Representatividade: empreendedores investem em lojas voltadas para público LGBTQIAP+ em Manaus

Empreendedores LGBTQIAP+ têm investido, cada vez mais, no empreendedorismo (Reprodução/Internet)
Priscilla Peixoto – Da Revista Cenarium

MANAUS – “É muito bom termos lojas, em Manaus, que atendam, cada vez mais, o público LGBTQIAP+. Muitas vezes, a única opção é pedir produtos de fora. Creio que com o segmento presente, visamos para além do lucro, exercendo a representatividade”. A declaração é da empreendedora Thalyne Adrielle, 30. A manauara integra o time daqueles que resolveram apostar em um nicho voltado para a diversidade, na capital, e que a cada dia tem sido mais notado pelo consumidor.

A sigla LGBTQIAP+ representa as Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais/Transgêneros/Travestis, Queer, Intersexual, Assexual, Pansexual e as demais orientações sexuais e identidades de gênero, sendo representada pelo símbolo da soma (+).

Fundadora da loja “Dona Bicha“, Thalyne reforça os dados divulgados em julho do ano passado, quando a agência de publicidade AlmapBBDO e a plataforma de pesquisas On the Go, a Nhaí, Diversitech de Inovação e Projetos de Diversidade lançaram um estudo sobre o cenário do empreendedorismo LGBTQIAP+ no Brasil.

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Empreendedora Thalyne Adrielle, fundadora da loja ‘Dona Bicha’ (Reprodução/Arquivo Pessoal)

De acordo com o levantamento, ser da comunidade LGBTQIAP+ serve de impulso para 39% dos empreendedores que apostaram no segmento como uma oportunidade de quebrar barreiras para obter renda.

“No ano de 2019, eu me perguntei: Por que eu não abro uma loja LGBTQIAP+? Há muito público em Manaus, mas eu percebia que não havia muitos espaços comerciais que atendessem nossas demandas. Lembro que um dia amanheci com vontade de usar algo colorido, tipo uma camisa, um acessório que fosse, e eu não tinha. Foi quando reparei que não conhecia nenhuma loja que nos representasse”.

A loja dispõe de artigos variados que reforçam o orgulho LGBTQIAP+ (Reprodução/Arquivo Pessoal)

Prática x Preconceito

Juridicamente, a loja “Dona Bicha” entrou em funcionamento em 2020. Com uma proposta inicial em formato on-line, o negócio migrou também para a versão loja física. Desde então, a administradora tem se dedicado participando de cursos, oficinas e eventos que melhorem, de forma contínua, os serviços ofertados pelo empreendimento.

Mesmo com a loja fluindo e com uma média de quase 200 clientes atendidos ao mês, Thalyne conta que o preconceito é uma realidade constante. “Tenho recebido muito apoio, acolhimento, mas é fato que o preconceito e o olhar de desdém sempre se fazem presentes, principalmente, nas participações em feiras. Mas eu não recuo. Acredito que tem uma parte da história do empreendedorismo, aqui em Manaus, que nós precisamos começar a escrever, agora, ou então sempre seremos deixados de lado”.

Os acessórios são uns dos itens procurados pelo público da loja (Reprodução/Arquivo Pessoal)

Moda Agênero

Visando o acolhimento, conforto, liberdade e respeito, por meio da moda, a também manauara Stephanne Lira, 32, apostou, recentemente, na loja Flamingay“, uma loja com conceito agênero, onde as pessoas são livres para usarem o que lhes cair bem.

“Eu quis fazer algo que realmente importasse, impactasse. Daí surgiu o pensamento de me aliar à comunidade a qual eu sempre fiz parte. Via a dificuldade que eu e muitas pessoas têm de encontrar roupas, e sempre me senti incomodada com os olhares, porque eu sou uma mulher e, ao entrar no hall masculino das lojas, percebia que aquele olhar de desprezo das atendentes era bem ruim. Decidi que, hoje, não precisamos passar por isso. Que a moda não segue padrões. E, sim, eu sou uma mulher, mas posso vestir uma blusa masculina, uma calça que seja“, conta a empreendedora.

