Recorde de queimadas: Estado do Mato Grosso pode afrouxar regras ambientais

Mato Grosso (Ibama)
Com informações do Infoglobo

MATO GROSSO – Estado com maior área de cultivo de grãos e com a mais alta produtividade do Brasil, o Mato Grosso ressurge como campeão de queimadas na Amazônia Legal. De janeiro até agora, responde por 70% dos cerca de 5,2 mil focos de fogo identificados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Os dez municípios brasileiros com maior número de queimadas no período são mato-grossenses.

De janeiro a abril, o Estado liderou também o desmatamento. Metade da floresta suprimida estava em seu território. Apesar disso, projetos de lei no Congresso Nacional e na Assembleia Legislativa propõem mudanças que podem piorar o quadro, como retirar o Estado da Amazônia Legal.

Com 13,7 milhões de hectares de floresta convertidos em pastagem ou plantio de grãos desde a metade da década de 1980, segundo o MapBiomas, o Estado enfrenta nova pressão por ocupação de terras. Ane Alencar, diretora do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), afirma que o Mato Grosso segue a mesma lógica do desmatamento que avança sobre o Sul do Amazonas:

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“Mesmo tendo fazendas aptas a fornecer para o mercado internacional, muitos ocupam ilegalmente novas áreas para desmatar”.

Embora ainda detenha 30,9 milhões de hectares de Floresta Amazônica, a qualidade do bioma no Estado é considerada baixa, por conta dos cortes das árvores com madeira de alto valor no mercado. As terras protegidas por lei, como as indígenas e reservas legais, correspondem a apenas 21% do Estado. Mas este ano, das dez terras indígenas com mais queimadas, cinco estão no Mato Grosso. A maior parte dos focos foi dentro da TI Parque do Xingu, a mais antiga área indígena regularizada no Brasil.

Não é a única ameaça no Estado. Em maio, uma equipe da Secretaria Estadual do Meio Ambiente foi cercada, agredida e ameaçada por cerca de 80 pessoas depois de flagrar extração ilegal de madeira na Reserva Extrativista Guariba-Roosevelt, entre os municípios de Aripuanã e Colniza. Uma ponte foi queimada e os criminosos atearam fogo no barracão que estocava castanhas colhidas pelos extrativistas.

Em fevereiro, a Força Nacional de Segurança Pública foi acionada para proteger as terras indígenas Kawahiva do Rio Pardo e Piripkura, em Colniza. Dois meses antes, a Terra Indígena Sararé, em Pontes e Lacerda, precisou do apoio federal após uma invasão do garimpo.

“As terras indígenas têm sido as principais barreiras de proteção na Amazônia”, lembra Luís Oliveira, pesquisador do Imazon.

Mato Grosso tem 53,6% de seu território na Amazônia, 39,6% no cerrado e 6,8% no Pantanal. Como faz parte da Amazônia Legal, por lei, os proprietários de terra do têm de manter 80% de reserva legal em área de floresta, 35% no cerrado e 20% nos campos gerais.

Projeto para ficar de fora

Desde fevereiro, um projeto de lei do deputado federal Juarez Costa (MDB-MT) tramita na Câmara dos Deputados com a proposta de retirar o Mato Grosso da Amazônia Legal, o que permitiria reduzir a reserva legal em área de floresta de 80% para apenas 20%. Pelas regras da Casa, não está previsto que o projeto precise ser votado em plenário. Sua conclusão será dada pelas comissões.

O deputado argumenta que a exclusão poupará os produtores de despesas de manutenção e o crescimento da população mundial aumenta a demanda por alimentos, o que exige a expansão de produção em áreas de fronteira agrícola.

Segundo Herman Oliveira, secretário-executivo do Fórum Mato-grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento, o Estado tem um passivo ambiental de 4,5 milhões de hectares de desmatamento e de perda decorpos hídricos:

“Se a lei for mudada, crimes ambientais serão perdoados. Vão recorrer e não precisarão recompor as áreas. É o modus operandi do ruralismo. Comete o crime e depois cria dispositivos para legalizar.

Oliveira lembra que no Mato Grosso há três bacias hidrográficas — a Amazônica, a Platina e a do Tocantins-Araguaia. Suas águas são importantes também para o Sul e o Sudeste. O Mato Grosso também abastece o Aquífero Guarani, estratégico para países vizinhos da América do Sul:

“Os danos no Mato Grosso atingem todo o Pantanal e afetam outros países, como ocorre com a contaminação por agrotóxicos”.

“É melhor que tenha boi”

Outro projeto de lei já aprovado em primeira votação na Assembleia Legislativa do Mato Grosso permite gado criado solto no pasto em reservas legais no Pantanal. E libera empreendimentos de ecoturismo e turismo rural nessas áreas.

“Está sendo construído um novelo de normas para tudo ser transformado numa grande fazenda”, diz o deputado estadual Lúdio Cabral (PT).

O projeto leva a assinatura da Comissão de Meio Ambiente, Recursos Hídricos e Recursos Minerais da Assembleia. Presidente da comissão, o deputado Carlos Avallone (PSDB) afirma que o objetivo é viabilizar a permanência da pecuária e promover limpeza de áreas com acúmulo de vegetação seca, além de evitar queimadas. Avallone defende a tese de que o boi vai comer vegetação seca. Segundo o deputado, o fogo que destruiu boa parte do Pantanal em 2020 ficou descontrolado porque muitas fazendas estavam abandonadas.

“Estava difícil sobreviver economicamente, porque o boi pantaneiro não tem como competir com a produtividade de outras áreas. Para proteger o Pantanal, o melhor é que se tenha boi”, afirma.

Avallone diz que o projeto leva em conta estudo da Embrapa Pantanal. A nota técnica de pesquisadores da Embrapa, porém, afirma que o uso de áreas de reserva legal deve ser de abril a junho, e em áreas de campo e cerrado. A restrição não consta no texto aprovado até agora pelos deputados.

A Embrapa Pantanal informou que, a pedido da Comissão, elaborou subsídios técnicos para restauração das áreas campestres ou colonizadas por vegetação que causam prejuízo à pecuária e agravam os impactos dos incêndios. Além disso, a empresa disse que orientou sobre os locais e os critérios de uso do fogo para limpeza e informou que “a decisão sobre como fazer a absorção das orientações dadas pelas notas técnicas da Embrapa cabe à esfera legislativa”.

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