto determinada pela Justiça, a cooperativa anunciou a doação de R$ 1 milhão para a prefeitura, sob a condição de revogar a norma. Flori confirmou a doação durante a coletiva desta quinta e disse que os recursos serão utilizados para reparar o cenário que ele classifica como uma “situação catastrófica”

“O Sicoob falou o seguinte: o senhor tira o decreto e nós lhe daremos 1 milhão de reais (…) Foi por conta deste cenário que eu vou revogar esse decreto. Não é porque eu estou com 1 milhão de reais, que foi resolvido o problema. Um milhão de reais é parte do problema, porque pra onde que eu vou remanejar esse pessoal na hora que começar a fazer a reforma que precisa?”, disse Cordeiro.  

O dinheiro vai para as adequações apontadas pela Agevisa como necessárias para o Hospital Regional, apresentação de laudo elétrico e um projeto de proteção contra incêndios. Fora o valor, a prefeitura tem ainda, em caixa, um total de R$ 25 milhões que não estão comprometidos com dívidas.

Saúde foi terceirizada em Vilhena, no interior de Rondônia, no mesmo dia em que o prefeito decretou estado de emergência (Divulgação/Prefeitura de Vilhena)

Contradição

Questionado pela REVISTA CENARIUM, o prefeito afirmou que já havia sinalizado ao Sicoob que pretendia utilizar o prédio, mesmo com a alegação de terem sido pegos de surpresa.

“Inclusive, no dia que eu baixei o decreto, fiz uma reunião com a Unimed [sistema cooperativista responsável por equipar e gerenciar a unidade em Vilhena]”, respondeu, Flori. “Desde o primeiro dia até ao último instante, eu estava numa mesa conversando com a Unimed”, reforçou.

Problemas de gestão

Flori alega que os problemas encontrados na saúde são uma herança da gestão passada, visto que ele assumiu o cargo de prefeito em janeiro deste ano, depois que Vilhena teve eleições suplementares, em outubro do ano passado.

Ele diz que desde que assumiu a prefeitura, detectou uma situação de colapso na saúde, e cita mais de 200 mil atendimentos pendentes, além do surto de casos de dengue, mau funcionamento de postos de saúde e uma “desorganização total de contas”.

Terceirização

O convênio celebra uma prestação de serviços complementares aos SUS, de forma integrada, para manutenção e ampliação da assistência à saúde. Para isso, a prefeitura paga mais de R$ 9 milhões por mês. E, com o contrato de seis meses, os serviços fecham em cerca de R$ 55,5 milhões. A contratação foi via dispensa de licitação. 

De acordo com o Conselho Regional de Medicina do Estado de Rondônia (Cremero), a Santa Casa de Chavantes não tem registro junto à entidade. Nesta quinta, ao responder à CENARIUM, o prefeito disse que não vê problema nisso. 

“Eu questionei a Santa Casa de Chavantes sobre esse assunto e eles me mostraram diversos e-mails e diversos vídeos, inclusive, de tentativa de contato com o CRM local que, até mesmo tirou do ar os canais para o registro deles, aqui. Eles têm registro em São Paulo, eles têm registro no Paraná, eles têm registro no Rio de Janeiro e, portanto, não tem nenhum problema documental ou de cunho técnico para não terem feito isso. Eu considerei justificado”, disse Flori. 

Sobre o modelo de gestão, o prefeito garante que pretende manter a terceirização por todo o mandato, a fim de garantir qualidade nos serviços e afirma que a alternativa só não dará certo, caso a entidade “for picareta”. “A questão dos seis meses vai ser resolvida a partir do lançamento do edital da licitação definitiva, que está por vir, e que será com um prazo bem maior. E é assim que eu pretendo continuar, segurando a gestão dessa maneira”, concluiu. 

PUBLICIDADE

O que você achou deste conteúdo?

Compartilhe:

Comentários

Os comentários são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site. Se achar algo que viole os termos de uso, denuncie. Leia as perguntas mais frequentes para saber o que é impróprio ou ilegal.