Stephanne Lira, 32, apostou, recentemente, na lojaFlamingay (Reprodução/Arquivo Pessoal)

Com apenas três meses de existência, a lojinha on-line ganhou um espaço físico que, aos poucos, vai conquistando o gosto da clientela. “Quando decidi arriscar nesse viés, fiz uma pesquisa rápida, não achei muita coisa, por aqui que, realmente, entrasse nesse tema. E foi aí que a Flamingay surgiu. Aos poucos, estamos revendo toda a necessidade do público LGBTQIAP+ nesse contexto da camisaria e artigos da moda“, explica Stephanne.

Tendo o apoio essencial dos pais, namorada e amigos, a nova empreendedora acredita que a aposta renderá bons frutos. Para Lira, o primeiro e, talvez, um dos mais importantes retornos já aconteceu. “Sigo firme, é tudo muito recente, mas acredito que tem tudo para dar certo. Só de pensar em me sentir confortável e que vou poder proporcionar essa mesma sensação aos meus clientes, independente da sexualidade ou gênero, me dá alívio. Isso quebrou um estigma dentro de mim“.

A Flamingay foca em camisas estilizadas e artigos que façam alusão à comunidade LGBTQIAP+ (Reprodução/Arquivo Pessoal)

Tods Vest

Na mesma pegada da moda, o fisioterapeuta e fundador da e-commerce “Tods Vest“, Pablo Cortez, 30, também resolveu trilhar no segmento do vestuário, com uma proposta de moda casual e acessível, independente de orientação sexual ou identidade de gênero.

Com o diferencial focado na construção do relacionamento com o público LGBTQIAP+, Pablo acredita que a Tods Vest tem como ponto alto a conexão e o sentimento de pertencimento à comunidade. “Nosso principal propósito é mostrar que o empreendedorismo, neste caso, pode ser ponte na vida das pessoas, e ressignificar vivências por meio de nossas estampas traduzidas em arte, contando a história ou o momento de alguém que foi importante”, explica Pablo que conta com o auxílio do namorado Alexasanderson Freitas na direção da empresa.

Pablo Cortez abordando o propósito do empreendimento e a conexão com o público (Reprodução/Instagram)

O fundador da Tods Vest ressalta a importância de se preparar para entrar no mercado se sentindo mais seguro e preparado. “Estudei bastante, durante nove meses, antes de mergulhar nesse ramo. Fiz o emprect, do Sebrae, que é muito bom, fiz o curso ‘Salto Acelerador’, promovido pela Secretaria Municipal do Trabalho, Empreendedorismo e Inovação (Semtepi) e pela Impact Hub tentei estruturar, o máximo possível, para justamente manter a ideia da Tods Vest, que é ser acessível para todes”.

Coleção de estreia da ‘Tods Vest‘ (Reprodução/Instagram)

Oportunidade

Na leitura da economista e vice-presidente do Conselho Federal de Economia (Cofecon), Denise Kassama, as oportunidades identificadas por esse grupo de pessoas acabam contribuindo para a criação de uma nova realidade no mercado local, promovendo características que “flertam” com o chamado empreendedorismo social, possibilitando a realização pessoal com ideias inovadoras e colaborando para determinado segmento da sociedade.

Para a profissional, a existência de “novos nichos” no empreendedorismo local é extremamente positivo, uma vez que ajuda a movimentar o mercado e facilita o processo de compra do consumidor.

O arco-íris virou símbolo da comunidade LGBTQIAP+ (Reprodução/Internet)

“Manaus é uma cidade isolada e tudo que compramos, que vem de fora, ou pagamos um preço muito alto, ou demora para chegar, pelo fato de vir de avião ou navio. E essa mesma dificuldade que os produtos têm para chegar, também se torna um cenário bem oportuno para quem quer empreender, oferecer coisas diferentes, na cidade, pois não tem”, destaca Kassama que cita o apoio dos grupos tidos como ‘minorizados’.

