Projetos de lei minam metas ambientais do Brasil

Indígenas em frente ao Congresso Nacional (Adi Spezia /Cimi)
Lucas Ferrante – Especial para Revista Cenarium Amazônia**

MANAUS (AM) – Na renomada revista científica Science, nessa quinta-feira, 3 de agosto, foi publicado uma carta de minha autoria onde aponto como o Congresso Nacional vem minando as metas ambientais do Brasil, o que representa uma grande ameaça aos povos indígenas, a biodiversidade e ao clima global. Na publicação ainda foi demostrado que a bancada ruralista, liderada por Arthur Lira, lidera os ataques ao meio ambiente do Brasil. A publicação ainda aponta como isso terá impactos no processo de grilagem de terras na rodovia BR-319, veja detalhes a seguir:

Após quatro anos de retrocesso nas políticas ambientais brasileiras, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva vem tentando retomar uma agenda ambiental. No entanto, a Câmara dos Deputados do Brasil – liderada por Arthur Lira, um apoiador do ex-presidente Jair Bolsonaro – aprovou recentemente uma medida provisória MP1154/2023 e um projeto de PL490, que prejudicaria a capacidade do Brasil de controlar o desmatamento e as ameaças às terras indígenas. Se esses projetos forem aprovados pelo Senado e sancionados pelo presidente, os parceiros comerciais globais devem reconsiderar seus acordos de importação com o Brasil.

A MP1154/2023 e a PL490 obtiveram aprovação do Congresso com o apoio de representantes de grandes proprietários, conhecidos como ruralistas. Se implementada, a MP1154/2023 removeria o poder dos órgãos federais, limitando sua capacidade de fazer cumprir a proteção ambiental. Por exemplo, os departamentos sob autoridade do Ministério do Meio Ambiente, incluindo o Cadastro Ambiental Rural (CAR), seriam transferidos para ministérios controlados por ruralistas. O Ministério dos Povos Indígenas também perderia o poder de designar novas terras indígenas. Além disso, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) não teria mais poder de veto sobre o licenciamento de grandes projetos de infraestrutura. Se o PL490 entrar em vigor, terá poder de extinguir terras indígenas demarcadas à partir de 1988, provavelmente levando ao aumento da mineração e da agricultura nas regiões mais vulneráveis da Amazônia.

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As mudanças propostas nesses projetos de lei teriam efeitos imediatos e devastadores. Os ruralistas estão pressionando a construção da Rodovia BR-319, que ligaria Porto Velho no notório “arco do desmatamento” a Manaus, na Amazônia central relativamente intacta. A pavimentação ainda não começou, mas o governo federal priorizou o projeto sem consultar os povos indígenas, tornando ainda mais importante a autoridade ambiental de órgãos federais independentes. Atualmente, o Ministério do Meio Ambiente controla tais mecanismos de fiscalização ambiental por meio do CAR, e o IBAMA pode vetar o projeto da Rodovia BR-319 se o Ministério do Meio Ambiente determinar que ele representa um dano ambiental inaceitável. No entanto, a MP 1154/2023 colocaria a decisão nas mãos dos ruralistas, e o PL 490 retiraria o mecanismo legal dos povos indígenas para justificar a proteção da terra.

Como os ruralistas do Congresso brasileiro são financiados pelo agronegócio brasileiro, estes parlamentares tem priorizado os ganhos econômicos sobre as preocupações ambientais. A MP 1154/2023 e a PL490 têm chances de aprovação no Senado brasileiro, cujo presidente também é alinhado à bancada ruralista, e o presidente Lula pode assiná-las, desde que tenham o apoio de sua base eleitoral. No entanto, o Supremo Tribunal Federal do Brasil tem o poder de salvaguardar os direitos de milhares de povos indígenas no Brasil e reduzir a pressão sobre suas terras ao rejeitar a legitimidade dos projetos de lei, hoje conhecido como “marco temporal”.

Se estes projetos virarem lei e o Supremo Tribunal Federal permitir que eles permaneçam, as commodities brasileiras estarão indissociavelmente ligadas ao desmatamento e à violação dos direitos dos povos indígenas. As metas climáticas globais e a saúde pública também estariam em risco. Os países que importam commodities do Brasil, como carne, soja, milho, biocombustíveis, petróleo e minerais como ouro e ferro, devem rever suas políticas comerciais considerando os danos ambientais que o Brasil pode causar ao produzi-los.

*Dr. Lucas Ferrante, autor deste texto de divulgação científica, também foi o pesquisador responsável por coordenar o estudo publicado no periódico científico Conservation Biology.

(*) Este conteúdo é de responsabilidade do autor.

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