Riachuelo e o Holocausto: entenda a semiótica por trás da moda

À esquerda, peça vendida pela Riachuelo. À direita, peça de pijama no Museu do Holocausto (Reprodução)
Ívina Garcia – Da Revista Cenarium Amazônia

MANAUS (AM) – A nova coleção da loja de departamentos Riachuelo esteve no centro do debate ao colocar à venda um conjunto de camisa de botão e calça listrados em tom azul, similar aos usados pelos presos no Holocausto, entre os anos de 1933 a 1945. O Holocausto foi a perseguição sistemática que culminou no assassinato de mais de 6 milhões de judeus europeus pelo regime nazista alemão.

Internautas apontaram que não só as cores, mas o corte do modelo da peça produzida pela Riachuelo se assemelham aos utilizados nos campos de concentração. A empresa veio a público pedir desculpas e afirmou que as peças seriam imediatamente removidas das lojas e do site. “Nós, da Riachuelo, prezamos pelo respeito por todas as pessoas, e esclarecemos que, em nenhum momento, houve a intenção de fazer qualquer alusão a um período histórico que feriu os direitos humanos de tanta gente”, afirmou em nota.

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À esquerda, peça vendida pela Riachuelo. À direita, peça de pijama no Museu do Holocausto (Reprodução)

Nas redes sociais, a página do Museu do Holocausto no Brasil publicou uma sequência de informações, onde ressaltam que a moda, mesmo a fast fashion, ou seja, aquela feita em larga escala, está atrelada a sentidos. “Desde o surgimento da moda, a memória fica atrelada a roupas, que carregam sentido. E essa é uma grande responsabilidade. Estilistas e publicitários precisam conhecer a história – e a necessidade de construir pensamento crítico que fortaleça noções de empatia e de alteridade”, pontuou.

A página ainda citou comentários da especialista em Cultura Material e Consumo, Semiótica Psicanalítica da Universidade São Paulo (USP), Maria Eugênya Pacioni, onde pontua que “tendências de moda não são isoladas da estética, da semiótica, da história, e nenhuma tendência deve estar acima da decência, da memória e do respeito”, disse.

A popularidade de peças listradas tem tomado as vitrines das lojas nesta temporada, e o caso da Riachuelo não foi o único registrado. Recentemente, as lojas Calma e Souq também divulgaram estampas similares, com cortes diferentes. O modelo vendido pela Calma apresenta listras menores, com shorts no lugar da calça longa. Já a Souq traz as mesmas listras largas, com um corte diferente para a peça.

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À esquerda, publicação da loja Calma, e à direita a vitrine da loja Souq (Reprodução)
Construção de imagem

O Museu do Holocausto lembra que a escolha por pijamas listrados para os presos no Holocausto tinha a ver com a despersonalização dos indivíduos, transformando a roupa em um símbolo de segregação. “Roupas listradas são usadas em prisioneiros com o objetivo de segregá-los e facilitar a identificação e o reconhecimento. Tais uniformes são impessoais e retiram a individualidade, servindo ainda como forma de humilhação. Listras também são fáceis e baratas para produzir”, pontuaram.

Apesar de fazer parte da memória do público geral, o uso de vestimentas listradas no Holocausto não era algo comum entre todos os campos de concentração. Porém, o simbolismo ficou marcado com o tempo. Segundo o Museu, fotos dos presos e a Indústria Cultural, com a produção de filmes e séries sobre o assunto, ajudaram a construir o imaginário que nos faz remeter as roupas listradas ao Holocausto.

Esse processo de construção imagética é legítimo e independe de sua historicidade falsa ou verdadeira. Fato é que imagens carregam sentidos e emoções. Ver um conjunto estético formado por calça e camisa com essas cores, larguras e gola remetem indiscutivelmente ao Holocausto”, ressaltam.

Em 2014, a loja Zara também foi alvo de críticas ao lançar uma linha infantil que remetia aos pijamas do Holocausto, incluindo a “Estrela de Davi”, usada para identificar judeus na Europa Nazista. (Reprodução)
Símbolos

Para a bacharela em Artes pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam), criadora de conteúdo, artista visual e professora Rayssa Tavares, o significado por trás dos símbolos é algo intrínseco na sociedade. “Nós convivemos com símbolos; há coisas que não precisamos perguntar a alguém porque é possível identificar por meio do próprio símbolo o que ele significa, como, por exemplo, a placa de proibido estacionar. Além disso, temos símbolos que ganham novos significados e são reapropriados, como a própria suástica, que tinha um histórico com civilizações do oriente, mas por meio do Nazismo ganhou novo significado”, explica.

“A produção de moda tem que ter uma sensibilidade para pensar e pesquisar se foi um erro; acredito que no lugar em que estamos, estudar sobre o que acontece no mundo é essencial para não incorrer em erros como esse”, afirma a especialista à REVISTA CENARIUM AMAZÔNIA.

Criadora de conteúdo, artista visual e professora Rayssa Tavares (Reprodução)

Segundo Tavares, a sociedade e os profissionais envolvidos em produções precisam se atentar à semiótica dos símbolos. “Temos que educar nossos olhos para identificar e entender os símbolos que existem na sociedade e não aceitá-los. Com esse caso da Riachuelo, toda a discussão em torno do símbolo tem a ver com a história recente. Muitas pessoas possuem uma ligação triste com a história do Holocausto”, ressaltou.

Na moda, é comum que peças sejam produzidas com o intuito de chocar ou chamar atenção para uma crítica. Mas, segundo Rayssa, esse não seria o caso da Riachuelo, por não ser o objetivo principal de uma ‘fast fashion’. “Lojas de departamento não têm como finalidade promover críticas; elas querem fazer as pessoas consumirem e comprarem seus produtos. O que pode acontecer é que algumas lojas se apropriam de lutas e assuntos considerados de arte violenta para ter mais pessoas conversando e falando sobre a marca, para chegar em outras pessoas que vão comprar, mesmo sabendo que aquilo representa símbolos ruins”, explicou.

Edição por Eduardo Figueiredo

Revisão por Gustavo Gilona

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