Saúde Yanomami: empresa contratada por Bolsonaro tinha R$ 3 bi em pendências, aponta MPF

O ex-presidente Jair Bolsonaro (Valter Campanato/Agência Brasil)
Da Revista Cenarium Amazônia*

BRASÍLIA (DF) – Uma auditoria do Ministério da Saúde analisada pelo Ministério Público Federal (MPF) questiona a contratação, pelo governo de Jair Bolsonaro (PL), da Missão Evangélica Caiuá para atuar com saúde indígena no território Yanomami. Segundo o relatório, a organização soma mais de R$ 3 bilhões em “convênios que ainda não tiveram o processo de prestação de contas concluído”.

A Missão Evangélica Caiuá, identificada no Portal da Transparência do governo como uma entidade privada sem fins lucrativos, foi fundada em 1928. Ela tem convênios com o Executivo federal pelo menos desde 1999, dos quais 50 estão vigentes atualmente.

A apuração do MPF encontrou uma série de irregularidades em um contrato firmado no segundo semestre de 2019, junto à Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e o Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) Yanomami, e que chegou a R$ 182,2 milhões.

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Vista aérea de Território Indígena Yanomami (Valentina Ricardo/Greenpeace)

A auditoria diz, inclusive, que os funcionários que supostamente deveriam fazer o acompanhamento da execução do convênio e a fiscalização eram enfermeiros que nem sequer tinham conhecimento de tal atribuição.

Questionado, o Ministério da Saúde diz que não renovará o convênio, que se encerra neste ano, que abriu novo edital para diversos Dseis e que “os contratos firmados pela atual gestão da Sesai respeitam todos os processos legais para a contratação”. Procurada por email na terça (5), a entidade não respondeu.

O período em que foi feita a contratação e os aditivos no acordo com a Caiuá (2019 a 2022) coincide com o tempo em que o distrito foi comandado por apadrinhados do senador Mecias de Jesus (Republicanos-RR), aliado de Bolsonaro.

Segundo a Procuradoria, também foi nessa época em que funcionou no Dsei uma operação ilegal para desvio de medicamentos, com a participação de funcionários do órgão.

A auditoria da Saúde foi feita em dezembro de 2022 e aproveitada pelo procurador Alisson Mangual em um relatório sobre o Dsei-Yanomami de maio deste ano.

Como revelou a Folha em janeiro, a Sesai elaborou um relatório mostrando que o distrito de saúde yanomami foi sucateado pelo governo Bolsonaro.

O documento registra remédios vencidos, seringas orais reutilizadas indevidamente e fezes espalhadas em unidades de atendimento, além de desvio de comida e de medicamentos para tratamento de malária.

O relatório ainda aponta a curva de evolução da doença no território e mostra que o número de casos em indígenas explodiu durante a gestão passada.

Bolsonaro também incentivou o garimpo, inclusive propondo leis para regulamentar a extração dentro dos territórios indígenas, o que hoje é proibido. De 2020 para 2022, a atividade ilegal triplicou na região, segundo dados da PF.

O contrato alvo da auditoria do Ministério da Saúde tinha valor inicial de pouco mais de R$ 40 milhões e aumentou em mais de três vezes após uma série de aditivos.

A auditoria questiona o fato de a empresa ter sido contratada mesmo somando mais de R$ 3 bilhões em outros 32 convênios firmados entre 2011 e 2018 —já encerrados mas que, em dezembro de 2022, ainda não tinham a devida prestação de contas finalizadas.

A pasta e a Procuradoria apontam para a “liberação de recursos de convênios, sem a comprovação da adequada aplicação de verbas anteriormente liberadas”.

Quando feita a análise do processo de fiscalização do contrato, a auditoria descobriu que os funcionários supostamente destacados para esta função eram enfermeiros contratados pela própria Caiuá.

A pasta os entrevistou. “Em respostas, os fiscais, de forma geral, informaram desconhecimento de qualquer procedimento, providência em relação aos questionamentos. Informando que: somente tiveram conhecimento da designação como fiscais no momento da entrevista; que não receberam capacitação para atuarem como fiscal”, diz a auditoria.

Segundo as respostas dadas pelos funcionários, eles também não tinham senha de acesso à plataforma para acompanhar os gastos com o convênio.

“Enfim revelaram que não cumprem o papel de acompanhamento dos resultados em relação à execução, da verificação dos prazos de execução, da qualidade do atendimento e à comprovação da boa e regular aplicação dos recursos”, completa o relatório.

Dentre os inúmeros problemas apontados por Saúde e MPF está também a “falta de comprovação da capacidade técnica e operacional da conveniada para a realização do objeto e das atividades previstas no convênio”.

A análise também dá conta que a Caiuá não foi capaz de apresentar um plano de trabalho satisfatório e que sua contratação aconteceu sem a apresentação de estudos técnicos que indicassem a quantidade de profissionais necessários para a atuação junto à saúde Yanomami.

Também é constatado que valores repassados à entidade foram usados para pagamentos não relacionados ao objeto do contrato e que esse problema foi identificado também em outros convênios feitos com a Caiuá em distritos de saúde indígena, como no Vale do Javari (AM), em Manaus e em Mato Grosso do Sul.

Segundo o seu próprio site, a Missão Evangélica é sustentada por três vertentes da igreja presbiteriana, atua junto aos indígenas caiuás, guaranis, xavantes e kadwéus, no Brasil e no Paraguai.

“A instituição promove em seus campos de trabalho a promoção de ações que visam trazer dignidade ao indígena e proteção da infância e juventude”, diz o texto institucional da organização.

Leia mais: Sônia Guajajara anuncia construção de dois hospitais para atender povos indígenas em RR
(*) Com informações da Folhapress
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