Primo de Chico Mendes lembra legado de seringueiro: ‘Luta nobre que deu sua vida’

Seringueiro Raimundo Mendes, primo de Chico Mendes, chora ao lembrar da luta do parente pela preservação da Amazônia (Reprodução/Mayara Subtil/ Revista Cenarium Amazônia)
Mayara Subtil – Da Revista Cenarium Amazônia

BRASÍLIA (DF) – “Quando olho e vejo o nome do Chico [Mendes] espalhado no mundo, o seringueiro que não teve a oportunidade de ir a banco de escola, que nasceu nas condições mais difíceis e tem se projetado ao mundo graças a uma luta nobre que ele abraçou e deu sua vida“. Essas são as palavras do seringueiro acriano Raimundo Mendes de Barros, mais conhecido como Raimundão, de 78 anos. Ele carrega como premissa familiar o ativismo ambiental e é primo de Chico Mendes, morto com um tiro de escopeta em 22 de dezembro de 1988, enquanto tomava banho nos fundos de casa.

Em entrevista à REVISTA CENARIUM AMAZÔNIA nesta terça-feira, 14, Raimundão, que vive dentro da Reserva Chico Mendes, em Xapuri, no Acre, não conteve as lágrimas ao lembrar da morte e da figura que Chico Mendes representa às atuais gerações, sobretudo, por não acreditar que a luta dos seringueiros seja em vão.

Muito dos nossos companheiros não sabem a capacidade de força, o potencial que ele tem para, junto com os outros, fazer com que essa corrente de força dos nossos algozes, que é o capital, que é o latifúndio, a gente junto, é muito mais fácil de vencer. E tem muitos que, muitas das vezes, não acreditam na força que tem. Nunca abandonei o seringal, continuei no seringal“, disse.

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Nesta quarta, 14, acontece o segundo dia do 6° Congresso Nacional do CNS em Brasília (Ton Molina/Revista Cenarium Amazônia)

Raimundo Mendes e mais de 250 lideranças dos territórios tradicionais estão em Brasília participando do 6° Congresso Nacional das Populações Extrativistas. O evento se estende até a próxima sexta-feira, 17, na Universidade de Brasília (UnB). O encontro é promovido pelo Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS). O movimento foi criado por Chico Mendes e completa, em 2023, 38 anos de existência.

Raimundo mencionou que, apesar do pulso do atual governo federal frente ao desafio de combater o desmatamento e os crimes ambientais na Amazônia, ainda é preciso fazer mais. “Os problemas da nossa Amazônia não se resolvem em um passe de mágica. Eles se resolvem a partir da organização, da conscientização, da nossa companheirada habitante da Amazônia e daqueles homens e mulheres de organizações que estão espalhados no Brasil que são solidários e nos ajudam“, mencionou o seringueiro.

O primo de Chico Mendes teve tempo de se dedicar à batalha pela preservação ambiental, ao lado do líder seringueiro, e seguir com seu legado. Foi em 1979 que Raimundão largou o emprego na extinta Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (Sucam) para se tornar seringueiro e se debruçar na missão de proteger a Amazônia. Se envolveu com os sindicatos de trabalhadores rurais que se fortaleciam no interior do Acre, mesmo diante do poderio dos fazendeiros locais.

O ativista ambiental Chico Mendes (Reprodução)


Raimundo Mendes ainda escapou com vida dos conflitos entre seringueiros e fazendeiros ocorridos no Acre entre as décadas de 1970 e 1980. Hoje, é visto como defensor do extrativismo, sobretudo, como fonte de renda dentro da Reserva Chico Mendes, Unidade de Conservação (UC) ambiental cuja criação foi impulsionada pela luta dos seringueiros acrianos. Mas mesmo com anos de luta, ainda segue ameaçada por criações de gado e desmatamento.

Para Raimundão, a atual missão de proteger a floresta está nas mãos dos mais novos. “Já tivemos conquistas muito importantes no que pese à gama de companheiros insubstituíveis como Chico Mendes, Wilson Pinheiro, irmã Dorothy, e tantos outros companheiros que perdemos nessa luta. Agora, com essa juventude, para mim, ela vem muito mais preparada do que nós, pois, nós não tivemos oportunidade de galgar banco de escola, e a grande maioria deles já têm formações“, concluiu.

Primo de Chico Mendes, o seringueiro Raimundo Mendes participa do 6° Congresso Nacional do CNS em Brasília (Ton Molina/Revista Cenarium Amazônia)

Após a morte de Chico Mendes, em 1988, houve comoção mundial pela partida do seringueiro. Diferente dos casos de outros líderes sindicais mortos no Acre dos anos 1980, os suspeitos de planejar e matar o seringueiro, o fazendeiro Darly Alves da Silva e seu filho Darci Alves Ferreira, foram logo capturados e presos.

Pai e filho foram condenados em 1990 a 19 anos de detenção. Os dois fugiram da prisão três anos mais tarde, mas foram recapturados em 1996. Já em 1999, Darly passou a cumprir o restante da pena em prisão domiciliar. A justificativa foi problemas de saúde. No mesmo ano, Darci ganhou o direito de cumprir o restante da pena em regime semiaberto.

6° Congresso Nacional das Populações Extrativistas
Segundo dia do 6° Congresso Nacional do CNS em Brasília (Ton Molina/Revista Cenarium Amazônia)

Até a próxima sexta, lideranças debatem, em Brasília, pautas relacionadas a mudanças climáticas e crédito de carbono, bem como manutenção e consolidação de territórios de uso coletivos. Também durante o encontro, haverá a eleição e posse da nova diretoria do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), composta por 12 membros, para o quadriênio 2024/2027.

Nos últimos anos, vivemos enormes desafios para tornar o meio ambiente equilibrado, justo e de todos, com o avanço do desmatamento, extração de madeira e garimpagem ilegal, aumento da violência contra nossas lideranças e a carência de políticas públicas de implementação, governança e gestão dos territórios. Todas as contribuições integrarão nossos próximos passos em prol da floresta viva e pelo futuro dos povos tradicionais“, disse o presidente do CNS, Júlio Barbosa.

Ministra Marina Silva, do Meio Ambiente e Mudança do Clima, reencontra Raimundo Mendes, primo de Chico Mendes, em Brasília (Reprodução/Divulgação)

Na noite de segunda-feira, 13, a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, cumprimentou as lideranças, em especial, Raimundo Mendes. Marina tem a carreira marcada pela luta em defesa do meio ambiente, inclusive, ao lado de Chico Mendes, que a lançou como vereadora pelo PT em 1988. “Posso dizer que Chico Mendes representa a comunidade. Eu considero que eu tenho vocês como estrategistas presentes no mundo“, declarou a ministra.

Leia mais: ‘Semana Chico Mendes’ tem premiação no Acre: evento mantém vivo ideais de seringueiro
Editado por Jefferson Ramos
Revisado por Adriana Gonzaga
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