Se interferência na PF for comprovada, Bolsonaro pode responder por crimes comuns, afirmam especialistas

Especialistas apontam dificuldade para responsabilização no caso Milton Ribeiro até o término do mandato (Adriano Machado - 4.fev.22/Reuters)
Com informações da Folha de S.Paulo

MOGI DAS CRUZES (SP) – Novas suspeitas de interferência envolvendo o presidente Jair Bolsonaro (PL) levantadas a partir de interceptações telefônicas feitas pela Polícia Federal (PF) no caso do ex-ministro Milton Ribeiro podem, se comprovadas, levar o mandatário a responder por crimes comuns e de responsabilidade, dizem especialistas.

Nessa terça-feira, 28, a ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), mandou a Procuradoria-Geral da República (PGR) se manifestar sobre a abertura de um inquérito para investigar o presidente, diante da “gravidade do quadro narrado”.

Veja também: Pressão por CPI do MEC cresce com supeita de interferência de Bolsonaro; oposição já tem 28 assinaturas

Material gravado indica que Milton Ribeiro passou a suspeitar que seria alvo de busca e apreensão após uma conversa com Bolsonaro, em que o chefe do Executivo teria dito que estava com um “pressentimento” de que iriam atingi-lo por meio da investigação contra o ex-ministro.

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Sentados lado a lado diante de um fundo azul claro com as várias estrelas, Bolsonaro e Ribeiro, dois homens brancos e de terno, se olham sorrindo
O presidente Jair Bolsonaro e o ex-ministro da Educação Milton Ribeiro durante cerimônia no Palácio do Planalto, em Brasília (Adriano Machado – 4.fev.22/Reuters)

Ribeiro e os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura são acusados de comandar um balcão de negócios para liberação de verbas no Ministério da Educação (MEC). A suspeita de envolvimento do presidente fez o caso ser enviado ao Supremo.

O advogado de Bolsonaro Frederick Wassef negou a existência do diálogo entre o presidente e Ribeiro e disse que caberá ao ex-ministro explicar o uso “indevido” do nome do mandatário. Ele também reiterou que o presidente não interfere na Polícia Federal.

Comprovação

Especialistas ponderam que as revelações feitas até o momento levantam indícios que precisam ser comprovados, não sendo possível imputar crimes ao presidente antes do término das investigações.

Raquel Scalcon, doutora em direito penal e professora da FGV Direito de São Paulo, considera que a hipótese mais plausível para enquadrar as condutas do presidente seria pela Lei das Organizações Criminosas (lei 12.850/13), que prevê o crime de obstrução de Justiça.

O presidente também poderia responder por crimes contra a administração pública, como prevaricação, advocacia administrativa e violação de sigilo funcional.

O diretor e primeiro secretário do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), Bruno Salles Pereira Ribeiro, também cita a Lei 12.850/13 e acrescenta a possibilidade de responsabilização pelo crime de favorecimento pessoal, do Código Penal, se os delitos forem comprovados.

O advogado Renato Stanziola Vieira, diretor e 2º tesoureiro do IBCCrim ​e sociofundador do escritório Kehdi e Vieira Advogados, diz que as chances de responsabilização dependerão da apuração provar que Bolsonaro sabia dos fatos. Em caso afirmativo, mais pessoas poderão responder criminalmente.

“Em qualquer das duas situações – favorecimento pessoal e violação de sigilo funcional–, além do presidente da República, e por se tratar de informação sigilosa, os demais agentes públicos que deveriam guardar sigilo sobre os fatos igualmente podem vir a ser responsabilizados criminalmente.”

Crimes comuns

Devido à prerrogativa de foro do cargo, Bolsonaro só pode responder por crimes comuns se houver uma denúncia do procurador-geral da República, cargo exercido por Augusto Aras, que deve ainda ter o aval da Câmara antes de ter andamento no STF.

Scalcon (FGV) considera isso pouco provável. Porém, caso Bolsonaro não seja reeleito, ela destaca que haveria maior chance de prosseguimento e efetividade de investigações, já que uma resposta nessa esfera não dependeria mais do PGR.

Em relação aos chamados crimes de responsabilidade previstos na Lei 1079/50, conhecida como Lei do Impeachment, a avaliação é de que há possibilidade de enquadramento em diversos artigos, mas que, por conta do fator político, as chances de o processo de impedimento avançar na reta final do mandato são poucas.

Ribeiro (IBCCrim) afirma que, embora legalmente possível, o pouco tempo, o acúmulo de pedidos de impeachment não analisados pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o ano eleitoral tornam essa via improvável.

Para o professor de direito constitucional da Universidade de Brasília (UnB) Mamede Said Maia Filho, não é possível esperar que a Câmara avalie o caso da mesma forma que o Judiciário.

Ele diz ainda que a abertura de um processo a essa altura funcionaria mais como um elemento de desgaste para a imagem de Bolsonaro, papel que pode ser cumprido pela CPI do MEC.

O pedido de instauração da investigação parlamentar foi apresentado nessa terça-feira, 28, pelo líder da oposição no Senado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP).

Carolina Cyrillo, professora de direito constitucional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), também considera o impeachment de Bolsonaro improvável neste mandato e adiciona haver uma discussão no meio jurídico sobre se, caso reeleito, ele ainda poderia ser responsabilizado.

“A pergunta é: seria possível um impeachment depois pelo fato do Milton Ribeiro agora? Há divergência na doutrina sobre isso. Tem gente que entende que não, que os fatos deste mandato seriam só para esse mandato, e tem quem entenda que sim, porque há uma prorrogação do mandato e um dos efeitos do impeachment é deixar a pessoa sem os direitos políticos.”

POSSÍVEIS CRIMES PRATICADOS POR BOLSONARO NO CASO MILTON RIBEIRO

Código Penal

Art. 319 – Prevaricação: retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal.
Pena: detenção, de três meses a um ano, e multa

Art. 321 – Advocacia administrativa: patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração pública, valendo-se da qualidade de funcionário.
Pena: detenção, de um a três meses, ou multa. Se o interesse for ilegítimo, detenção, de três meses a um ano, além da multa.

Art. 325 – Violação de sigilo funcional: revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação.
Pena: detenção, de seis meses a dois anos, ou multa, se o fato não constitui crime mais grave.

Art. 348 – Favorecimento pessoal: auxiliar a subtrair-se à ação de autoridade pública autor de crime a que é cominada pena de reclusão.
Pena: detenção, de um a seis meses, e multa.

Lei 12.850/13 (Lei das Organizações Criminosas)

Art. 2 – Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa:
Pena – reclusão, de três a oito anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas.
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que envolva organização criminosa.

Lei 1079/50 (Lei dos Crimes de Responsabilidade)

Art. 4, V – atentar contra a probidade na administração
Art. 9, 3 – não tornar efetiva a responsabilidade dos seus subordinados, quando manifesta em delitos funcionais ou na prática de atos contrários à Constituição
Art. 9, 5 – infringir no provimento dos cargos públicos, as normas legais
Art. 9, 7 – proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo
Art. 12, 1 – impedir, por qualquer meio, o efeito dos atos, mandados ou decisões do Poder Judiciário

Punição: perda do cargo com inabilitação, até cinco anos, para o exercício de qualquer função pública

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