Inclusive, pelos novos ares democráticos e uma visão um pouco mais progressista da sociedade, começam a sentir espaço para poder empreender para seu próprio público. Então, o que antes, de forma errônea, era fadado à margem da sociedade, agora, começa a encontrar um espaço no mercado (…) Não só essa parte da população, mas também dos povos indígenas, quilombolas, negros, bandeiras sociais importantes que, dentro das suas representatividades podem encontrar nichos de mercado para disponibilizar bens e serviços”, considera a especialista, que completa:

Cada novo empreendimento está movimentando a economia. Ganha a sociedade, com mais diversidade nos serviços e produtos, e a própria comunidade que se vê representada no comércio. Que venham mais exemplos na cidade, pois, mercado tem”, ressalta.

Consumo ideológico / Pink Money

Uma pesquisa realizada em 2022 pela Rainbow Homes, da NielsenIQ, empresa de informação global, aponta, no Brasil, índices de alto poder aquisitivo entre integrantes da comunidade LGBTQIAP+. Segundo o estudo, ao se sentirem representados pelo empreendimento, tornam-se fiéis ao produto ou serviço, o que resultaria, até então, em uma movimentação de pouco mais de R$ 10,9 bilhões, por ano, somente no Brasil.

A comunidade LGBTQIAP+ garante 7% do PIB nacional, aponta pesquisa (Reprodução/Agência Brasil)

Este consumo ideológico, intitulado de “Pink Money” (dinheiro gasto por pessoas LGBT na aquisição de produtos e serviços voltados a essa parcela da população), auxilia de modo amplo e inclusivo e contribui com a promoção da diversidade no mercado empreendedor.

Conforme o levantamento, destacado na ISTOÉ em julho do ano passado, a comunidade LGBTQIAP+ garante 7% do PIB nacional. De acordo com a publicação, as famílias com, pelo menos, um integrante da comunidade, representam 5,5% no que diz respeito ao consumo nacional e apresentam 14% mais do que as demais famílias. Desse total, em média, 30% estão dispostos a consumir mais em marcas que, verdadeiramente, se conectam com a pluralidade.

Calcinhas de ‘aquendar’

Movida pela dificuldade de encontrar, no mercado, calcinhas, especialmente, confeccionadas para mulheres trans, travestis e drag queens, a manauara Louise Costa, de 30 anos, fez da escassez um canal para ganhar uma renda extra. A trans empresária, como ela mesma se intitula, tem se dedicado ao aprendizado e ao trabalho no ramo do empreendedorismo, por meio da criação da lojinha virtual “Louise Pantie”.

As chamadas calcinhas “aquendar” ou calcinhas de “aquendação”, basicamente, são peças íntimas formuladas para a comunidade T e drags, que precisam usar roupas para acomodar e disfarçar melhor as partes íntimas, principalmente, aqueles que fazem shows performáticos.

Louise é conhecida por ser pioneira, na capital, ao vender peças voltadas à ‘comunidade T’ (Reprodução/Instagram)

Com a loja em funcionamento desde 2021, Louise já alcançou um público para além da capital amazonense e conta com ajuda da mão de obra da mãe, que é costureira, na produção das peças que custam, em média, R$ 25 a R$ 35, dependendo do modelo e dos acessórios colocados para dar um Up na peça íntima.

Ao investir nos produtos e mergulhar no universo empreendedor, Louise não só encontrou uma fonte de renda extra, como também, sem intenção, a jovem trans empreendedora exerceu um papel de referência para a comunidade T, que é o maior alvo de violência, preconceito e falta de oportunidade dentro da realidade LGBTQIAP+.

As popularmente conhecidas pela comunidade T como ‘calcinhas de aquendar’ (Reprodução/Instagram)

Me encontrar nesse espaço me deixa muito feliz, e trabalhar com esse público em que me insiro está sendo muito gratificante, principalmente, quando recebo os feedbacks das minhas clientes e entendo que não vendo só calcinhas. Com as peças, eu entrego conforto, autoestima e aceitação também. E, meu Deus, minha mãe e eu ficamos bobas demais quando a gente percebeu a importância desse projeto“, destaca.

Leia também: Um espaço de acolhimento’, diz empreendedor sobre Studio LGBTQIA+friendly em Manaus
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